Acórdão Nº 0006765-69.2017.8.24.0091 do Terceira Turma Recursal - Florianópolis (Capital), 07-07-2021
Número do processo | 0006765-69.2017.8.24.0091 |
Data | 07 Julho 2021 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Classe processual | APELAÇÃO CRIMINAL |
Tipo de documento | Acórdão |
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006765-69.2017.8.24.0091/SC
RELATOR: Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa
APELANTE: FERNANDA CRISTINA DA SILVA MOREIRA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
RELATÓRIO
Relatório dispensado nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/95.
VOTO
O reconhecimento da inconvencionalidade ficou superado em face do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação de Descumprimento Fundamental n. 496, estabelecendo a tese: "foi recepcionada pela Constituição de 1988 a norma do artigo 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato". Tendo sido realizada no controle concentrado de constitucionalidade, resta observar, embora seja mais uma evidência do Fator Júlia Roberts, consistente no reconhecimento de que o fato de o STF decidir, não significa que esteja correto1.
Por primeiro, cabe dizer que o Termo Circunstanciado lavrado pela Polícia Militar é ilegal, por não ser atribuição constitucional. No julgamento do Habeas Corpus Criminal nº 5000318-06.2021.8.24.0910, a 3º Turma Recursal do TJSC, em que fui relator, fixou:
HABEAS CORPUS. CRIME DE FALSA IDENTIDADE (CP, ART. 307). TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA MILITAR. VÍCIO DE ORIGEM. USURPAÇÃO DE FUNÇÃO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA (CR/1988, art. 144, §§ 4º E 5º). ENTENDIMENTO FIRMADO PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADI N. 3.614). DECRETO ESTADUAL OU ENUNCIADO DO FONAJE INCOMPATÍVEIS COM A CONSTITUIÇÃO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E CONTAMINAÇÃO DOS ATOS SUBSEQUENTES, POR DERIVAÇÃO (CPP, ART. 537, § 1º). LIMINAR CONFIRMADA. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR O TRACAMENTO DO PROCESSO CRIMINAL.
Ainda que superada a questão, diante da oitiva posterior pela Polícia Civil (evento 56, documentos 55 e 56, em depoimento prestado "em coro", por serem iguais), a prova produzida na única fase válida, ou seja, judicial, é contraditória. O policial Douglas disse que não viu o momento em que o desacato teria ocorrido em face do oficial responsável pela operação, enquanto o policial Diego afirma que a ré xingou os agentes públicos desde o início. O dito oficial não foi ouvido, nem qualquer outra testemunha independente (ainda que tenham afirmado que a vítima da violência doméstica teria assistido os fatos). A prova é, no mínimo, contraditória. Em síntese, nenhuma testemunha independente foi trazida aos autos, nem mesmo há gravação da ocorrência, plenamente possível, já que se alardeia que a Polícia Militar de Santa Catarina é tecnológica, só quando convém, entretanto. Assim, mais uma vez a Polícia Militar de Santa Catarina deixou de produzir prova independente de toda a ocorrência, confundindo-se a função dos agentes da lei, a saber, os policiais são fontes de prova e jamais prova irrefutável.
O tipo penal em comento exige, segundo Fernando Galvão2, a clara pretensão de aviltar a Administração Pública e não os agentes:
No que diz respeito ao desacato que é praticado em razão da função cabe distinguir a ofensa que é dirigida ao funcionário em razão das funções públicas que exerce das ofensas que lhe são dirigidas em razão de sua pessoa em particular. Não caracteriza desacato a ofensa que é dirigida à pessoa do funcionário, que não apresente qualquer relação com o exercício se suas funções públicas. (...) A ofensa à honra é a dignidade da Administração Pública deve ser apurada conforme o juízo ordinário das pessoas que vivem no local em que os fatos se deram. A caracterização do desacato não pode ser apurada unicamente com base na sensibilidade do funcionário desacatado, sendo necessário que no contexto social em que o fato ocorreu seja possível apurar o significado ofensivo da conduta.
Pois bem. Diante da consabida postura autoritária que permeia as ações policiais em locais pobres, ainda mais quando pretendiam apurar a existência do irmão da acusada em sua residência, desprovidos de mandado e longe de situação de perseguição (flagrante). Por isso que se os agentes da lei filmassem o ocorrido, tudo teriam integridade de prova, evitando, por um lado, falsas acusações contra si, bem assim ampliando...
