Acórdão Nº 0008167-60.2014.8.24.0005 do Terceira Câmara de Direito Público, 25-10-2022

Número do processo0008167-60.2014.8.24.0005
Data25 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0008167-60.2014.8.24.0005/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0008167-60.2014.8.24.0005/SC

RELATORA: Desembargadora BETTINA MARIA MARESCH DE MOURA

APELANTE: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC (RÉU) REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: ANNIBAL GAYA NETO (Representante) (AUTOR) APELADO: HOSPITAL SANTA INES SA (Representado) (AUTOR) ADVOGADO: LEANDRO DA SILVA CONSTANTE (OAB SC019968) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Hospital Santa Inês S/A ajuizou Ação de Cobrança contra Município de Balneário Camboriú aduzindo, em síntese, que em 14.10.2005 as partes firmaram Termo de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público de Santa Catarina, "onde a Requerente, no prazo de sete dias, deveria transferir sua administração e gestão financeira, para uma Comissão criada por meio de Decreto Municipal nº 4220/2005", o que foi realizado em 17.10.2005. Sustentou que, no entanto, em 15.05.2008, "através do Decreto n.º 5045/2008, foi declarado pelo Prefeito, Estado de Calamidade Pública e Perigo Iminente no Atendimento da Rede Hospitalar do Município de Balneário Camboriú, ante a má administração que [...] já era exercida pelo próprio Município". Relatou que na mesma data, por meio do Decreto n. 5046/2008, foram requisitadas todas as suas instalações, "compreendendo o edifício, os equipamentos médicos/cirúrgicos, a mão de obra especializada e todos os demais utensílios necessários para o seu regular funcionamento". Disse que durante todo o período em que o Réu ficou responsável pela sua administração e gestão financeira, "firmou compromissos, recebeu e gerenciou verbas públicas, gerenciou recursos de origem privada oriundos da receita ordinária do nosocômio, prestou serviços, movimentou contas bancárias, contraiu dívidas trabalhistas, fiscais, e com fornecedores" e que todos os atos estavam vinculados ao seu CNPJ, contudo, após os seus representantes legais terem reassumido a gestão hospitalar, verificaram a "realização de inúmeros procedimentos hospitalares, sem o devido pagamento". Esclareceu que embora os serviços tenham sido prestados e documentados no Sistema de Controle e Avaliação da Secretaria de Saúde, o Réu não efetuou o pagamento dos valores devidos, os quais devem ser adimplidos. Disse ainda, que "o prejuízo a que submetido o Requerente encontra-se especialmente configurado na inércia do requerido, vez que este deixou de processar na forma e tempo hábil os documentos enviados para sua análise" (g. n.). Pleiteou a concessão do benefício da gratuidade da justiça. Juntou documentos (evento 73, Processo Judicial 1, fls. 10/119, Processo Judicial 2, fls. 1/74, Processo Judicial 3, fls. 1/122 e Processo Judicial 4, fls. 1/26, EP1G).

Foi deferido o benefício da gratuidade da justiça ao Autor e determinada a citação do Réu (evento 73, Processo Judicial 4, fl. 28, EP1G).

Citado (evento 73, Processo Judicial 4, fl. 33, EP1G), o Réu apresentou contestação e documentos (fls. 36/105). Suscitou, prefacialmente, a conexão com os autos n. 005.14.006745-5 e 005.14.006746-3, nos quais se discute a mesma situação fática, bem como a inépcia da inicial, posto que não foi formulado pedido contra si, na petição inicial. No mérito, alegou que o Autor não realizou o faturamento dos serviços prestados, obrigação que lhe incumbia. Disse que conforme "Manual Técnico Operacional do Sistema de informações Hospitalar do SUS [...], o Sistema de Informação Hospitalar/SIH/SUS é a forma de como são processados os registros do atendimento do paciente internado, que são enviados ao Ministério da Saúde para compor o Banco de Dados Nacional a partir do qual são disseminadas as informações" e que o manual prevê que a cobrança deve ser realizada até 4 (quatro) meses após a alta, sob pena de rejeição definitiva. Sustentou que os "documentos anexados comprovam que os atendimentos que o Autor pretende cobrar nos presentes autos foram realizados no decorrer do exercício de 2004", de modo que não pode ser responsabilizado pelo seu pagamento, estando configurada a decadência. Defendeu ainda, a prescrição quinquenal.

Houve réplica (evento 73, Processo Judicial 4, fls. 11/116, EP1G).

O Autor efetuou a juntada de prova emprestada, produzida nos autos ns. 005.08.7575-9, 005.08.007639-9 e agravo de instrumento n. 2008.028113-0, "para fins de comprovar o marco inicial da prescrição" (evento 73, Processo Judicial 4, fls. 118/123, EP1G).

O Ministério Público não vislumbrou interesse no processo (evento 73, Processo Judicial 4, fls. 125/126, EP1G).

