Acórdão nº 0007535-52.2019.8.14.0097 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Tribunal Pleno, 24-04-2023
Data de Julgamento | 24 Abril 2023 |
Órgão | Tribunal Pleno |
Ano | 2023 |
Número do processo | 0007535-52.2019.8.14.0097 |
Classe processual | RECURSO ESPECIAL |
Assunto | Homicídio Qualificado |
APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0007535-52.2019.8.14.0097
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, DHON MARCIO DA SILVA BARBOSA
APELADO: DHON MARCIO DA SILVA BARBOSA, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
RELATOR(A): Desembargadora EVA DO AMARAL COELHO
EMENTA
PROCESSO ApCrim N.º 0007535-52.2019.8.14.0097
ÓRGÃO: 3ª TURMA DE DIREITO PENAL
ORIGEM: COMARCA DE BENEVIDES/PA
APELANTE/ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADO/ APELANTE: DHON MARCIO DA SILVA BARBOSA
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA
PROCURADOR: DR. HEZEDEQUIAS MESQUITA DA COSTA
RELATORA: DESA. EVA DO AMARAL COELHO
REVISOR (A):
APELAÇÕES SIMULTÂNEAS. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA E RECONHECIMENTO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. POSSIBILIDADE. RECURSO DEFENSIVO. RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. IMPROCEDÊNCIA. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. DECOTE DAS QUALIFICADORAS INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA BASE AO MÍNIMO LEGAL. ERRO IN PROCEDENDO. INOCORRÊNCIA. RECURSOS CONHECIDOS. PROVIDO O DO MINISTÉRIO PÚBLICO E IMPROVIDO DA DEFESA.
ACÓRDÃO
Este julgamento foi presidido por _______________.
RELATÓRIO
PROCESSO ApCrim N.º 0007535-52.2019.8.14.0097
ÓRGÃO: 3ª TURMA DE DIREITO PENAL
ORIGEM: COMARCA DE BENEVIDES/PA
APELANTE/ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADO/ APELANTE: DHON MARCIO DA SILVA BARBOSA
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA
PROCURADOR: DR. HEZEDEQUIAS MESQUITA DA COSTA
RELATORA: DESA. EVA DO AMARAL COELHO
REVISOR (A):
RELATÓRIO
Tratam-se de Recursos de Apelação interpostos por DHON MARCIO DA SILVA BARBOSA e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra sentença prolatada pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Benevides, que condenou o Recorrente à pena de 19 anos e 10 meses de reclusão pela prática do crime previsto no artigo 121, §2º, incisos I e IV do Código Penal, consumado em desfavor da vítima Carlos Nazaré da Silva Sena e na forma tentada em relação ao ofendido Luis Carlos da Silva Sena.
Narra a inicial acusatória recebida em 24/01/2019[1], que no dia 20/10/2018 o Recorrente, em concurso de pessoas, com unidade de desígnios, por motivo torpe, utilizando-se de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, ceifou a vida de Carlos Nazaré da Silva Sena (vulgo “Sales”) e tentou contra a vida de Luis Carlos da Silva.
Consta nos autos, que na data supracitada o Apelante e seus comparsas ingressaram na residência da primeira vítima e passaram a desferir golpes de faca nesta e em seu irmão Luiz Carlos, levando aquela a óbito.
Infere-se ainda que a motivação do crime se relaciona com o fato de que Carlos da Silva Sena não concordava com os atos ilícitos de um de seus irmãos, Antônio Carlos da Silva Sena, conhecido como “Mapará”, morto no dia 06/03/2018 por homens encapuzados.
O homicídio de “Mapará” foi interpretado pelos acusados como resultado das informações repassadas por Carlos da Silva Sena, o qual passou a ser responsabilizado pela referida morte e odiado pelo bando.
O feito tramitou regularmente e, submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, sobreveio sentença condenatória (Id. 9495986).
O Ministério Público de 1º Grau, com base no artigo 593, III, “c”, do Código de Processo Penal, apela sustentando ser necessário afastar a continuidade delitiva reconhecida na sentença, posto que os crimes de homicídio qualificado foram praticados em concurso material.
Por sua vez, a Defesa requer seja assegurado ao Apelante o direito de recorrer em liberdade. Alega que a decisão do Conselho de Sentença é contrária às provas dos autos por falta de alicerce probatório e pugna pelo redimensionamento da pena no mínimo legal, bem como o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da vítima (Id. 9495994).
Constam contrarrazões pelo total improvimento dos recursos (Id. 9495992 e 9495995).
Nesta instância, o Órgão Ministerial se manifestou pelo provimento do recurso ministerial e improvimento do apelo defensivo (Id. 12824974).
É o relatório.
