Acórdão Nº 0006866-22.2019.8.24.0064 do Quinta Câmara Criminal, 16-04-2020

Número do processo0006866-22.2019.8.24.0064
Data16 Abril 2020
Tribunal de OrigemSão José
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão

Apelação Criminal n. 0006866-22.2019.8.24.0064, de São José

Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO E A INCOLUMIDADE PÚBLICA. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS PELO EMPREGO DE ARTEFATO BÉLICO E POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (CÓDIGO PENAL, ART. 157, § 2º-A, I, POR DUAS VEZES, E LEI 10.826/2006, ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA.

PRELIMINAR. AVENTADA NULIDADE DO FEITO POR CERCEAMENTO DE DEFESA. ACUSADO QUE NÃO PRESENCIOU INTEGRALMENTE A OITIVA DAS VÍTIMAS E TESTEMUNHA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO OBSERVADOS. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO NÃO CONSTATADA. SITUAÇÃO QUE OBSTA A ANULAÇÃO. PRIMADO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. INTELIGÊNCIA DO ART. 563 DO CÓDEX INSTRUMENTAL. AUSÊNCIA DE MÁCULA A SER SANADA.

MÉRITO. COGITADA DESCLASSIFICAÇÃO DOS INJUSTOS POR PRIMEIRO MENCIONADOS PARA AQUELE PREVISTO NO RESPECTIVO ART. 155, CAPUT, OU 157, CAPUT. INVIABILIDADE. AÇÕES PERPETRADAS MEDIANTE GRAVE AMEAÇA EXERCIDA COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. SITUAÇÃO QUE CARACTERIZA ELEMENTO ESSENCIAL DA INFRAÇÃO PRECEITUADA NO DISPOSITIVO IMPUTADO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA SOBREMANEIRA A UTILIZAÇÃO DE ARTEFATO BÉLICO DURANTE AS EMPREITADAS DELITIVAS. JUÍZO DE MÉRITO IRRETOCÁVEL.

CONCURSO DE CRIMES. INVOCADO RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS DELITOS PATRIMONIAIS, EM DETRIMENTO DO CONCURSO MATERIAL. IMPROCEDÊNCIA. ADOÇÃO DA TEORIA OBJETIVO-SUBJETIVA. AUSÊNCIA DO REQUISITO SUBJETIVO CONSISTENTE NA UNIDADE DE DESÍGNIOS. ILÍCITOS PRATICADOS EM HABITUALIDADE CRIMINOSA. PRECEDENTES.

De acordo com a teoria objetivo-subjetiva, não basta o preenchimento das condições objetivas previstas no artigo 71, caput, do Código Penal para fins de caracterização do crime continuado, sendo também necessária a intenção una entre as condutas perpetradas. Se o intuito do agente é, ao invés de alargar a primeira prática infracional, reiterar ações, não há liame subjetivo entre elas, mas forma habitual de delinquir.

PRONUNCIAMENTO MANTIDO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0006866-22.2019.8.24.0064, da comarca de São José (1ª Vara Criminal), em que é apelante Bruno Schmidt e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 16 de abril de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Antônio Zoldan da Veiga.

Representou o Ministério Público a Exma. Sra. Procuradora de Justiça Jayne Abdala Bandeira.

Florianópolis, 17 de abril de 2020.




Luiz Cesar Schweitzer

Presidente e RELATOR


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de São José ofereceu denúncia em face de Bruno Schmidt, dando-o como incurso nas sanções do art. 157, § 2º-A, I, do Código Penal, por duas vezes, e art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:

Fato 1

No dia 17 de junho de 2019, por volta das 10:20 horas, na via pública Rua Tomé de Souza Oliveira, Bairro Roçado, São José/SC, o denunciado Bruno Schimidt, imbuído de manifesto animus furandi e mediante grave ameaça, posto que portava uma arma de fogo, subtraiu para si o veículo Captiva Sport FWS, placas, MHT9827.

Na ocasião, o denunciado se dirigiu até a revendedora de carros Muito Mais Carros, situada no Bairro Campinas, nesta Comarca, demonstrando interesse no mencionado veículo. Durante as negociações, realizou um test drive no automóvel na companhia do vendedor Gabriel Pierri da Rosa, antes de uma possível compra.

Ao abastecerem o veículo, o denunciado pediu para dirigir, deslocando-se para uma via desnivelada, sob o argumento de que iria testar o amortecimento. Durante o trajeto, o denunciado estacionou o carro, mostrou à vítima a arma que portava e anunciou o roubo, informando ao vendedor que o automóvel estava "encomendado para Palhoça"¹.

O denunciado Bruno Schimidt foi reconhecido, sem sombra de dúvidas, pelo vendedor/vítima Gabriel Pierri da Rosa como sendo o auto do crime de roubo².

