Acórdão Nº 0006319-37.2017.8.24.0036 do Terceira Câmara Criminal, 14-12-2021

Número do processo0006319-37.2017.8.24.0036
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0006319-37.2017.8.24.0036/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: FERNANDO CESAR ZAPELLA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Jaraguá do Sul, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Fernando Cezar Zapella e Gabriel dos Santos, dando-os como incursos nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal, por duas vezes, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:

No dia 1º de setembro de 2016, os denunciados Fernando Cezar Zapella e Gabriel dos Santos apropriaram-se de diversas folhas de cheque que haviam sido perdidas por Santina Emília Reinert, em Jaraguá do Sul/SC, naquela mesma data, dentre as quais as cártulas n. 850353 e 850342, do Banco do Brasil, agência n. 0405-7, conta corrente n. 39.631-1, de titularidade da vítima Aloir Alves de Souza.

Assim é que, no mesmo dia, os denunciados utilizaram o cheque n. 850353, no valor de R$700,00 (setecentos reais), para obterem vantagem ilícita no comércio local, induzindo em erro quem o recebeu em pagamento, bem como a instituição financeira, já que se tratava de cheque que fora falsamente completado e assinado.

Com essa conduta, os denunciados agiram em prejuízo do Banco do Brasil, visto que, após o cheque ser-lhe apresentado para pagamento, descontou o valor da conta corrente do titular, mas teve que ressarcir a vítima Aloir daquele valor.

Já no dia 2 de setembro de 2016, os denunciados se dirigiram até o posto de combustíveis "Auto Posto Fritz e Filhos", sito na Rua Ermelina Trentini Menel, 13, bairro Ribeirão Cavalo, Jaraguá do Sul/SC e, após abastecerem o veículo de Fernando, obtiveram vantagem ilícita, em prejuízo do estabelecimento comercial, ao darem em pagamento o cheque n. 850342, no valor de R$190,00 (cento e noventa reais.

Para consumarem a fraude, os denunciados, em conjunto e unidade de desígnio, induziram em erro a funcionária Osnilda Minelli Fritz, tratando-a de forma educada e afirmando que eram "trabalhadores" e "gente boa" e que jamais a enganariam. O denunciado Gabriel, inclusive, para dar maior credibilidade ao seu engodo, chegou a informar seu número de telefone celular à funcionária - alterando o último dígito3 , tudo para conquistar a confiança da idosa, a qual acabou, então, aceitando a cártula como pagamento (ev. 5).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada parcialmente procedente para condenar o acusado Gabriel dos Santos às penas de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, em seu mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal, por duas vezes. O denunciado, também foi condenado à reparação dos danos causados à vítima Banco do Brasil, no valor de R$ 700,00 (setecentos reais). E, para condenar o acusado Fernando Cezar Zapella às penas de 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, em seu mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal, absolvendo-o da prática da mesma conduta em relação à cártula n. 850353, com base no art. 386, VII, do CPP. As penas restritivas de liberdade dos denunciados foram substituídas por restritivas de direito. Foi-lhes concedido o direito de apelar em liberdade (ev. 89).

Irresignada, a defesa de Fernando Cezar Zapella interpôs recurso de apelação, no qual requereu, inicialmente, a concessão dos benefícios da justiça gratuita. No mérito, pugnou pela sua absolvição, ao argumento, em suma, de fragilidade probatória, tendo em vista que ele não tinha conhecimento da titularidade do cheque ser de terceiro, bem como desconhecia que as cártulas haviam sido indevidamente utilizadas pelo coacusado Gabriel, invocando assim, o princípio do in dubio pro reo. Por fim, rogou pela fixação dos honorários advocatícios ao defensor nomeado, pelo trabalho desenvolvido em segundo grau (ev. 143).

O decisum transitou em julgado para a defesa do denunciado Gabriel (ev. 152).

Juntadas as contrarrazões (ev. 147), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, opinou pelo parcial conhecimento, uma vez que a matéria referente à justiça gratuita é afeta ao primeiro grau e, nessa extensão, pelo provimento parcial do recurso apenas para fixar a verba honorária ao defensor nomeado (ev. 11).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou o recorrente Fernando às sanções previstas no art. 171, caput, do Código Penal.

O apelo deve ser conhecido em parte, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Do pleito absolutório

Pretende a defesa, a absolvição do acusado Fernando, argumentando, para tanto, a insuficiência de provas, invocando assim, o princípio do in dubio pro reo.

