Acórdão Nº 0008054-62.2018.8.24.0039 do Terceira Câmara Criminal, 19-09-2023

Número do processo0008054-62.2018.8.24.0039
Data19 Setembro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0008054-62.2018.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: IRIA ALICE VOIGT (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Na comarca de Lages, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Iria Alice Voigt, dando-a como incursa nas sanções do art. 312 do Código Penal, c/ c o art. 69 do mesmo Estatuto Repressivo (duas vezes), pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:
Fato típico I: No dia 20 de novembro do ano de 2013, nas dependências da Central de Polícia desta Comarca, situada à Rua Cruz e Souza, n. 65, bairro Brusque, neste município de Lages/ SC, a denunciada Iria Alice Voigt, com consciência e vontade (dolosamente), aproveitando-se de sua função pública, apropriou-se, em proveito próprio ou alheio, do valor de R$ 339,00 (trezentos e trinta e nove reais), recebido a título de fiança prestada por Adair Antonio Chagas (fl. 14), no auto de prisão em flagrante de n. 472.13.00829, o qual culminou na ação penal de n. 0019843-34.2013.8.24.0039.
Fato típico II: No dia 21 de fevereiro do ano de 2014, nas dependências da Central de Polícia desta Comarca, situada à Rua Cruz e Souza, n. 65, bairro Brusque, neste município de Lages/ SC, a denunciada Iria Alice Voigt, com consciência e vontade (dolosamente), aproveitando-se de sua função pública, apropriou-se, em proveito próprio ou alheio, do valor de R$ 140,00 (cento e quarenta reais), apreendidos na posse de Cauê Tanaka, no auto de prisão em flagrante de n. 472.14.00118 (documento em anexo), o qual culminou na ação penal de n. 0001780-24.2014.8.24.0039 (ev. 10.1)
Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar a acusada às penas de 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor mínimo legal, por infração ao disposto no art. 312, caput, do Código Penal, por duas vezes, em continuidade delitiva. A pena privativa de liberdade fora substituída por duas restritivas de direitos (CP, art. 44, § 2º, parte), consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV) e prestação pecuniária, fixadas no valor de 1 (um) salário mínimo. Foi-lhe concedido o benefício da Justiça Gratuita (ev. 117.1).
Irresignada, a defesa da acusada interpôs recurso de apelação, no qual pleiteou, de plano, pelo recebimento do recurso no efeito suspensivo, bem como pelo reconhecimento da prescrição retroativa. No mérito, postulou pela absolvição, ante ausência de provas da prática delitiva e, subsidiariamente, pela desclassificação do delito para a forma culposa. Por fim, pugnou pelo benefício da justiça gratuita. (ev. 128.1)
Igualmente irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, no qual requereu a) a majoração da pena, em razão do reconhecimento da circunstância judicial desfavorável referente à culpabilidade, uma vez que ocupava o cargo público de escrivã de polícia; b) o reconhecimento da existência de concurso material entres os dois crimes de peculato, nos termos do artigo 69 do Código Penal; c) a modificação do regime inicial de cumprimento de pena para o fechado, bem como d) o afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (ev. 125.1).
Juntadas as contrarrazões (ev. 135.1) (ev. 136.1), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Exma. Sra. Dra. Margaret Gayer Gubert Rotta, opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do apelo interposto por Iria Alice Voigt e pelo conhecimento e provimento do recurso ministerial, nos termos da fundamentação supra (ev. 9.1).
Este é o relatório