Foram afastadas as preliminares de conexão e inépcia da inicial, determinando-se a intimação das partes, para indicar as provas que pretendiam produzir (evento 73, Processo Judicial 4, fl. 128, EP1G).

As partes pleitearam o julgamento antecipado da lide (evento 73, Processo Judicial 4, fls. 132 e 134, EP1G).

Determinou-se a intimação do Réu "para que efetue consulta pormenorizada de cada AIH mencionada pelo autor e traga aos autos, em petição detalhada, a especificação a respeito de ter ou não havido o encaminhamento de cada guia, se houve efetivo pagamento ou se a AIH foi rejeitada pelo SUS, especificando os motivos" (evento 73, Processo Judicial 4, fl. 137, EP1G), o que foi cumprido (fls. 172/185).

Os autos foram digitalizados (evento 74, ATOORD1).

Sobreveio sentença (evento 89, SENT1), nos seguintes termos:

[...] Pelo exposto, na forma do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulada pelo HOSPITAL SANTA INÊS S.A. em face do MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ e CONDENO o réu ao pagamento de R$ 10.621,91 (dez mil, seiscentos e vinte e um reais e noventa e um centavos). A atualização do valor deverá ser feita na forma do art. 1.º-F da Lei 9.494/97, da data em que os serviços foram prestados.Condeno o réu ao pagamento de honorários de sucumbência que arbitro em 10% (dez por cento) da condenação, devidamente atualizada.Sem custas.P. R. I.Transitada em julgado, arquive-se. [...]

Irresignado, o Réu interpôs recurso de apelação (evento 99, APELAÇÃO1G). Alega, em suma, que a sentença fundamentou a sua condenação na cláusula 18ª do "Contrato de Direitos e Obrigações" firmado entre as partes, contudo, a referida cláusula não prevê a sua obrigação de pagar as AIH's ao Autor. Sustenta que o TAC que lhe passou a administração do Autor, foi firmado somente em 14.10.2005 e que antes, não possuía nenhuma relação com o nosocômio. Aduz que foi condenado a pagar débito de terceiro, posto que "em 2004, antes do TAC e época em que foram prestados os serviços hospitalares relativos às AIHs objeto deste processo, o Município não tinha nenhuma relação com a administração, gestão financeira ou com os serviços prestados no hospital". Defende que não há nenhuma estipulação contratual dizendo que "deve honrar os créditos que o Apelado tem perante terceiros" e "nenhuma sanção contratual no sentido de que o Apelante, caso não 'envide esforços para receber créditos existentes perante terceiros', deverá pagar ao Apelado a dívida dos terceiros". Menciona que "o Apelado tinha 4 meses para apresentar as AIHs para faturamento; podia tê-las apresentado enquanto ainda estava à testa da administração do hospital, contudo, quedou inerte". Argumenta que não foi analisado pelo juízo a quo, o argumento de que "as Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs) objeto da ação não foram faturadas e apresentadas no prazo regulamentar por culpa exclusiva do Apelado (item 1 deste recurso)". Refere que "Na verdade, a responsabilidade administrativa do nosocômio, bem como da gestão financeira de origem e aplicação, foi exercida pela 'COMISSÃO DE ADMINISTRAÇÃO DO HOSPITAL SANTA INÊS', formada por nove membros, dentre os quais 2 (dois) representantes do Apelado: um representante do Hospital Santa Inês S/A e um representante indicado pelo Diretor Técnico do Hospital Santa Inês S/A" e que a responsabilidade pela gestão financeira do nosocômio, naquele período, nunca foi exclusivamente sua. Aduz que a cláusula 18ª não pode ser considerada isoladamente, devendo sua aplicação harmonizar-se com os demais preceitos e objetivos do TAC e do contrato e que o Autor não pode exigir a sua aplicação, sem ter cumprido com as suas obrigações, incidindo ao caso, o instituto da "exceptio non adimpleti contractus". Requer a reforma da sentença.

Com contrarrazões (evento 103, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a esta Corte.

Os autos foram redistribuídos às Câmaras de Direito Público (evento 8, DESPADEC1).

A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou, pela ausência de interesse (evento 14, PROMOÇÃO1).

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade do recurso

A decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recurso.

O reclamo deve ser conhecido apenas em parte.

Isso porque, a uma, a tese referente à "inexistência de obrigação contratual do apelante satisfazer o crédito do apelado", com incurso interpretativo da cláusula 18ª do "Contrato de Obrigações e Direitos", não foi suscitada pelo Município Apelante como matéria de defesa, constituindo-se em manifesta inovação recursal.

Mais especificamente, sobreleva um nítido esforço retórico para diferenciar a obrigação estampada no contrato ("envidar esforços para receber créditos existentes perante terceiros"), daquilo que o Apelante compreende que foi adotado como premissa de julgamento ("se comprometer a receber créditos de serviços prestados a terceiros"). Seja como for, a controvérsia não foi suscitada a...

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