Sem razão.

De início, mister destacar o que verbera o dispositivo em questão:

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

O crime em apreço, elencado no art. 171 do Código Penal, tem sua denominação derivada de stellio - lagarto que muda de cores iludindo os insetos dos quais se alimenta (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 303). Ocorre quando o agente emprega qualquer meio fraudulento, induzindo alguém em erro ou mantendo-o nessa situação e conseguindo, assim, uma vantagem indevida para si ou para outrem, com lesão patrimonial alheia. Isto posto, é elemento essencial à configuração do delito, fraude antecedente.

Protege, o dispositivo penal supramencionado, a inviolabilidade patrimonial e, ainda, em caráter secundário, os negócios jurídicos patrimoniais no aspecto de boa-fé, segurança e fidelidade que devem norteá-los.

Sobre o tema, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini lecionam:

A conduta do estelionato consiste no emprego de meio fraudulento para conseguir vantagem econômica ilícita. A fraude pode consistir em artifício, que é a utilização de um aparato que modifica, aparentemente o aspecto material da coisa ou da situação etc., em ardil, que é a conversa enganosa, em astúcia, ou mesmo em simples mentira, ou qualquer outro meio para iludir a vítima, inclusive no inadimplemento contratual preconcebido, na emissão de cheques falsificados, furtados, dados em garantia de dívida etc. Para a caracterização do ilícito é necessário que o meio fraudulento seja a causa da entrega da coisa (Código Penal Interpretado. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 1173, grifou-se).

Da mesma forma, Guilherme de Souza Nucci elucida:

[...] a conduta é sempre composta. Obter vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém em erro. Significa conseguir um benefício ou um lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima. Esta colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus pertences. Induzir quer dizer incutir ou persuadir e manter significa fazer permanecer ou conservar. Portanto, a obtenção da vantagem indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofendido ao engano ou quando deixa que a vítima permaneça na situação de erro na qual se envolveu sozinha. É possível, pois, que o autor do estelionato provoque a situação de engano ou apenas dela se aproveite (Código Penal Comentado. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1068, grifou-se).

Desse modo, para a configuração do referido ilícito penal é imprescindível o "1) emprego de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento; 2) induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3) obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio (do enganado ou de terceiro) (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 772).

Pois bem, delineado o tipo penal, passa-se à análise do caso concreto.

A materialidade do delito envolvendo o cheque de n. 850342 veio assente no boletim de ocorrência (p. 04), extratos bancários (p. 7 e 11) e cópia do cheque (p. 23), todos constantes no ev. 1 dos autos.

A autoria, diferentemente do que alegada a defesa, emerge cristalina na pessoa do recorrente.

Para elucidar tal entendimento, pertinente percorrer a prova oral colhida na fase inquisitiva e na instrutória, cujas algumas transcrições, muito bem elaboradas pelo togado, passarão a integrar este voto, evitando tautologia.

Aloir Alves de Lima, titular da cártula n. 850342, ao ser ouvido na fase embrionária, contou ser esposo de Santina Emilia Reinert, a qual no dia 01/09/2016 perdeu sua bolsa, sendo que no interior estava também um talão de cheques contendo 45 folhas, da instituição Banco do Brasil (p. 05 do ev. 01).

Em juízo, Aloir confirmou sua versão anterior, dando mais detalhes, inclusive, declarando que quando foi cancelar as cártulas junto à instituição financeira, o gerente lhe informou que uma delas já tinha sido trocada na boca do caixa pela pessoa de Gabriel dos Santos:

[...] Que tinha conta conjunta com sua esposa e que sua esposa deixou a sacola no capô do carro, saiu de carro e esqueceu a sacola. Relatou que sua esposa voltou uns 500 metros e não achou a sacola, e questionou um senhor que disse ter visto a bolsa cair, mas um carro parou e um rapaz desembarcou, pegou a sacola e saiu. No mesmo dia, foi identificado que uma folha de cheque foi solta na boca do caixa, em que foi falsificada a assinatura do depoente. Poucas horas, fizeram compras no Brasão e no prolongar da tarde, em um posto de Nereu e o dono ligou informando que o cheque não passou, sempre relatado que o cheque foi cancelado. Relatou que quem falsificou sua assinatura foi o Gabriel dos Santos, mas não o conhece. Relatou que o banco ressarciu só teve gastos com o cancelamento de um talão cheio de cheque. Disse que o banco falou que foi o Gabriel que...

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