Acórdão Nº 0008287-30.2015.8.24.0018 do Quinta Câmara Criminal, 27-02-2020

Número do processo0008287-30.2015.8.24.0018
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemChapecó
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Em Sentido Estrito n. 0008287-30.2015.8.24.0018, de Chapecó

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO. POSSE IRREGULAR DE ARMA DA FOGO DE USO PERMITIDO (ARTIGO 121, CAPUT DO CÓDIGO PENAL C/C ARTIGO 12 DA LEI 10.826/2003). SENTENÇA DE PRONÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO ACUSADO. PLEITO VISANDO A IMPRONÚNCIA. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRONUNCIADO QUE, EM TESE, ALVEJA A VÍTIMA COM DISPAROS DE ARMA DE FOGO, OCASIONANDO-LHE O ÓBITO. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA CONFIGURADOS. DESNECESSIDADE DE CERTEZA NA ATUAL FASE DE ADMISSIBILIDADE DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. SUBMISSÃO AO CONSELHO DE SENTENÇA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 413 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. LEGÍTIMA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE PROVA MANIFESTA DE QUE O ACUSADO UTILIZOU-SE DOS MEIOS NECESSÁRIOS E MODERADOS PARA REPELIR INJUSTA AGRESSÃO. RECONHECIMENTO INVIÁVEL NESTA FASE PROCESSUAL.

ANÁLISE DE OFÍCIO. INDESEJADA REFERÊNCIA AO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. IMPROPRIEDADE. EXCLUSÃO QUE SE IMPÕE.

A teor do artigo 413 do Código Processual Penal, presente a prova da materialidade assim como indícios da autoria delitiva de crime doloso contra a vida, o juiz pronunciará o acusado a fim de submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri, juiz natural da causa.

A legítima defesa, a ensejar a absolvição sumária do acusado, há de ser induvidosa, sob pena de usurpação da competência constitucionalmente atribuída ao Tribunal do Júri.

Inviável a indicação, na decisão de pronúncia, à modalidade de concurso de crimes, uma vez tratar-se de questão atinente à aplicação da pena, aferível pelo Tribunal do Júri caso sobrevenha condenação.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0008287-30.2015.8.24.0018, da comarca de Chapecó-1ª Vara Criminal em que é recorrente Lenoir Braz de Gois e recorrido Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. De ofício, excluir da decisão de pronúncia a referência ao concurso de crimes, nos termos da fundamentação. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Luiz César Schweitzer, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Antônio Zoldan da Veiga.

Compareceu à sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Aurino Alves de Souza.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Chapecó, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Lenoir Braz de Gois, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, caput do Código Penal e art. 14, da Lei 10.826/2003, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (fls. 89-91):

Fato 01 - Art. 121, caput, do Código Penal

Conforme se infere do caderno indiciário, no dia 24 de dezembro de 2014, por volta das 18h45min, na rua Amaro Possebom, em frente ao estabelecimento comercial denominado "Jane Modas", no bairro Efapi, em Chapecó/SC, o denunciado LENOIR BRAZ DE GOIS, com evidente animus necandi, matou a vítima Rogério de Jesus, mediante disparos de arma de fogo (revólver marca Taurus, calibre .38, nº GI60937), os quais lhe causaram os ferimentos descritos no laudo pericial, que foram a causa eficiente de sua morte.

Segundo se apurou, a vítima Rogério de Jesus havia se desentendido com o denunciado e familiares em decorrência do término do relacionamento amoroso que mantinha com Simone Alves de Gois, filha do denunciado.

Visando ultimar tais desentendimentos, após contato telefônico, o denunciado e a vítima ajustaram um encontro próximo à residência desta.

Assim sendo, o denunciado dirigiu-se ao local na companhia de seu filho Alisson Júnior de Gois, levando consigo a arma de fogo acima citada (devidamente municiada) e, ao encontrar a vítima na via pública, sacou a arma de fogo e desferiu diversos disparos em direção a esta, que foi atingida por dois projéteis os quais causaram os ferimentos causaram sua morte.

Fato 02 - Art. 14 da Lei n.º 10.826/2003

O denunciado LENOIR BRAZ DE GOIS, em data e horário que poderão ser apurados no curso da instrução processual, mas anterior a 24 de dezembro de 2014, dotado de vontade livre e consciente, conhecedor da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, adquiriu e portou a arma de fogo de marca Taurus, calibre .38, nº GI60937, e cartuchos calibre .38, conforme Laudo Pericial às fls. 34-39.

Conforme informações contidas no inquérito policial, o denunciado, aproximadamente trinta dias antes do homicídio acima narrado e, pois, em contexto delitivo diverso, adquiriu, ilegalmente, o revólver, marca Tauros, calibre .38, de individuo não identificado, no bairro São Pedro, em Chapecó/SC.

