Acórdão Nº 0007309-04.2016.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 20-02-2020

Número do processo0007309-04.2016.8.24.0023
Data20 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0007309-04.2016.8.24.0023, da Capital

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÂNSITO E CONTRA O PATRIMÔNIO. DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SEM HABILITAÇÃO, GERANDO PERIGO DE DANO (ART. 309 DO CTB) E RECEPTAÇÃO DOLOSA (ART. 180, CAPUT, DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PREJUDICIAL DE MÉRITO INVOCADA PELA DOUTA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, EM RELAÇÃO AO DELITO DE TRÂNSITO. ACOLHIMENTO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, NA FORMA RETROATIVA. LAPSO TEMPORAL DECORRIDO ENTRE AS CAUSAS INTERRUPTIVAS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUANTO AO MENCIONADO CRIME. MÉRITO. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO NO TOCANTE AO DELITO DE RECEPTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. RÉU FLAGRADO NA CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA COM SINAL IDENTIFICADOR ADULTERADO. PALAVRAS DAS TESTEMUNHAS E CIRCUNSTÂNCIAS DA APREENSÃO QUE DENOTAM SUA CIÊNCIA EM RELAÇÃO À ORIGEM ESPÚRIA DO BEM. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PLEITO DE REDUÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO DECORRENTE DO RECONHECIMENTO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA (ART. 61, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL). NÃO ACOLHIMENTO. APLICAÇÃO DE PATAMAR SUPERIOR AO CRITÉRIO DE 1/6 (UM SEXTO), COMUMENTE UTILIZADO POR ESTA CORTE, QUE SE JUSTIFICA PELAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. RÉU QUE CONTA COM DUAS CONDENAÇÕES PENAIS TRANSITADAS EM JULGADO HÁBEIS À CARACTERIZAÇÃO DA REINCIDÊNCIA. ADOÇÃO DO CRITÉRIO PROGRESSIVO. SENTENÇA MANTIDA INCÓLUME. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Imperioso reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua espécie retroativa, quando entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória transcorreu lapso temporal suficiente para tal, nos termos dos artigos 109 e 110 do Código Penal.

2. Impossível a absolvição quando os elementos contidos nos autos (em especial, as declarações firmes e coerentes das testemunhas ouvidas e as circunstâncias que envolveram a apreensão do bem) formam um conjunto sólido, dando segurança ao Juízo para a condenação do acusado pelo delito de receptação dolosa.

3. Em respeito ao princípio da individualização da pena, o juízo tem o dever e o direito de atentar às circunstâncias específicas de cada caso concreto para determinar o aumento de pena adequado à hipótese, sendo, portanto, desarrazoada a imposição apriorística de invariáveis frações de aumento a todo e qualquer caso - sobretudo em hipóteses como a presente, de multirreincidência.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0007309-04.2016.8.24.0023, da comarca da Capital (3ª Vara Criminal), em que é Apelante Amarildo Gerber e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, e, acolhendo a manifestação da douta Procuradoria-Geral de Justiça, declarar a extinção da punibilidade do réu/apelante Amarildo Gerber em relação ao delito previsto no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, diante da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua modalidade retroativa, mantendo-se as demais disposições da sentença. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Lio Marcos Marin.

Florianópolis, 20 de fevereiro de 2020.

Assinado digitalmente

Desembargador Paulo Roberto Sartorato

Relator

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso Auto de Prisão em Flagrante, ofereceu denúncia contra Amarildo Gerber, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 180, caput, do Código Penal e do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória, in verbis (fls. 34/35):

No dia 2 de abril de 2016, por volta das 12h50min, na Rua Santos Saraiva, estreito, Florianópolis/SC, o denunciado AMARILDO GERBER, conduzia em proveito próprio a motocicleta Honda/CG Titan 125, verde, com a placa original substituída pela placa MDP-3607 [referente à motocicleta Honda/CG 150 Titan KS, prata, ano/modelo 2005/2006, de São José], sabendo que era produto de crime [produto de adulteração de sinal identificador de veículo automotor], tanto é que não possuía a documentação correspondente e também pela desproporção entre o valor pago e o valor de mercado.

