Acórdão Nº 0006528-07.2014.8.24.0005 do Terceira Câmara de Direito Público, 15-03-2022

Número do processo0006528-07.2014.8.24.0005
Data15 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0006528-07.2014.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina promoveu ação civil pública em face do Município de Balneário Camboriú em virtude de extensa lista de espera de munícipes aguardando atendimento para realização de laqueadura tubária, pleiteando a execução dos procedimentos, no prazo de 60 (sessenta) dias, para todas as mulheres que já estão na listagem, bem como a realização de todos os procedimentos administrativos para implementar a Lei do planejamento familiar no Município, em período não excedente à 90 (noventa) dias.

O pleito liminar foi postergado e, posteriormente, apresentada contestação.

A liminar foi indeferida (Evento 36, Processo Judicial 1, p. 192/196) e interposto agravo de instrumento (sem decisão até a prolação da sentença).

Sobreveio sentença de improcedência do pleito inaugural, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC/1973, "diante da inexistência de prova de que as interessadas apontadas pelo Ministério Público preenchem todos os requisitos legais necessários à realização do procedimento" (Evento 36, Processo Judicial 1, p. 223).

Irresignada, a parte autora apelou argumentando, em síntese, que a magistrada desconsiderou que o pedido engloba todas as pessoas integrantes da listagem de espera, indo além das reclamações prestadas na Promotoria. Afirma estar evidenciado o descumprimento da Lei Federal do planejamento familiar pela municipalidade que sequer efetua procedimento administrativo para fazer a triagem das interessadas e verificar o cumprimento das exigências legais, admitindo, inclusive, conduzir as pacientes ao Município vizinho (Camboriú) para a intervenção cirúrgica. Ponderou que a ausência de procedimento não pode servir de amparo a longa espera pela sua realização, como quer fazer crer o Município de Balneário Camboriú. Por fim, asseverou que não almeja a esterilização indiscriminada, mas tão somente a viabilidade do método contraceptivo a todos que o desejarem e cumprirem os requisitos legais expostos no art. 10 da Lei n. 9.263/1996.

Foram apresentadas contrarrazões e os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Dra. Gladys Afonso, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do apelo.

É o breve relatório.

VOTO

O recurso deve ser conhecido eis que tempestivo e presentes os demais pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de ação civil pública manejada em face do Município de Balneário Camboriú almejando a realização de laqueaduras tubárias para todas as mulheres que estão aguardando na extensa lista de espera, no prazo de 60 (sessenta) dias, além da execução de medidas administrativas a fim de implementar a Lei do planejamento familiar no Município, em período não excedente a 90 (noventa) dias.

A sentença de improcedência amparou-se no argumento de "inexistência de prova de que as interessadas apontadas pelo Ministério Público preenchem todos os requisitos legais necessários à realização do procedimento" (Evento 36, Processo Judicial 1, p. 223).

Referida decisão merece reparo na medida em que da mera leitura do capítulo dos pedidos da peça inaugural pode-se verificar que se faz menção expressa à extensão do pleito a todas as mulheres constantes em listagem de espera do procedimento de esterilização, além de prazo para instituição de política pública para implementação da lei do planejamento familiar.

Note-se que os pedidos individuais de intervenção do Ministério Público juntados aos autos apenas serviram para corroborar a alegação de que o problema é recorrente e afeta número expressivo de munícipes.

Assim, em interpretação lógico-sistemática da petição inicial, pode-se constatar com clareza que o objeto da demanda vai além da realização do procedimento individualizado às pessoas cujos pedidos administrativos embasam a presente ação.

Logo, passa-se ao exame do mérito da questão.

Extrai-se dos autos que o Ministério Público instaurou Inquérito Civil n. 06.2014.00004677-3 a fim de apurar denúncias em relação à extensa fila de mulheres aguardando a submissão ao procedimento de laqueadura tubária.

Narrou ter remetido Recomendação Ministerial n. 0002/2014/06PJ/BCA ao Prefeito Municipal para que, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, fossem realizados todos os procedimentos necessários a fim de cumprir o disposto na Lei n. 9.263/1996 (Lei do Planejamento Familiar) a todas as munícipes que pretendam a realização voluntária do procedimento de esterilização.

Obteve resposta de impossibilidade de cumprimento da Recomendação Ministerial, pois o Hospital Ruth Cardoso "não contempla as exigências necessárias do Ministério da Saúde para o cadastramento daquela instituição", além da Secretaria Municipal de Saúde não deter estrutura necessária a suprir a demanda, encaminhando as pacientes para o Município vizinho, Camboriú, ou outro habilitado (resposta no Evento 36, Processo Judicial 1, p. 52/53).

Resumidamente o embate envolve, de um lado, um expressivo número de casos de pessoas que buscaram o Ministério Público a fim de resguardar seu direito ao planejamento familiar mediante intervenção cirúrgica, enquanto, de outro, o Município alega a inexistência de estrutura básica para implementar o intento.

Importante consignar que a saúde é um direito social garantido constitucionalmente (art. 6º CF), constituindo "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196 CF).

A Lei n. 8.080/1990, em seu art. 2º prevê que "a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício". O art. 4º do mesmo diploma legal institui: "O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)".

Por sua vez, as finalidades do Sistema Único de Saúde - SUS, segundo dispõe a Lei n. 8.080/1990, são:

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a...

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