Outrossim, segundo se apurou, após adquirir a arma de fogo acima descrita, o denunciado a portou por três vezes, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Apresentada as alegações finais (pela acusação às fls. 225-251; pela defesa às fls. 257-259) o Dr. Gustavo Schwingel julgou admissível a denúncia, pronunciando o acusado por infração ao art. 121, caput, do Código Penal e art. 12 da Lei 10.826/2003, na forma do art. 69 da Lei material penal (fls. 263-264).

Embargos de declaração opostos às fls. 267-269, os quais foram acolhidos pela decisão à fl. 272, que retificou o dispositivo relativo ao tipo penal conexo para o art. 14, da Lei 10.826/2003.

Na sequência, a defesa interpôs Recurso em Sentido Estrito (fl. 286), por intermédio de defensor constituído. Em suas razões, postula a impronúncia em face à inexistência de indícios suficientes de autoria delitiva ou, sucessivamente, a absolvição sumária em face à legítima defesa (fls. 287-304).

Nas contrarrazões, o Ministério Público pugnou o desprovimento do recurso (fls. 319-339).

Em juízo de retratação, o Magistrado a quo manteve a decisão impugnada (fl. 340-341).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Sr. Dr. Aurino Alves de Souza, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 353-358).

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1. Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por Lenoir Braz de Gois em face da decisão que o pronunciou para julgamento perante o Tribunal do Júri pela prática, em tese, do crime tipificado no artigo 121, caput, do Código Penal c/c art. 12, da Lei 10.826/2003.

É sabido que a decisão de pronúncia se destina a filtrar a imputação, exercendo a função de encaminhar à apreciação do Tribunal Popular tão somente os casos que detenham provas mínimas a gerar dúvida razoável no espírito do Magistrado, em expressão do princípio in dubio pro societate, como juízo de admissibilidade da acusação.

O decisum encerra, portanto, "um mero juízo de admissibilidade, onde examinam-se somente indícios de autoria e materialidade do fato. Assim, deve o Magistrado ser comedido ao fundamenta-la, sob pena de invadir a competência do Tribunal do Júri, juiz natural da causa" (STJ, HC n. 170.716/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 28.2.2012).

Destarte, consoante enuncia o artigo 413 do Código Processual Penal, há de ocorrer a pronúncia quando, convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, identifique elementos mínimos para potencial e futura condenação, cabendo a apreciação e resolução de eventuais controvérsias ao juízo natural constitucionalmente instituído.

Por outro lado, o juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado nas hipóteses elencadas no artigo 415 do Código de Processo Penal, ou ainda, constatada a ausência de elementos bastantes a autorizar à submissão ao julgamento popular, evidencia-se a necessidade de impronunciar o agente (artigo 414 Código de Processo Penal).

Em análise do caderno probatório e como detalhado pelo Magistrado a quo, verificam-se as necessárias provas da materialidade delitiva, notadamente pelos Boletins de Ocorrência (fls. 2-6 e 19-20), Termo de Exibição e Apreensão (fl. 11), Laudo Pericial Cadavérico (fls. 15-18) do Exame em Arma de Fogo e Munição (Laudo Pericial às fls. 34-39), dos Laudos Periciais de Dosagem Alcoólica e Exame Toxicológico (fls. 29-33), pelos depoimentos colhidos em ambas as fases, bem como dos demais elementos de prova constantes nos autos.

Em relação à autoria, existem indicativos suficientes para o encaminhamento do acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, como é o caso da própria confissão judicial.

Assim, para referida análise e com o fito de evitar qualquer tipo de redundância, transcreve-se fragmentos das contrarrazões oferecidas pela Dra. Promotora de Justiça Marta Fernanda Tumeleiro, no que se relaciona aos indicativos mínimos de autoria, os quais utilizo como razão de decidir, in verbis (fls. 323-335):

Os indícios de autoria emergem do acervo probatório, sobretudo a partir das palavras das testemunhas e do próprio recorrente, que confessou ter efetuado os disparos que atingiram a vítima Rogério de Jesus.

Com efeito, inquirida na Delegacia de Polícia, a testemunha Geneci dos Passos Lemes, proprietária da loja "Jane Modas", a qual ouviu os disparos e avistou a vítima Rogerio instantes antes dela ser alvejada, contou o que presenciou na ocasião do ocorrido (fl. 84):

[...] a declarante informa que Rogerio de Jesus era seu cliente na loja da declarante; Que na data dos fatos, a declarante já estava com seu estabelecimento comercial aberto; Que era na parte da tarde; Que a declarante ouviu cerca de três ou quatro estampidos semelhantes a disparos de arma de fogo; Que esclarece...

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