Acórdão Nº 0007976-21.2016.8.24.0045 do Segunda Câmara Criminal, 09-11-2021

Número do processo0007976-21.2016.8.24.0045
Data09 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0007976-21.2016.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

RECORRENTE: DAVID MEDEIROS (ACUSADO) ADVOGADO: JOÃO RICARDO DA SILVA (OAB SC008022) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Palhoça, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra David Medeiros, dando-o como incurso nas sanções do 121, §2º, incisos I, III e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal e art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em razão dos fatos assim descritos (Evento n. 14):

[...] Na tarde de 20 de maio de 2012, por volta das 15h30min, o denunciado DAVID MEDEIROS, agindo em parceria e comunhão de esforços com o adolescente D.A.M (17 anos), atentou contra a vida da vítima Jhonatan da Silva de Oliveira (15 anos), em via pública do bairro Pagani (próximo à agência da Caixa Econômica Federal), em Palhoça, em local de grande fluxo de circulação de pessoas.

Consta que o denunciado e a vítima faziam parte de grupos distintos e havia entre eles grande rivalidade acerca de tráfico de drogas, inclusive com histórico de crime contra a vida praticado por ambos os grupos.

No dia dos fatos, a vítima Jhonatan estava num telefone público próximo ao prédio da Prefeitura Municipal, quando foi abordada pelo denunciado DAVID e pelo comparsa adolescente, cada qual conduzindo uma motocicleta; o adolescente sacou uma arma de fogo (possivelmente um revólver calibre .38) e deu ordem para que a vítima os encontrasse na rua de trás para conversarem. A vítima conta que empurrou o adolescente e saiu em disparada, porém acabou alcançado por eles nas proximidades da agência da Caixa Econômica Federal - Rua Atílio Pedro Pagani -, tendo o denunciado atropelado-o com a moto e derrubado no chão, momento em que o adolescente efetuou pelo menos seis disparos de arma de fogo, dos quais três atingiram a vitima: "um no membro inferior direito, outro na região glútea e, o último, na região sacral; foi submetido a cirurgia devido a perfurações intestinais" (laudo pericial de fls. 25/29).

A vítima foi socorrida por transeuntes que acionaram o SAMU, sendo posteriormente levada ao Hospital Regional, onde recebeu eficiente atendimento médico-hospitalar, inclusive com cirurgia, permanecendo internada até 23/05/2012.

Com essa conduta, o denunciado corrompeu o adolescente D.A.M, induzindo-o a prática do crime de homicídio, agindo em coautoria com ele por motivo torpe, pois motivados por rivalidade ligada ao tráfico de drogas da região onde moravam, e agiu de maneira que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima (que na ocasião estava em via pública e sem prévia discussão ou ameaça). A ação homicida também gerou perigo comum, haja vista que praticaram o crime em via pública, com instrumento de grande potencialidade e em horário de muita movimentação de pessoas. [...]

Encerrada a instrução preliminar, foi julgado admissível o pleito formulado na exordial acusatória e, com fundamento no art. 413 do Código de Processo Penal, a Juíza a quo pronunciou David Medeiros, dando-o como incurso nas sanções do 121, §2º, incisos I, III e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal e art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Evento n. 177).

Irresignada com a decisão, a Defesa do Recorrente David Medeiros interpôs Recurso em Sentido Estrito, em cujas Razões (Evento 196) busca a despronúncia ou a absolvição sumária, inclusive quanto ao delito conexo, em razão da insuficiência probatória.

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 204) e mantida a Decisão de Primeiro Grau por seus próprios fundamentos, nos moldes do art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 213), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Exma. Sra. Dra. Kátia Helena Scheidt Dal Pizzol, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento da insurgência (Evento n. 10 - autos em Segundo Grau).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Almeja o Recorrente a despronúncia ou absolvição sumária, inclusive quanto ao delito conexo, sob o argumento de insuficiência probatória.

Contudo, o pleito não comporta provimento pelas razões abaixo alinhadas.

Sabe-se que, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dentre os quais se inclui o homicídio, tentado ou consumado (art. 74, §1º, do Código de Processo Penal).

É exatamente por isso, inclusive, que vigora na primeira fase do procedimento escalonado dos crimes da alçada do Tribunal do Júri, disciplinado entre os artigos 406 e 421 do Código de Processo Penal, o brocardo in dubio pro societate, no sentido de que, na dúvida, compete ao Conselho de Sentença deliberar sobre a matéria.

Nesse sentido, colhe-se desta Câmara, o Recurso em Sentido Estrito n. 0000012-58.2012.8.24.0031, de Relatoria da Desembargadora Salete Silva Sommariva, julgado em 13-06-2017:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR TRÊS VEZES ( CP, ART> 121, § 2º, II E IV, C/C 14, II - PRONÚNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE - INOCORRÊNCIA - PREVALÊNCIA DO CARÁTER POPULAR E DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - PRETENSO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INDUVIDOSA ACERCA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - INVIABILIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA - RECURSOS DESPROVIDOS. - grifei

Do corpo do acórdão, extrai-se:

A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.

Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.

Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo.

Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.

Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática. - grifei

Fixada esta premissa, isto é, de que na fase do judicium accusationis deve-se adotar postura deferente à competência constitucional do Tribunal do Júri, passa-se à análise do conjunto probatório até agora produzido, a fim de se verificar, no termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria do crime de homicídio qualificado tentado (art. 121, §2º, incisos I, III e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal), além do conexo (art. 244-B, do ECA), nos quais o Recorrente foi dado como incurso, para fins de pronúncia.

Destaque-se que "a impronúncia deve respeitar o raciocínio inverso ao da pronúncia, vale dizer, enquanto esta demanda a prova da existência do crime e indícios suficientes de quem seja o seu autor, aquela exige o oposto" (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 119-120).

Pois bem.

Extrai-se dos autos que a materialidade e os indícios suficientes da autoria podem ser verificados por meio do Boletim de Ocorrência (Evento 1, INQ4), Relatório de Investigação (Evento 1, INQ16-24), Laudos Periciais (Evento 1, INQ25, INQ28-29) e prova oral colhida.

A vítima Jhonatan da Silva de Oliveira, ouvido somente perante a Autoridade Policial, reconheceu o Recorrente e o adolescente D. A. M. como autores do delito, narrando a dinâmica dos acontecimentos (Evento 1, INQ11-13):

[...] QUE, em data de vinte e um de maio de dois mil e doze (21.05.2012), o depoente estava junto ao telefone público ao lado da Prefeitura de Palhoça, bairro Pagani, efetuando uma ligação para sua namorada, esclarecendo que naquela oportunidade residia no bairro Jardim Aquários, enquanto sua namorada residia no bairro Sant'Ana; que, ligava para ela para que viesse até onde o depoente estava; que, esclarece ainda que já residiu na Cohab Nova e por já ter sido vítima de disparo de arma de fogo e por já ter perdido dois irmãos e um primo vítimas de homicídio teve que sair de lá; que, neste dia (21.05.12), estava falando com sua namorada ao telefone que chegaram ao local DEIVID e D. A. M., cada qual com sua mota; que, D. A. M. sacou de um revólver .38 e mandou que o depoente se dirigisse para uma rua que dá acesso ao Cemitério do Passa Vinte; que, o depoente negou-se a ir, tentou derrubar D. A. M. da moto, mas DEIVID veio em ajuda a ele, e, aproveitando uma oportunidade, saiu correndo; que, correu em direção à Caixa Econômica Federal, passado por dentro de um lote cercado por tela (Plantão de vendas do Pagani), pulando...

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