RELATOR: Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa
APELANTE: FERNANDA CRISTINA DA SILVA MOREIRA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
RELATÓRIO
Relatório dispensado nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/95.
VOTO
O reconhecimento da inconvencionalidade ficou superado em face do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação de Descumprimento Fundamental n. 496, estabelecendo a tese: "foi recepcionada pela Constituição de 1988 a norma do artigo 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato". Tendo sido realizada no controle concentrado de constitucionalidade, resta observar, embora seja mais uma evidência do Fator Júlia Roberts, consistente no reconhecimento de que o fato de o STF decidir, não significa que esteja correto1.
Por primeiro, cabe dizer que o Termo Circunstanciado lavrado pela Polícia Militar é ilegal, por não ser atribuição constitucional. No julgamento do Habeas Corpus Criminal nº 5000318-06.2021.8.24.0910, a 3º Turma Recursal do TJSC, em que fui relator, fixou:
HABEAS CORPUS. CRIME DE FALSA IDENTIDADE (CP, ART. 307). TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA MILITAR. VÍCIO DE ORIGEM. USURPAÇÃO DE FUNÇÃO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA (CR/1988, art. 144, §§ 4º E 5º). ENTENDIMENTO FIRMADO PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADI N. 3.614). DECRETO ESTADUAL OU ENUNCIADO DO FONAJE INCOMPATÍVEIS COM A CONSTITUIÇÃO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E CONTAMINAÇÃO DOS ATOS SUBSEQUENTES, POR DERIVAÇÃO (CPP, ART. 537, § 1º). LIMINAR CONFIRMADA. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR O TRACAMENTO DO PROCESSO CRIMINAL.
Ainda que superada a questão, diante da oitiva posterior pela Polícia Civil (evento 56, documentos 55 e 56, em depoimento prestado "em coro", por serem iguais), a prova produzida na única fase válida, ou seja, judicial, é contraditória. O policial Douglas disse que não viu o momento em que o desacato teria ocorrido em face do oficial responsável pela operação, enquanto o policial Diego afirma que a ré xingou os agentes públicos desde o início. O dito oficial não foi ouvido, nem qualquer outra testemunha independente (ainda que tenham afirmado que a vítima da violência doméstica teria assistido os fatos). A prova é, no mínimo, contraditória. Em síntese, nenhuma testemunha independente foi trazida aos autos, nem mesmo há gravação da ocorrência, plenamente possível, já que se alardeia que a Polícia Militar de Santa Catarina é tecnológica, só quando convém, entretanto. Assim, mais uma vez a Polícia Militar de Santa Catarina deixou de produzir prova independente de toda a ocorrência, confundindo-se a função dos agentes da lei, a saber, os policiais são fontes de prova e jamais prova irrefutável.
O tipo penal em comento exige, segundo Fernando Galvão2, a clara pretensão de aviltar a Administração Pública e não os agentes:
No que diz respeito ao desacato que é praticado em razão da função cabe distinguir a ofensa que é dirigida ao funcionário em razão das funções públicas que exerce das ofensas que lhe são dirigidas em razão de sua pessoa em particular. Não caracteriza desacato a ofensa que é dirigida à pessoa do funcionário, que não apresente qualquer relação com o exercício se suas funções públicas. (...) A ofensa à honra é a dignidade da Administração Pública deve ser apurada conforme o juízo ordinário das pessoas que vivem no local em que os fatos se deram. A caracterização do desacato não pode ser apurada unicamente com base na sensibilidade do funcionário desacatado, sendo necessário que no contexto social em que o fato ocorreu seja possível apurar o significado ofensivo da conduta.
Pois bem. Diante da consabida postura autoritária que permeia as ações policiais em locais pobres, ainda mais quando pretendiam apurar a existência do irmão da acusada em sua residência, desprovidos de mandado e longe de situação de perseguição (flagrante). Por isso que se os agentes da lei filmassem o ocorrido, tudo teriam integridade de prova, evitando, por um lado, falsas acusações contra si, bem assim ampliando...
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