Acórdão nº 0007342-70.2018.8.14.0065 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 2023

Número do processo0007342-70.2018.8.14.0065
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoContratos Bancários
Órgão2ª Turma de Direito Privado

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0007342-70.2018.8.14.0065

APELANTE: BANCO BRADESCO SA
REPRESENTANTE: BANCO BRADESCO SA

APELADO: MIGUEL MARTINS DA SILVA

RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SAQUES INDEVIDOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NECESSIDADE DE INDENIZAR O CONSUMIDOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA (ART. 6º, VIII, DO CDC). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. À UNIMIDADE.

1. A questão em análise reside em verificar se deve ser mantida a declaração de nulidade dos saques indevidos realizados sem a permissão do titular da conta, autor da demanda, bem como o direito desta ao recebimento de indenização por danos materiais e morais.

2. O Apelante sustenta a inexistência do dever de indenizar saques irregulares da conta da Apelada, pois entende que tal fato ocorreu por culpa exclusiva da vítima, por ter fornecido o cartão do banco e senha a terceiros.

3. A alegação do apelante não se sustenta, pois compete ao banco estar munido de instrumentos tecnológicos seguros para provar de forma inegável que foi o cliente que retirou o dinheiro e, nesse sentido, o banco recorrido não trouxera aos autos a filmagem da agência bancária ou do caixa eletrônico comprovando quem, de fato, realizou os saques. Assim, não se pode exigir do consumidor a produção de prova de fato negativo, cabendo aos recorridos este ônus, nos termos do art. 333, II, do CPC. VII.

4. Não resta dúvida da existência de falha na prestação do serviço, ensejando a procedência dos pedidos formulados na inicial, visto que os recorridos não demonstraram a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do recorrente, nos termos do art. 373, II, do CPC. IX.

5. No caso dos autos, o dano e o nexo de causalidade restaram demonstrados, diante dos descontos realizados na conta bancária da Apelada em decorrência de saques e empréstimos não realizados, o que ocasionou danos em sua esfera personalíssima, já que, passou a ter descontos indevidos, situação capaz de causar grandes frustrações diante do numerário vultoso que foi retirado de sua conta, mostrando-se escorreita a sentença de condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

6. Em relação ao quantum arbitrado no valor de R$ 3.000,00 tenho que acertado, eis que incapaz de onerar a instituição financeira apelante e ao mesmo tempo não tem o condão de causar enriquecimento sem causa a parte apelada. Assim, considero que o valor foi arbitrado dentro dos parâmetros de razoabilidade que enseja a precaução com a aplicação do dano extrapatrimonial.

7. Recurso conhecido e desprovido, à unanimidade.

RELATÓRIO

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por BANCO BRADESCO contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Xinguara, nos autos de ação declaratória com ressarcimento de danos materiais e morais (proc. 0007342-70.2018.8.14.0065), ajuizada pelo apelado MIGUEL MARTINS DA SILVA

Na Inicial, narra a autora que possui conta corrente junto ao requerido e que em 02/06/2016 o requerente recebeu, pela venda de uma propriedade, o valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), quantia que foi depositada na referida conta.

Afirmou o requerente fez alguns saques, nos dias 02/06/2016 e 03/06/2016, que totalizaram o valor de 7.740,00 (sete mil, setecentos e quarenta reais). Afirma que, para a realização dos saques no dia 03/06/2018, um homem se ofereceu a auxiliá-lo, se dizendo funcionário do banco, momento em que o requerente aceitou a ajuda e realizou o saque, deixando em sua conta o valor de R$ 16.765,89 (dezesseis mil, seiscentos e sessenta e cinco reais e oitenta e nove centavos).

Acrescentou que ao chegar em casa notou que o cartão entregue pelo rapaz que o ajudou não era o seu. Assim, retornou ao banco para informar o ocorrido, mas como estava fechado teve que aguardar até segunda feira. Então, na segunda feira (06.06.2016), quando o gerente lhe entregou o extrato ficou assustado com as quinze movimentações, entre saques, empréstimos e transferências, que havia sido realizada num único dia (06.06.2016), somando-se o valor total de R$ 19.500,92 (dezenove mil, quinhentos reais e noventa e dois centavos).

Por todo o exposto, ingressou com a presente ação pleiteando a declaração de nulidade das transações indevidas na conta bancária do requerente e a restituição do valor sacado, a título de danos materiais no valor de R$ 19.500,92 (dezenove mil, quinhentos reais e noventa e dois centavos) e 19 salários-mínimos como dano moral.

