Acórdão Nº 0007350-02.2016.8.24.0045 do Segunda Câmara Criminal, 19-07-2022

Número do processo0007350-02.2016.8.24.0045
Data19 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0007350-02.2016.8.24.0045/SC

RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA

APELANTE: JOSE MANOEL PINHEIRO NETO (RÉU) APELANTE: KAMILA PINHEIRO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

A magistrada Viviana Gazaniga Maia, por ocasião da sentença (evento n. 109), elaborou o seguinte relatório:

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por sua Promotora de Justiça em exercício nesta Comarca, denunciou RENATO PEDRO PINHEIRO, socialmente conhecido como CAMILA PINHEIRO, PEDRO JOSÉ PINHEIRO JÚNIOR e JOSÉ MANOEL PINHEIRO NETO, qualificando-os e dando-os como incursos nas sanções dos arts. 97, caput, 99, caput, e 102, todos da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), pelos seguintes fatos:

"Conforme descreve o presente caderno indiciário, desde o ano de 2010, na Rua Geral do Rio Grande, n. 2004, Bairro Rio Grande, neste Município e Comarca de Palhoça/SC, os denunciados Renato Pedro Pinheiro, Pedro José Pinheiro Júnior e José Manoel Pinheiro Neto, expunham a perigo a integridade e a saúde física e psíquica de seus pais Maria de Lourdes Ribeiro e Pedro José Pinheiro, pessoas idosas, portadores de deficiência auditiva, que contavam com 69 e 68 anos de idade à época dos fatos, além de submetê-los a condições desumanas e degradantes, uma vez que os privava de alimentos e cuidados indispensáveis, deixando-os viver em uma residência em precárias condições de habitabilidade.

Não bastasse as condições a que submeteram os idosos, os denunciados, valendo-se da condição de filhos e gestores do benefício previdenciário das vítimas, apropriaram-se e deram destinação diversa aos rendimentos de seus benefícios previdenciários, e, pela falta deste, submeteram-nos a situação de iminente perigo, uma vez que, embora fossem benefícios de pequena monta, seria suficiente para oferecer condições dignas de mantença dos idosos.

Destarte, evidenciado está, que os denunciados, valendo-se da condição de gestores dos rendimentos da vítimas idosas, deixaram de prestar a devida assistência àqueles, bem como expuseram sua integridade física e psíquica a perigo, uma vez que submetidos à situação desumana e privando-os da devida alimentação." (fls. 62-64)

Recebida a denúncia (fl. 65), os réus foram citados (fls. 70 e 81) e apresentaram resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (fls. 93-98). A resposta foi recebida, designando-se, em sequência, audiência de instrução e julgamento (fl. 99).

Em audiência, foram ouvidas duas testemunhas de acusação e quatro testemunhas de defesa, além de interrogados os réus. Houve a desistência de um testigo da defesa. Encerrada a instrução, as partes nada requereram, sendo determinada a juntada da carta precatória de oitiva da testemunha de acusação Nádia de Fátima Maggioni (fls. 149 e 177).

Em alegações finais, o Ministério Público, requereu a total procedência da denúncia (fls. 181-188).

Por sua vez, a defesa dos acusados pleiteou a absolvição por insuficiência de provas (fls. 192-198).

Acrescente-se que a denúncia foi julgada parcialmente procedente para: a) condenar Kamila Pinheiro e José Manoel Pinheiro Neto às penas de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de detenção, em regime inicialmente aberto, substituídas por duas restritivas de direitos, e ao pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada qual no patamar mínimo legal, por infração aos arts. 97, caput, e 102, ambos da Lei n. 10.741/03; b) absolver Pedro José Pinheiro Júnior dos delitos que lhe foram imputados na exordial, com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal; e d) absolver Kamila Pinheiro e José Manoel Pinheiro Neto em relação ao delito do art. 99, caput, da Lei n. 10.741/03, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Os acusados condenados interpuseram recurso de apelação (eventos n. 119 e 124). Em suas razões (evento n. 168), pugnaram pelas absolvições ante a insuficiência probatória. A título subsidiário, requereram a readequação das reprimendas.

Contrarrazões do Ministério Público (evento n. 178).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr. Carlos Henrique Fernandes (evento n. 11 dos autos da apelação), manifestou-se pelo parcial conhecimento do recurso e, nesta extensão, pelo seu desprovimento.

Documento eletrônico assinado por SALETE SILVA SOMMARIVA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2453291v9 e do código CRC 944fb56b.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SALETE SILVA SOMMARIVAData e Hora: 1/7/2022, às 16:8:4





Apelação Criminal Nº 0007350-02.2016.8.24.0045/SC

RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA

APELANTE: JOSE MANOEL PINHEIRO NETO (RÉU) APELANTE: KAMILA PINHEIRO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

1 Da preliminar de não conhecimento de parte do recurso

De início, no que tange à manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça no sentido de não conhecimento de parte do recurso em razão da ofensa à dialeticidade recursal diante do pleito genérico de readequação das penas, importa registrar que referido princípio deve ser mitigado no âmbito do processo penal, notadamente porque o pleito recursal, ainda que dotado de generalidade, sem atacar os pontos específicos da sentença, visa garantir a plenitude da defesa.