VOTO


Trata-se de recursos de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou a acusada às sanções previstas pelo art. art. 312, caput, por duas vezes, na forma do art. 71, ambos do Código Penal.
1 Recurso da defesa
Quanto ao pleito para concessão do efeito suspensivo ao presente recurso, cabe registrar que não há base legal para tal hipótese, já que o apelo busca a reversão total da matéria (efeito devolutivo), e não há nenhum comando na sentença de pronta execução da sanção imposta.
O pedido de gratuidade da justiça também não comporta conhecimento, já que o pleito fora concedido na sentença (ev. 117).
O apelo da defesa, portanto, é de ser conhecido em parte.
1.1 Prescrição
A defesa busca o reconhecimento da prescrição retroativa.
Sem razão.
No caso em tela, a reprimenda aplicada à apelante foi de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, por infração ao art. 312, caput, do Código Penal.
Logo, o prazo prescricional é de 8 (oito) anos, a teor do disposto no art. 109, IV, do Código Penal. Não incide o disposto no art. 115 do Código Penal, já que a acusada contava com 57 (cinquenta e sete) anos de idade na data da sentença condenatória.
Infere-se dos autos que, da data do recebimento da denúncia (06/02/2019 - ev. 10) até a publicação da sentença (28/04/2023 - ev. 117), não transcorreu lapso temporal superior a 8 (oito) anos.
Logo, não há falar em ocorrência da prescrição retroativa.
1.2 Pleito de absolvição ou de desclassificação da conduta para a sua forma culposa
A defesa pretende a absolvição ou a desclassificação do delito para a sua forma culposa, ao argumento de que não há provas suficientes à condenação, tampouco dolo na conduta da acusada.
Sem qualquer razão.
Isto porque, restou sobejamente demonstrada a materialidade, a autoria e o dolo dos delitos, conforme minuciosamente delineado pelo magistrado, de forma que adoto os fundamentos trazidos na sentença como razões de decidir, evitando assim, desnecessária tautologia. Veja-se:
[...] Determina o artigo 312, caput, do Código Penal que:
Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
A materialidade do delito está comprovada pelos documentos que integram o inquérito policial do evento 1, quais sejam: comunicação interna (inquérito 3); despachos (inquérito 4 e 5); termo de arbitramento de fiança (inquérito 14); termo de prestação de fiança (inquérito 15); Alvará de Soltura (inquérito 16); Ofício n. 4629/2013 (inquérito 22); Ofício n. 491/2016 (inquérito 26); e depoimentos prestados em sede policial, bem como pelo auto de apreensão do evento 13 (inquérito 57), certidões de eventos 14 e 15, Ofício 0166/2018 do evento 17 e prova oral produzida sob o crivo do contraditório.
A autoria, por sua vez, igualmente encontra-se comprovada por esses elementos, senão vejamos de forma detalhada.
Ouvido perante a Autoridade Policial, o escrivão da Polícia Civil Hilton Neves relatou que a fiança recolhida no auto de prisão em flagrante n. 829/2013, no valor de R$ 339,00, (trezentos e trinta e nove reais), após concluído o procedimento, foi entregue ao Cartório de Distribuição, para a agente de polícia IRIA ALICE VOIGT, para posteriormente ser depositado.
Disse que todos os valores de fiança recebidos eram entregues à acusada.
Sob o crivo do contraditório, Hilton relatou que não se recorda especificamente dos fatos aqui analisados, mas que o expediente era da seguinte forma: finalizavam auto de prisão em flagrante e passavam para IRIA, no cartório, os objetos e valores apreendidos, bem como os valores recolhidos a título de fiança.
Disse que todos os escrivães que realizavam os procedimentos repassavam todos os objetos apreendidos e quantias em dinheiro para IRIA recolher.
Afirmou que especificamente não se recorda dos fatos apurados nos presentes autos, mas que detém certeza de que o valor da fiança foi repassado (ao cartório).
Asseverou, ainda, que se o procedimento fosse finalizado no período da noite, entregavam os bens ou valores para IRIA na primeira hora do dia seguinte, sendo que no lapso temporal entre a conclusão do procedimento a abertura do cartório os bens ficavam em responsabilidade do escrivão.
Disse que a sala onde IRIA trabalhava era trancada, mas que, pelo que sabe, outras pessoas detinham a chave do local, inclusive o delegado. Afirmou também que caso precisassem de algum documento no interior da sala da acusada, requisitavam ao delegado que a abrisse para pegar.
Pontuou, ainda, que não havia cofre ou outra forma de armazenamento mais segura na delegacia, então entregavam os bens para a ré e na responsabilidade dela eles ficavam. Comentou que o local onde os bens ficavam não era, na sua opinião, suficientemente seguro.
A testemunha recordou que uma vez soube que uma porção de entorpecentes armazenados na delegacia sumiu, motivo pelo qual foi instaurada uma sindicância.
Por fim, disse que se recorda que a acusada, na "temporada", deslocava-se a outras comarcas.
Em Juízo, foi ouvido também o delegado de polícia Rafael, que relatou não se recordar, especificamente, dos fatos narrados na exordial acusatória, mas descreveu a dinâmica adotada na Central de Polícia desta comarca no que tange a bens e valores:
[...] que havia a secretaria de distribuição, que era responsável pela autuação e arquivamento dos processos, realização e confecção de ofícios, comunicações internas e, também, pelos objetos e valores apreendidos em situações flagrâncias; que trabalhou um bom tempo com IRIAN; que a praxe era de que, os objetos e valores apreendidos, ainda que por outro escrivão e ainda que em horário de plantão, posteriormente fossem encaminhados ao setor de distribuição da CPP de Lages; [...]
Assim, concluiu o delegado afirmando que é possível afirmar que todo o dinheiro apreendido ou recolhido a título de fiança passava pela policial IRIA enquanto ela trabalhou naquele local.
A testemunha afirmou que, quando diz "praxe", refere-se à decisão...

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