Citado, o requerido apresentou contestação, na qual alegou que o autor entregou seu cartão e senha a terceiro, permitindo que acessassem a sua conta. Aduziu, ainda, que após o autor tomar conhecimento do caso, não comunicou a imediata perda ou roubo do seu cartão, podendo ter utilizado os meios de comunicação via telefone ou internet. E, portanto, não há como atribuir à ré a responsabilidade pelos supostos danos causados a autor (ID 4539608 - Pág. 23).

Argumenta, ainda, que a fraude ocorreu em razão do descuido do autor e que, por ser culpa exclusiva do consumidor, não pode o banco arcar com os danos. Alegou ainda que não há que falar em condenação a título de dano moral ou dano material.

O Juiz sentenciante julgou parcialmente procedente os pedidos autorais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE os pedidos do autor e DECLARO NULAS as movimentações realizadas na conta bancária de Miguel Martins da Silva, no dia 06/06/2016, e, em consequência, CONDENO o requerido, BANCO BRADESCO S/A, a restituir ao autor os valores que foram indevidamente retirados da conta deste, acrescido de correção monetária pelo INPC-IBGE, incidindo a partir do efetivo prejuízo (Súmula nº 43-STJ), além de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data do evento danoso, em virtude da Súmula nº 54 do STJ.

Além disso, CONDENO o requerido, BANCO BRADESCO S.A., a pagar ao autor MIGUEL MARTINS DA SILVA, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) acrescido de juros e correção monetária, a contar desta data.

Condeno o requerido ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor atualizado da causa.

Irresignado, o requerido interpôs o presente Apelo sob a alegação de que a responsabilidade pelo sigilo da senha do cartão é do consumidor e este deveria ter maior zelo. Assim, entende que a culpa exclusiva é do consumidor. Aduz, ainda, que inexiste nexo de causalidade e ilícito praticado pelo banco, ora apelante, em consequência defende não haver falar em danos materiais e morais e, subsidiariamente, a minoração do dano extrapatrimonial. Por fim, alega a inaplicabilidade da inversão do ônus probante ao caso (ID 4539615 - Pág. 1-17).

Contrarrazões, pela manutenção da sentença recorrida (ID 4539616 - Pág. 1-10)

É o relatório

Belém, 28 de fevereiro de 2023.

DES. RICARDO FERREIRA NUNES

Relator

VOTO

1. Juízo de admissibilidade.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

2. Das razões recursais

A questão em análise reside em verificar se deve ser mantida a declaração de nulidade dos saques indevidos realizados sem o conhecimento do titular da conta, autor da demanda, bem como o direito desta ao recebimento de indenização por danos materiais e morais.

O autor narra na Exordial que foi ao banco realizar saques de sua conta bancária e que foi orientado por um terceiro que se dizia funcionário da agência bancária, e por esse foi ajudado na transação. Porém, quando chegou em casa notou que o cartão tinha sido trocado, mas, quando retornou para reclamar a agência se encontrava fechada e dia seguinte recebeu extrato do gerente do banco onde mostrava a realização de quinze transações, entre elas, saques, transferências e empréstimos, todas no valor de R$ 19.500,92 (dezenove mil, quinhentos reais e noventa e dois centavos)

O Apelante sustenta a inexistência do dever de indenizar, sob alegação de que os saques irregulares da conta da Apelada ocorreram por culpa exclusiva da vítima, por ter aceitado orientações de terceiros para realizar transações bancárias.

Ressalte-se que, no caso em análise, são aplicáveis as normas previstas na Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor - que trata das relações de consumo, considerando a condição de consumidor da Apelada, por ser a destinatária final do serviço e do Apelante de fornecedor, conforme artigos 2º e 3º da referida Lei, in verbis:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Assim, cumpre destacar que a prova da regularidade nos procedimentos administrativos do banco Apelante compete a si mesmo e não à apelada, sobretudo, por se tratar de relação de consumo, em que foi aplicada a inversão do ônus da prova nos termos do art. 6º, VIII do CDC.

Pelo exposto, vê-se que a alegação do apelante não se sustenta, pois compete ao banco estar munido de instrumentos tecnológicos seguros para provar de forma inegável que foi o cliente que retirou o dinheiro ou quem o tenha feito. Nesse sentido, o banco recorrente não trouxera aos autos a filmagem da agência bancária ou do caixa eletrônico comprovando quem, de fato, realizou os saques. Assim, não se pode exigir do consumidor a produção de prova de fato negativo, cabendo aos recorridos este ônus, nos termos do art. 333, II, do CPC. VII.

Não resta dúvida da existência de falha na prestação do serviço, ensejando a procedência...

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