Fato 2

No dia 22 de julho de 2019, por volta das 14:40 horas, nas imediações do posto de combustível JHP Shell, na BR-101, trecho do Bairro Roçado, São José/SC, o denunciado Bruno Schimidt, imbuído de manifesto animus furandi e mediante grave ameaça, posto que portava uma arma de fogo na cintura, subtraiu para si o veículo Jeep/Compass, placas KRU6502.

Na ocasião, o denunciado se dirigiu até a revendedora de carros Pacheco Veículos, situada no Bairro Kobrasol, nesta Comarca, demonstrando interesse no mencionado veículo. Durante as negociações, realizou um test drive no automóvel na companhia do vendedor Manoel Sebastião Candido, antes de uma possível compra³.

Durante o trajeto, o denunciado parou o veículo na via pública, mostrou à vítima a arma que portava e anunciou o roubo, informando ao vendedor que o automóvel estava "encomendado para Joinville".

O denunciado Bruno Schimidt foi reconhecido, sem sombra de dúvidas, pelo vendedor/vítima Manoel Sebastião Candido, como sendo o autor do crime de roubo4.

Fato 3

No dia 27 de julho de 2019, por volta das 14:30 horas, uma guarnição da policia militar, após receber a informação de que o veículo Jepp Compass, roubado no dia anterior, estaria estacionado na garagem de um prédio situado na Rua Lindolfo Jasper, s/n, Bairro Roçado, São José/SC, deslocou-se até o local.

Ato contínuo, abordaram o denunciado Bruno Schmidt, o qual admitiu ser o autor dos crimes de roubo dos veículos supracitados. Em buscas no interior do apartamento de Bruno, constataram que o denunciado possuía e mantinha sob sua guarda, 1 revólver marca Taurus, calibre. 38, com numeração suprimida, 1 pistola marca Taurus, calibre .38, número de série khm 80051, 29 munições (4 de calibre .38 e 25 de calibro .380) e 3 (três) carregadores, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (art. e da Lei n. 10.826/03) (sic, fls. 44-46).

Encerrada a instrução, a Magistrada a quo julgou procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-lo às penas de dezesseis anos e quatro meses de reclusão, a ser resgatada em regime inicialmente fechado, e pagamento de quarenta e dois dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao preceito do art. 157, § 2º-A, I, do Decreto-lei 2.848/1940, por duas vezes, e art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto do Desarmamento.

Inconformado, interpôs o réu recurso de apelação, almejando, prefacialmente, a anulação do processo a partir da audiência de instrução e julgamento, por cerceamento de defesa, uma vez que não assistiu às oitivas da testemunha e de uma das vítimas sem que houvesse razão para tanto.

No mérito, pleiteia a desclassificação dos ilícitos de roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo para o de furto simples, diante da não comprovação da utilização de violência ou grave ameaça no agir, ou, subsidiariamente, para a conduta prevista no caput do apontado art. 157, devendo incidir o princípio do in dubio pro reo na espécie. Por fim, requer o reconhecimento da figura da continuidade delitiva no que se refere aos delitos contra o patrimônio.

Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pela preservação da decisão vergastada.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra da eminente Procuradora de Justiça Jayne Abdala Bandeira, opinou pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.

Inicialmente, requer a defesa o reconhecimento da nulidade do feito a partir da audiência de instrução e julgamento, sustentando que o acusado adentrou a "[...] sala de audiências, apenas após 1 minuto e 50 segundos do depoimento que teve 3 minutos, ou seja, Bruno Schmidt, não viu o depoimento do policial, não viu o depoimento da primeira vítima, e viu apenas 1 minutos e poucos segundos do depoimento da segunda vítima [...]" (sic, fls. 331-332), de modo que tal circunstância configura cerceamento de defesa.

Entretanto, deve ser rechaçada a preliminar.

O art. 563 do Código de Processo Penal é claro ao prever que "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa", consubstanciando o brocardo pas de nullité sans grief.

Na espécie, não houve indicação concreta de prejuízo, não se olvidando que o defensor constituído do apelante, presente no ato, não solicitou a interrupção das oitivas, tal como não se verifica qualquer referência a esta situação no termo de audiência a fls. 239, sendo certo que a questão sequer foi mencionada nas alegações finais a fls. 244-269.

Além disso, sobre a questão, bem pontuou o Promotor de Justiça oficiante ao consignar que "[...] após detida análise dos depoimentos prestados pelas vítimas e do teor do interrogatório do apelante, não se verifica nenhum fato que não tenha sido rebatido por esse quando teve a oportunidade de apresentar as suas declarações em Juízo, de modo que se pode concluir que não houve nenhum prejuízo a sua defesa" (sic, fls. 347).

A propósito, em conjunturas análogas já decidiu este Sodalício:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE DE ARMA DE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT