Acórdão Nº 0007971-72.2011.8.24.0045 do Terceira Câmara de Direito Público, 02-02-2021

Número do processo0007971-72.2011.8.24.0045
Data02 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0007971-72.2011.8.24.0045/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


APELANTE: HELIO DE OLIVEIRA FILHO (AUTOR) APELANTE: DALVA BEPPLER DE OLIVEIRA APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)


RELATÓRIO


Na Comarca de Palhoça, Hélio de Oliveira Filho e Dalva Beppler de Oliveira ajuizaram ação de usucapião contra o Estado de Santa Catarina alegando que há mais de 10 anos possuem, por ocupação, terreno situado na região da Praia do Sonho, no Município de Palhoça; que o imóvel possui a área de 393,98 m²; que exercem a posse no referido imóvel, sem interrupção, contestação ou oposição com ânimo de dono e, por isso, possuem direito à aquisição da propriedade em razão da usucapião; que deve ser concedido o domínio sobre o imóvel aos demandantes.
Após, foi determinada a emenda da inicial para que os demandantes indicassem a qualificação dos confrontantes, o que foi cumprido pela parte autoral.
Determinada a citação do Estado e dos confrontantes, o ente Público contestou a lide afirmando que, conforme informação prestada pela Secretaria de Estado da Administração, o imóvel objeto da discussão judicial situa-se na região denominada Campos de Araçatuba, de propriedade do Estado, conforme previsão na Lei Estadual n. 652, de 1904; que o imóvel em questão não é passível de usucapião; que as terras correspondem a bens de domínio público estadual.
Impugnados os argumentos da contestação, ato contínuo, o Instituto do Meio Ambiente - IMA foi intimado e apresentou parecer nos autos.
Após manifestação ministerial, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido autoral.
Inconformados, os demandantes interpuseram recurso de apelação alegando que o parecer técnico do Instituto do Meio Ambiente não tem o condão de comprovar que o imóvel discutido no processo é de propriedade do Estado; que não há prova do efetivo domínio por parte do ente Público; que exercem a posse no referido imóvel há mais de 10 anos, sem qualquer interrupção e/ou contestação; que a região em que se encontra o imóvel é urbanizada; que os demandantes preenchem os requisitos processuais necessários à aquisição da propriedade do bem.
Com as contrarrazões, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra da Exma. Dra. Monika Pabst, manifestou-se pelo desprovimento do recurso

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto por Hélio de Oliveira Filho e Dalva Beppler de Oliveira, inconformados com a sentença que julgou improcedente o pedido formulado na ação de usucapião ajuizada contra o Estado de Santa Catarina.
Os recorrentes sustentam que "(...) imóvel não pertence ao ente público, não se pode presumir a determinação de posse do imóvel pelo estado, sem a devida apresentação de elementos probatórios, que a área na qual encontra-se o imóvel é notadamente urbanizada, que os apelantes preenchem todos os requisitos processuais, legais a serem comtemplados pelo direito de aquisição da propriedade" (Evento 206, Apelação1, p. 05)
Por fim, formularam pedido para "se reformar integralmente a decisão repudiada, devendo ser declarado o domínio dos apelantes sob[re] o imóvel a ser usucapido, haja vista que sua posse é contínua e inconteste pelo período elencado pelo art. 1238, parágrafo único, c/c art. 1241, do Código Civil Brasileiro, sem sofrer discussão, contestação, impugnação" (Evento 206, Apelação1, p. 05).
Pois bem.
A Constituição Federal nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único, prevê a impossibilidade de se usucapir qualquer espécie de bem público, seja de uso comum do povo, de uso especial ou dominical, mesmo na hipótese de usucapião urbano ou rural constitucional para moradia própria ou da família ou "pro labore". Veja-se:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
[...]
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (grifou-se)
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (grifou-se)
O Código Civil, em seu art. 102, também estabelece que "os bens públicos não estão sujeitos a usucapião."
Acerca desse dispositivo, leciona Flávio Tartuce:
Enuncia o art. 102 do Código de 2002 que os bens públicos, móveis ou imóveis, não estão sujeitos a usucapião, eis que há a imprescritibilidade das pretensões a eles referentes, confirmando determinação que já constava dos arts. 183, § 3.º, e 191, parágrafo único, da CF/1988, quanto aos bens imóveis. A expressão contida no dispositivo legal engloba tanto os bens de uso comum do povo como os de uso especial e dominicais. (Tartuce, Flávio., Manual de direito civil: volume único, 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p.
Da mesma forma, colhe-se do enunciado da Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, a orientação de que: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".145).
Ensina Hely Lopes Meirelles, a respeito da impossibilidade de aquisição da propriedade de imóvel público por meio da usucapião:
A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como consequência lógica de sua inalienabilidade originária. E é fácil demonstrar a assertiva: se os bens púbicos são originariamente inalienáveis, segue-se que ninguém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Dai não ser possível a invocação de usucapião sobre eles. É princípio jurídico, de aceitação universal, que não há direito contra Direito, ou, por outras palavras, não se adquire direito em desconformidade com o Direito. (Direito Administrativo Brasileiro, 42 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 660).
Na hipótese dos autos, o conjunto probatório permite uma conclusão segura no sentido de que o imóvel que os autores, ora apelantes, pretendem usucapir, está localizado em área de propriedade do Estado de Santa Catarina.
Isso porque, inicialmente, embora afirmem os recorrentes que a questão foi dirimida pelo juízo apenas com base no parecer apresentado pelo Instituto do Meio Ambiente, tem-se que referida alegação, desprovida de provas em sentido adverso às informações prestadas pelo referido Instituto, não é hábil a atestar que o imóvel não pertence ao Estado de Santa Catarina.
Pelo contrário, todas as provas apresentadas no curso do processo são determinantes a comprovar que o bem discutido no processo é de propriedade do Estado de Santa Catarina, conforme previsto na Lei Estadual, n. 652, de 16.09.1904, assim como no Decreto Presidencial n. 30.443, de 25 de janeiro de 1952.
Aliás, a questão aqui discutida foi examinada com muita percuciência pelo MM. Juiz, Dr. André Augusto Messias Fonseca, razão pela qual os motivos expendidos na sentença, que a seguir serão transcritos, passam a integrar os fundamentos deste voto:
"Busca-se aqui a aquisição de propriedade de imóvel inserido em região conhecida como Campos de Araçatuba ou Massiambú, a qual abrange praias famosas do município de Palhoça, como a Praia do Sonho, a Praia da Pinheira, a Guarda do Embaú etc.
"Referida área é de propriedade do Estado de Santa Catarina, por força do disposto na Lei Estadual n. 652/1904 e no Decreto Presidencial n. 30.443, de 25 de janeiro de 1952.
"O domínio do Estado de Santa Catarina sobre a área em questão é fato que também já foi reconhecido pelo TJSC em processos anteriores.
"Não se pode negar que alguns imóveis situados nessa mesma área acabaram tendo título de propriedade outorgado a particulares pelo Município de Palhoça. Todavia, cumpre ressaltar que essas transferências ocorreram irregularmente. A Lei Estadual n. 652/1904 transferiu ao Município apenas a administração sobre a porção de terras em litígio, não a propriedade. Logo, jamais o Município poderia ter entregue títulos de propriedade a particulares, como o fez no passado.
"É da jurisprudência:
"AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO - CAMPOS DE MACIAMBU OU ARAÇATUBA - DECRETO PRESIDENCIAL N. 30.443/52 - PROPRIEDADE. São de domínio do Estado de Santa Catarina as terras situadas nos Campos do Maciambu ou Araçatuba, tendo a Lei Estadual n. 652/1904 transferido, tão-só, sua administração à Municipalidade de Palhoça.REGISTRO DE IMÓVEIS - CANCELAMENTO - ART. 859 DO CÓDIGO CIVIL - PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. Presume-se titular do direito real aquele constante do registro. Tal presunção, no entanto, é relativa, sendo passível de cancelamento a transcrição da venda efetuada a non...

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