Acórdão Nº 0006464-50.2017.8.24.0018 do Terceira Câmara Criminal, 14-06-2022

Número do processo0006464-50.2017.8.24.0018
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0006464-50.2017.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: VALDINEI DAL SANTO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Chapecó, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Valdinei Dal Santo, dando-o como incurso nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

Na noite do dia 2 de março de 2017, por volta das 21 horas, Fernando Bringhentti fora vítima de subtração ilícita, levado a efeito mediante grave ameaça, ocorrida em sua residência, então localizada na Linha União da Serra, interior, município de Nova Itaberaba - SC, oportunidade em que se retirou da sua esfera de posse e disponibilidade "um talonário de cheques do Banco Sicoob, agência 3069, da Cidade de Chapecó, conta nº 4741-4, com dezesseis folhas em branco, folhas estas de nºs 000734 à 000750" cujo titular é Vitório José Briguenti (Termo de Declaração de fls. 10 e 12 e Boletim de Ocorrência de fls. 13-14) ("esclarece que é terceiro correntista da conta corrente nº 4741-4 do Banco Sicoob, do qual foi roubado o talonário de cheque mencionado no seu depoimento em 23/05/2017, e esclarece que seu pai Vitório José Briguentti é doente renal em fase em terminal, e acamado, há muitos anos não responde pelos atos", fl. 12).

Por sua vez, segundo apurado, já na tarde do dia 24 de abril de 2017, por volta das 16h30min, o aqui denunciado VALDINEI DAL SANTO, visando a obtenção de vantagem ilícita e patrimonial, atuando com dolo pre-ordenado, dirigiu-se até o estabelecimento comercial "Mecânica BM e CIA Ltda", então situada na Avenida Pedro Giordano Cella,nº 920 - D, Trevo, nesta cidade e comarca, de propriedade de Sidiane Barcarolo, mostrando-se interessado em adquirir "uma bateria de automóvel de marca Moura, 60 amperes, no valor de R$ 350,00 reais", tratou de se utilizar de meio ardil ou engodo ao entregar em pagamento de objeto justamente um dos cheques proveniente de anterior subtração patrimonial consistente no "cheque da Cooperativa Sicoob, agência 3069, conta 000738, de titularidade de Vitorio José Brighentti", no valor de R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais), ocasião em que como forma de manter a vítima em erro, deixou-o ainda pré-datado com vencimento e compensação marcada para o dia "25/04/2017", recebendo, inclusive, "troco de R$ 60,00 (sessenta reais)" ("Nei (ora denunciado) falou que era proprietário da Metalúrgica Brasil, e assinou no verso o nome desta empresa, se negou a assinar o nome dele, e constou dois números de telefone: 98895-1116 e 3233-3186, e pediu pré-datado para 25/07/2017", fl. 8).

Ocorre que, somente quando a referida cártula fora levada a desconto junto ao estabelecimento bancário, a ofendida deparou-se com o "golpe" aplicado, porquanto "foi informada pelo funcionário do Banco Sicoob que havia divergência na assinatura, e pediu para ele carimbar o cheque para poder cobrar o mesmo, sendo que depois o funcionário do Banco informou que havia registro de furto" (fl. 8), decorrente justamente de anterior e já narrada subtração ilícita ocorrida na residência da vítima Fernando Bringhentti, frustrando, via de consequência, o recebimento de qualquer valor pela vítima ludibriada (Termo de Exibição e Apreensão de fl. 6 e cártula de fls. 38 e 39) (ev. 10).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de e 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 7 (sete) dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao disposto no art. 171, caput, do Código Penal. Foi-lhe concedido o direito de recorrer em liberdade (ev. 116).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu, preliminarmente, a aplicação retroativa da Lei n. 13.964/19, com a consequente extinção da punibilidade do acusado pela decadência, uma vez que ausente a representação da vítima ou, ainda, para determinar a conversão do julgamento em diligência com a sua intimação para, querendo, oferecer a representação no prazo de 30 dias. No mérito, busca a absolvição, baseando-se, em suma, na insuficiência probatória, alegando a ausência de dolo diante da restituição do valor à parte ofendida. Roga ainda, pela incidência do princípio da insignificância ao caso, tendo em vista a ínfima lesão ao bem jurídico tutelado. Por fim, postula a modificação para o regime prisional aberto e prequestiona as matérias aventadas (ev. 143).

