Acórdão Nº 0008403-92.2015.8.24.0064 do Quarta Câmara Criminal, 15-10-2020

Número do processo0008403-92.2015.8.24.0064
Data15 Outubro 2020
Tribunal de OrigemSão José
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0008403-92.2015.8.24.0064, de São José

Relator: Desembargador José Everaldo Silva

APELAÇÃO CRIMINAL. ACUSADA DENUNCIADA POR HOMICÍDIO SIMPLES MEDIANTE DOLO EVENTUAL (ART. 121, CAPUT, NA FORMA DO ART. 18, I, PARTE FINAL, AMBOS DO CP). DECISÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302, §1º, II, DA LEI 9.503/97). RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PRELIMINAR SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES. PRETENDIDO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PLEITO AFASTADO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DOS MEMBROS DO PARQUET. PRECEDENTE DO STJ.

MÉRITO. PRETENDIDA PRONUNCIA DA RÉ. ALEGAÇÃO DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE DOLO, NA MODALIDADE EVENTUAL. POSSIBILIDADE. AGENTE QUE, EM TESE, SOB EFEITO DE ÁLCOOL, EM VELOCIDADE INCOMPATÍVEL COM A VIA, ATROPELA A VÍTIMA EM FAIXA DE PEDESTRES. STANDARD PROBATÓRIO COM ELEMENTOS SUFICIENTES, EM TESE, À ESTAMPA DAS PROVAS ACUSATÓRIAS. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PLENÁRIO DO JÚRI. INDÍCIO DE DOLO EVENTUAL. DÚVIDA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. DECISÃO REFORMADA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0008403-92.2015.8.24.0064, da comarca de São José 1ª Vara Criminal em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado Vanessa Marcolla D'Ávila.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, vencido o Exmo. Des. Sidney Eloy Dalabrida que vota no sentido de negar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento em sessão presencial por videoconferência, nos termos dos arts. 236, § 3º, 937, § 4º, 193, 196 e 217 do CPC c/c art. 3º do CPP, e do Ato Regimental n.1 de 19 de março de 2020, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Alexandre d'Ivanenko, sem voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Sidney Eloy Dalabrida e Zanini Fornerolli.

Funcionou como membro do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Procurador de Justiça Jorge Orofino da Luz Fontes.

Florianópolis, 15 de outubro de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador José Everaldo Silva

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de São José/SC, o representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra a acusada Vanessa Marcola D'Ávila, dando-a como incursa nas sanções do art. 121, caput, c/c art. 18, ambos do Código Penal, porque, segundo descreve a exordial acusatória de fls. 183-184:

Consta do auto de prisão em flagrante incluso que, no dia 07 de setembro de 2015, por volta das 03h50min, enquanto retornava para sua residência após ter ido a um evento realizado no clube noturno denominado "Fields Floripa", situado no Centro da Capital, na condução de seu veículo automotor Lifan/X60 1.8 L, de cor vermelha, placas MKQ-9854, a denunciada Vanessa Marcola D'Avila, já estando nas imediações da Marginal da BR-101, KM 205 (sentido Norte/Sul), bairro Barreiros, nesta urbe, prevendo a possibilidade do resultado lesivo, assumindo o risco e consentindo em causar o dano que porventura viesse a ocorrer, eis que trafegava em velocidade incompatível para o local (59 km/h registro do radar eletrônico) e estava com seus reflexos e coordenação motora prejudicados em virtude de seu elevado grau de embriaguez, acabou atropelando a vítima Paulo Roberto Santiago enquanto este atravessava a pista de rolamento numa faixa de pedestres que ficava sob um radar eletrônico de 40 km/h, arremessando-o, com a força do impacto, a 26 metros do ponto de colisão, provocando-lhe diversas lesões, entre as quais "Traumatismo Cranioencefálico devido a acidente de trânsito, que acabou sendo a causa eficiente de sua morte.