Nesse sentido já decidiu este Órgão Colegiado:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES; ASSOCIAÇÃO PARA TAL FINALIDADE; E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO (LEIS 11.343/06, ARTS. 33, CAPUT, E 35, CAPUT; E 10.826/03, ART. 12). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DOS ACUSADOS. 1. DIALETICIDADE. REDUÇÃO DA PENA. PEDIDO GENÉRICO. [...]

Não há ofensa à dialeticidade recursal se o acusado, nas razões, apresentar pedido genérico, porquanto a Constituição Federal e o Pacto de San José da Costa Rica garantem a aplicação da justa pena ao condenado e a possibilidade de revisão, a qualquer tempo, de manifesta injustiça ou erro técnico em seu prejuízo. [...] (AC n. 0000758-50.2017.8.24.0030, de Imbituba, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. em 16-1-2018).

Desse modo, deixar de conhecer do recurso, no ponto, em face dessa circunstância afrontaria cabalmente a plenitude de defesa dos réus, motivo pelo qual conhece-se do pedido.



2 Dos pleitos absolutórios

A materialidade dos delitos encontra-se estampada na denúncia registrada no disque direitos humanos (evento n. 1, p. 3), no relatório de informação (evento n. 1, p. 9), no relatório situacional (evento n. 1, p. 21/26) e no relatório de informação do Ministério Público (evento n. 6, p. 43/51).

A autoria, ao seu turno, será avaliada nos termos da prova oral.

Sobre os fatos, o psicólogo Rafael Arns Stobbe, que realizou a visita na residência das vítimas, contou em juízo:

que tomou conhecimento dos fatos, no período em que atuou no caso, por volta do ano de 2012; que fizeram visitas ao domicílio das vítimas e dos réus Kamila e José, observando a situação e tentando interagir com os dois idosos; que conversou com os três irmãos, com vizinhos e com demais parentes para entender a dinâmica dos fatos; que as condições da casa eram bem precárias; que, como faz tempo, possui uma memória geral da situação da casa; que lembra que havia problemas de fiação e também uma situação no forro, o qual estava deteriorado; que, ainda, havia um penico com fezes na casa e o banheiro apresentava algum problema; que a casa era suja; que a estrutura da casa gerou dúvidas acerca da sua segurança e das pessoas que ali moravam; que a casa oferecia risco; que, na residência, moravam os dois idosos, Kamila e um dos irmãos; que, na época, os idosos precisavam de ajuda para fazer suas atividades; que o idoso tinha uma amputação na perna, dificultando sua locomoção; que ambos os idosos tinham uma condição de surdez e não se comunicavam pela linguagem de Libras; que eles desenvolveram uma comunicação com gestos; que os profissionais tentaram traduzir desses gestos seus significados; que os idosos tinham, em razão disso, dificuldade de interação e compreensão; que a amputação na perna do idoso o inviabilizava de fazer uma série de atividades, como ir ao banheiro e se locomover na residência; que a idosa precisava passar por um procedimento relacionado ao útero, que também comprometia sua saúde às atividades cotidianas; que havia um cuidado por parte dos filhos, senão os idosos estariam mortos; que havia alimentação e coleta de excrementos, mas não eram adequadas; que havia possibilidade de os cuidados aos pais, pelos filhos, serem melhores; que havia uma capacidade de prover melhor os idosos, mas não era feito; que, ao longo do breve tempo de acompanhamento, havia patrimônio imobiliário dos idosos, bem como uma pensão/aposentadoria que era recebida e gerida por um dos filhos; que foi informado que havia uma poupança sendo feita desses recursos; que existia, na casa, precariedade sanitária, com higiene, que não dependia de recursos financeiros; que a informação era de que a família tinha recursos para melhorar a qualidade dos cuidados; que os rendimentos dos idosos eram pequenos, mas existiam os imóveis, os quais já tinham sido comercializados; que, em certo momento do acompanhamento, chegou a informação de que o recurso mensal recebido pelos idosos estava sendo guardado e já fazia um volume; que os filhos alegavam que os recursos seriam destinados para a construção de uma casa nova nos fundos; que, em razão disso, havia um montante de recursos que podia ser utilizado para o cuidado e não era; que não sabe dizer se os idosos passavam fome, mas, se não se engana, a situação da alimentação era precária; que havia hipótese de negligência por parte dos filhos, mas não pode afirmar; que possibilidade econômica parecia haver, mas o entendimento dos filhos seria de que os cuidados que eles prestavam...

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