Juntadas as contrarrazões (ev. 150), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, opinou pelo conhecimento do recurso e pelo seu não provimento (ev. 12 SG).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções previstas pelo art. 171, caput, do Código Penal.

O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

1. Preliminar

Da extinção da punibilidade pela decadência, diante da ausência de representação da vítima

Pretende a defesa a aplicação retroativa da Lei n. 13.964/19, de forma que verificada a ausência de representação da vítima no prazo decadencial de 6 (seis) meses, deve ser extinta a punibilidade do acusado. Alternativamente, requer a conversão do julgamento em diligência, para intimada a vítima, querendo, ofereça a representação no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

Pois bem.

Frente às novas disposições da Lei n. 13.964/2019, com vistas a preservar a segurança jurídica e o princípio da colegialidade, acompanho a maioria dos membros desta Câmara, que entende pela dispensa da representação formalmente expressa do ofendido, bastando a existência nos autos de elementos de convicção suficientes de que ele exerceu seu direito, ainda que informalmente, embora entenda de forma diferente.

Cumpre colacionar recente deliberação da Suprema Corte sobre o tema:

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. LEI N. 13.964/2019. INCLUSÃO DO § 5º DO ART. 171: AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE NEGATIVA DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA NOVA CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE À CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM RECURSO ESPECIAL. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA VÍTIMA: REPRESENTAÇÃO QUE INDEPENDE DE FORMALIDADES. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (HC 188498 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 27/07/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 04/08/2020 PUBLIC 05/08/2020, grifou-se).

Ainda, extrai-se da decisão referente ao recurso ordinário em habeas corpus n.189.807/SC, da Relatoria do Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/08/2020 e publicado em 24/08/2020:

[...] A controvérsia diz respeito à possibilidade de retroação da norma que altera as condições de procedibilidade da ação penal.

É que a Lei que instituiu o "Pacote Anticrime" transformou o estelionato em crime de ação pública condicionada à representação, após a condenação do recorrente.

[...] mesmo quando o crime ainda era de ação pública condicionada, há prova nos autos de que a vítima demonstrou inequívoca intenção de dar início à persecução penal, a evidenciar a impropriedade do pedido.

Conforme o entendimento desta Corte, a representação prescinde de qualquer formalidade; basta que a vítima demonstre, por qualquer meio, interesse em ver iniciado o processo penal [...].

Também sobre o tema, recolhe-se desta Corte de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. PRETENSA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA DECADÊNCIA. ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.694/2019. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA DA AÇÃO PENAL, NOS CRIMES DE ESTELIONATO, PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. NOVEL LEGISLAÇÃO QUE NÃO EXIGIU MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE, A PARTIR DE SUA VIGÊNCIA. REPRESENTAÇÃO QUE É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE E NÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. PEÇA, ADEMAIS, QUE NÃO EXIGE FORMALIDADE. AUTOS QUE COMPROVAM DE FORMA CLARA E INEQUÍVOCA A VONTADE DA VÍTIMA EM VER O AUTOR DO CRIME SER PROCESSADO. HIPÓTESES DO ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO VERIFICADAS. ACLARATÓRIOS REJEITADOS. - "[...] tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo institutos extintivos da punibilidade, a regra no §5º deve ser analisada sob a perspectiva da aplicação da lei penal no tempo. [...] a) se a inicial (denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chamada para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição transforma a natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da Lei n. 9.099/1995). b) se a incoativa ainda não foi oferecida, deve o MP aguardar a oportuna representação da vítima ou o decurso do prazo decadencial, cujo termo inicial, para os fatos pretéritos, é o da vigência da novel lei" (Pacote anticrime - Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodivm, 2020; p. 65). - "[...] quando a ação penal pública depender de representação do ofendido ou de seu representante legal, tal manifestação de vontade, condição específica de procedibilidade sem a qual é inviável a propositura do processo criminal pelo dominus litis, não exige maiores formalidades, sendo desnecessário que haja uma peça escrita nos autos do inquérito ou da ação penal com nomen iuris de representação, bastando que reste inequívoco o seu interesse na persecução penal" (AgRg no RHC 118.489/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 12-11-2019, DJe 25-11-2019). (Embargos de Declaração n. 0001266-37.2014.8.24.0018, de Chapecó, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza...

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