No mesmo dia 2 de abril de 2016, por volta das 12h50min, o denunciado AMARILDO GERBER dirigiu a motocicleta Honda/CG Titan 125, verde, com a placa original substituída pela placa MDP-3607, em via pública, sem a devida habilitação para dirigir, gerando perigo de dano, tanto é que empreendeu fuga após ordem de parada realizada por policiais que faziam ronda pela Rua Santos Saraiva, Estreito, Florianópolis/SC, sendo preso em flagrante apenas na Rua Manoel de Oliveira Ramos, Estreito, Florianópolis/SC (grifos no original).

Encerrada a instrução processual, o MM. Juiz a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar o acusado à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática dos delitos tipificados no art. 180, caput, do Código Penal e no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, na forma do art. 69, caput, do Código Penal, concedendo ao apenado o direito de recorrer em liberdade (fls. 159/169).

Inconformado, o acusado interpôs recurso de apelação, por intermédio da Defensoria Pública do Estado (fl. 183). Em suas razões recursais, requereu a absolvição do delito previsto no art. 180, caput, do Código Penal, em razão da inexistência de tipicidade e dolo na conduta praticada. Igualmente pleiteou a absolvição quanto à imputação relativa ao art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, por ausência de dolo e de comprovação do perigo abstrato. De forma subsidiária, pugnou pela readequação do quantum de aumento da agravante da reincidência para 1/6 (um sexto) e pelo afastamento do somatório das penas dos delitos apenados com reclusão e detenção, de forma a possibilitar a fixação de regime mais favorável ao réu (fls. 196/208).

Em contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso defensivo (fls. 213/217).

Após, os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, opinado pelo conhecimento e não provimento do recurso e, de ofício, seja extinta a punibilidade do acusado em relação ao crime do art. 309 do Código de Trânsito de Brasileiro, em virtude da prescrição da pretensão punitiva do Estado (fls. 223/232).

Este é o relatório.

VOTO

O presente recurso de apelação criminal volta-se contra sentença que julgou procedente a denúncia, condenando o acusado Amarildo Gerber em virtude da prática dos delitos descritos no art. 180, caput, do Código Penal e no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro.

Preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o reclamo deve ser conhecido.

I - Da prescrição da pretensão punitiva estatal, em relação ao delito do art. 309, caput, do Código de Trânsito brasileiro

Antes de adentrar-se ao mérito recursal, cumpre proceder-se ao exame da questão prejudicial suscitada pela douta Procuradoria-Geral de Justiça em seu parecer, no tocante ao crime tipificado no art. 309, caput, do Código de Trânsito brasileiro, tendo em vista a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em sua modalidade retroativa.

Com razão o representante Ministerial.

Sobre o tema, cabe registrar, inicialmente, que a prescrição, sendo causa extintiva de punibilidade, deve, no caso de concurso de crimes, ser analisada em relação à pena de cada um, isoladamente (artigo 119 do Código Penal).

In casu, o réu/apelante fora condenado pela prática do crime descrito no art. 309, caput, da Lei n. 9.503/97 à pena de 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de detenção (fl. 167).

Elencada pelo art. 107 do Código Penal como uma das causas de extinção da punibilidade, a prescrição acarreta ao Estado a perda do direito de punir ou de impor a execução da pena.

Mencionado instituto é assim conceituado por Fernando Capez:

Perda do direito-poder-dever de punir pelo Estado em face do não-exercício da pretensão punitiva (interesse em aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse de executá-la) durante certo tempo (Curso de direito penal: parte geral. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 561).

O art. 110, § 1º, do Código Penal prevê que, quando transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, passará a contar como parâmetro, para fins de prescrição da pretensão punitiva, a pena aplicada em concreto, que, por sua vez, deverá ser confrontada com a relação de correspondência traçada pelo art. 109 do mesmo diploma legal, a fim de se verificar o prazo prescricional em cada caso.

O Supremo Tribunal Federal, a propósito, sanando quaisquer eventuais dúvidas, sedimentou, por meio da Súmula 146, que "A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação".

Trata-se da prescrição da pretensão punitiva relacionada à pena aplicada in concreto, quando há trânsito em julgado para a acusação ou desde que desprovido seu recurso, que, excetuadas as hipóteses de júri, pode ocorrer, segundo a atual redação do art. 110, entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (prescrição retroativa) ou, ainda, entre estes e seu trânsito em julgado (prescrição intercorrente, subsequente, ou, ainda, retroativa intercorrente).

Assim, já que o réu/apelante, na hipótese, foi condenado à pena de 07...

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