Fica facultado ao membro do Ministério Público, ao(à) Defensor(a) Público(a) e ao(à) advogado(a) habilitado(a) nos autos a realização de sustentação oral, devendo encaminhar eletronicamente arquivo digital previamente gravado, observado o procedimento disposto no art. 2º da Resolução nº 22, de 30/11/2022, publicada no Diário da Justiça Eletrônico de 1º/12/2022, que acrescentou o art 4º-A à Resolução nº 21, de 05/12/2018, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
[1] ID. 9495774
VOTO
VOTO
1. DA APELAÇÃO MINISTERIAL
a. DO AFASTAMENTO DO CRIME ONTINUADO E DA CONFIGURAÇÃO DO CRIME MATERIAL.
O Ministério Público de 1º Grau sustentou o afastamento da continuidade delitiva, posto que os crimes de homicídio qualificado, consumado e tentado, foram praticados em concurso material previsto no artigo 69 do Código Penal.
Adianto que tal pleito que deve ser acolhido, observada a dinâmica dos fatos.
Sabe-se que o crime continuado é benefício penal, modalidade de concurso de crimes, que, por ficção legal, consagra unidade incindível entre os crimes parcelares que o formam, para fins específicos de aplicação da pena.
Para a sua aplicação, a norma extraída do art. 71, caput, do Código Penal exige, concomitantemente, três requisitos objetivos:
I) pluralidade de condutas; II) pluralidade de crime da mesma espécie; III) e condições semelhantes de tempo lugar, maneira de execução e outras (conexão temporal, espacial, modal e ocasional).
Adotando a teoria objetivo-subjetiva ou mista, a doutrina e a jurisprudência inferiram implicitamente da norma um requisito de ordem subjetiva, qual seja, a unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame volitivo entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente. Dessa forma, diferenciou-se a situação da continuidade delitiva da delinquência habitual ou profissional, incompatível com a benesse.
No caso dos autos, nota-se que as ações foram distintas e derivadas de causas diversas. Isto porque, segundo o relato da testemunha presencial, os golpes com arma branca inicialmente foram dirigidos para a vítima Carlos Nazaré da Silva Sena, somente após seu irmão acordar com seus gritos de socorro, foi a segunda vítima esfaqueada.
Neste contexto, não foi evidenciada unidade de desígnio entre as condutas, requisito subjetivo necessário para o reconhecimento da ficção jurídica da continuidade delitiva, conforme entendimento sedimentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça compreende que, para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva (mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução) e subjetiva (unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos), nos termos do art. 71 do Código Penal. Exige-se, ainda, que os delitos sejam da mesma espécie. Para tanto, não é necessário que os fatos sejam capitulados no mesmo tipo penal, sendo suficiente que tutelem o mesmo bem jurídico e sejam perpetrados pelo mesmo modo de execução.” (REsp 1.767.902/RJ, j. 13/12/2018)
Pois bem.
Atenta às diretrizes do artigo 5º, XLVI, da Constituição da República, ao disposto nos artigos 68 e 59, ambos do Código Penal, passo à revisão da dosagem.
Em relação ao crime de homicídio qualificado tentado praticado contra Luis Carlos da Silva Sena, assevero que a culpabilidade deve ser considerada negativa, seja pela quantidade de agentes envolvidos no intento criminoso[1], seja pela quantidade de golpes de faca desferidos na vítima.
Registra apontamento referente ao processo 00030740720118140133 (Id. 9495782), com trânsito em julgado[2] anterior ao fato em apuração, apto pois, a exasperar a sanção no que diz respeito aos antecedentes criminais.
A conduta social e a personalidade do agente restaram não investigadas, razão pela qual aponto sua neutralidade.
Os motivos do crime devem ser valorados negativamente, cabendo o deslocamento da qualificadora sobejante[3] prevista no art. 121, §2º, I do CP.
Da mesma forma, as circunstâncias do crime são prejudiciais no caso dos autos, considerando os fatores de tempo, lugar e modo de execução do delito. A tentativa de assassinato foi perpetrada com invasão de domicílio, elemento que atrai resposta estatal mais severa[4].
As consequências do crime, tidas como o resultado do delito relativamente ao ofendido, sua família ou sociedade, são desfavoráveis, pois a vítima apresentou em audiência as cicatrizes das lesões ocasionadas pelos golpes de faca desferidos, tratando-se de tentativa cruenta[5].
Por outro lado, o comportamento da vítima, por força da Súmula nº 18 deste Tribunal de Justiça, deve ser considerado neutro.
Ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes, passo diminuição da reprimenda com base no art. 14, II do CP a razão de 2/3 (dois terços), considerando não haver notícia do caminho do crime[6], fixando a sanção em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
Adiante, mantidas as considerações feitas pelo magistrado sentenciante nas primeiras fases da dosagem em relação ao crime de homicídio...
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