Acórdão Nº 0008256-69.2017.8.24.0008 do Primeira Câmara Criminal, 12-03-2020

Número do processo0008256-69.2017.8.24.0008
Data12 Março 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recurso Em Sentido Estrito n. 0008256-69.2017.8.24.0008, de Blumenau


ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recurso Em Sentido Estrito n. 0008256-69.2017.8.24.0008, de Blumenau

Relator: Des. Carlos Alberto Civinski

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (CPP, ART. 581, I). AMEAÇA E DESACATO (CP, ARTS. 147 E 331). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA (CPP, ART. 395, III). NULIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO POR AUTORIDADE INCOMPETENTE. RECURSO DA ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE DE LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO POR AGENTE DA POLÍCIA MILITAR. EXEGESE DO ART. 69, CAPUT, DA LEI 9.099/1995, REGULAMENTADA PELO DECRETO ESTADUAL 660/2007, EM CONSONÂNCIA COM OS ARTS. 5º E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. MEIO LEGÍTIMO PARA PROVOCAR A INICIATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. JUSTA CAUSA SUFICIENTE A AUTORIZAR O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO.

- Em atenção aos princípios que regem o procedimento afeto aos crimes de menor potencial ofensivo, é válido o termo circunstanciado lavrado por policial militar no exercício da sua função.

- Recurso conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0008256-69.2017.8.24.0008, da comarca de Blumenau (1ª Vara Criminal), em que é recorrente o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e recorrido Janderson Neckel:

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para receber a denúncia e determinar o prosseguimento regular do feito. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Desembargadores Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva e Hildemar Meneguzzi de Carvalho.

Florianópolis, 12 de março de 2020.

Carlos Alberto Civinski

PRESIDENTE E Relator

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Janderson Neckel, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 147 e 331 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

No dia 19 de julho de 2017, por volta das 8h29min, na Rua Bahia, próximo ao imóvel n. 7.269, Bairro Salto Weissbach, no Município de Blumenau/SC, o denunciado Janderson Neckel ameaçou causar mal injusto e grave às vítimas Edney Maximiano Pereira, Júlio César Andrade e Cicero Jonatas Andreazza, agentes de trânsito que realizavam fiscalização nas proximidades, dizendo-lhes que se os agentes voltassem ao local "iria reunir uma galera e dar uma surra nos agentes" e "daria cabo em quem estivesse ali".

Em razão de tais fatos, os ofendidos acionaram a Polícia Militar para confecção de Termo Circunstanciado.

Assim, uma guarnição dirigiu-se ao local dos fatos às 18h05min, momento em que o denunciado desacatou os militares William Delagiustina e Adriana Fernanda Beltrame, no exercício de sua funções, com expressões depreciativas como "coitados" e risadas irônicas, tudo em demérito dos servidores. (fls. 47-49)

Pronunciamento impugnado: o juiz de direito Juliano Rafael Bogo rejeitou a denúncia, ante a ausência de justa causa, com fulcro no art. 395, III, do Código de Processo Penal, em razão da nulidade absoluta do termo circunstanciado lavrado por autoridade incompetente (fls. 50-57).

Recurso do Ministério Público: a acusação interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou, em síntese, a competência dos agentes da Polícia Militar para lavrar termo circunstanciado nas hipóteses em que o fato for de menor potencial ofensivo.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a decisão impugnada, determinando-se o recebimento da denúncia e o regular processamento do feito de origem (fls. 61-68).

Contrarrazões de Janderson Neckel: a defesa impugnou as razões recursais, reforçando o acerto da decisão de origem, ao argumento de que "é nítido que os agentes da polícia militar estavam diante de um flagrante e deviam ter dado voz de prisão e, consequentemente, conduzido o suposto autor para a Delegacia de Polícia Civil." (fl. 77)

Postulou a manutenção da decisão atacada (fls. 76-79).

Juízo de retratação: o juiz de direito Juliano Rafael Bogo manteve a decisão por seus próprios fundamentos (fl. 71).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 87-91).

Este é o relatório.

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

A discussão, em suma, limita-se à validade ou não da lavratura de termo circunstanciado por policial militar no exercício na função.

A Constituição Federal, ao dispor acerca da segurança pública, diferenciou as atribuições das polícias civil e militar da seguinte forma:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)

[...]

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Tal previsão como se vê, não ilide a possibilidade de o policial militar, no exercício de sua função, efetuar o registro das ocorrências que atender no exercício da sua atuação ostensiva.

No que toca à repressão e apuração dos crimes de menor potencial ofensivo o legislador infraconstitucional, em atenção ao art. 98, I, da Constituição Federal ("A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão [...] juizados especiais, [...] competentes para [...] infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo [...]"), flexibilizou as formalidades da persecução penal, adotando expressamente os critérios da "oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação" (Lei 9.099/1995, art. 2º).

Balizadas por esses critérios, a Lei 9.099/1995 regulamentou o procedimento sumariíssimo para os crimes de menor potencial ofensivo, dispondo em seu art. 69 que "A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários".

Nesse quadro, se é a informalidade e a simplicidade, com vistas à celeridade, que norteiam os...

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