Regularmente processado o feito, a Magistrada de primeira instância julgou procedente em parte a denúncia, desclassificou a conduta da ré Vanessa Marcola D'Ávila e a condenou à pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de detenção, em regime inicial aberto, além da suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, pela prática do crime previsto no art. 302, §1º, II, da Lei n. 9.503/1997 (fls. 295-312).

Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, o representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação criminal (fl. 385), pretendendo a reforma da sentença para pronunciar a acusada Vanessa Marcola D'Ávila pela prática do crime previsto no art. 121, caput, c/c art. 18, I, parte final, ambos do Código Penal, ante a existência de indícios da presença de dolo eventual na conduta da ré (fls. 393-404).

Contra-arrazoado (fls. 409-432), ascenderam os autos a este grau de jurisdição e lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Odil José Cota, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 441-453).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso criminal interposto pelo representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra decisão de desclassificação da conduta praticada por Vanessa Marcola D'Ávila daquelas previstas nos art. 121, caput, na forma do art. 18, I, parte final, ambos do Código Penal para aquela tipificada no art. 302, §1º, II, da Lei 9.503/97, requerendo, ao final que o pleito seja remetido para apreciação do Tribunal do Juri.

Inicialmente, em sede de contrarrazões, a defesa postula, preliminarmente, o não conhecimento do recurso, sob a alegação de ausência de interesse recursal, vez que o representante do Ministério Público que apresentou alegações finais pediu a absolvição do feito.

Entretanto, afasta-se a preliminar, porque, em consonância com o princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público, os Procuradores têm autonomia para emitir sua convicção pessoal nos processos em que atuam, como garante a Constituição Federal em seu art. 127, §1º, que prevê:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

E sobre o assunto já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E USO DE DOCUMENTO FALSO. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA DECRETADA A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DE OUTRO MEMBRO DO PARQUET NÃO ADMITIDO NA ORIGEM.

CARTA TESTEMUNHÁVEL PARA DESTRANCAMENTO IMPROVIDA. FALTA DE INTERESSE. NÃO OCORRÊNCIA. PRECLUSÃO LÓGICA. NÃO CONFIGURAÇÃO.

PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL. AGRAVO IMPROVIDO.

1.Não há que se falar em falta de interesse de agir ou em preclusão lógica em recurso do membro do Parquet interposto em sentido oposto a pedido feito por outro procurador que atuou nos autos, tendo em vista o princípio da independência funcional previsto no § 1º do art. 127 da Constituição Federal. Precedentes.

2. Agravo regimental improvido.

(STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1478260/MG, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. 03/09/2019).

Afasta-se, portante, a preliminar exarada em sede de contrarrazões.

Assim, em análise ao mérito recursal, primeiramente cabe transcrever o disposto no § 1º e no caput do art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Conforme se depreende da norma supracitada a decisão de pronúncia deve verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o réu como autor da conduta descrita.

Nesse caminho, não restam dúvidas de que a pronúncia não representa juízo de valor absoluto quanto a autoria, caso contrário estar-se-ia se sobrepondo à competência do Tribunal do Júri.

Tocante aos fatos delituosos analisados neste feito, a materialidade encontra-se demonstrada através do auto de prisão em flagrante (fl. 1), do boletim de ocorrência n. 00480-2015-04845 (fls. 2-3), do termo de consentimento livre e esclarecido (fl. 18), do boletim de acidente de trânsito (fls. 56-62), do laudo pericial n. 9100.15.02708 (fls. 98-109), do laudo pericial n. 9400.15.07936 (fls. 169-179) e do laudo pericial n. 9200.15.9198 (fls. 185).

A autoria, atribuída à acusada da mesma forma, encontra-se inconteste, conforme a prova testemunhal colhida no feito, bem como, ante o teor do interrogatório.

Dito isso, passa-se à análise da prova, iniciando-se pelas declarações prestadas em juízo pela acusada Vanessa Marcola D'Ávila, pois permaneceu silente na fase extrajudicial. Quando ouvida sob o crivo do contraditório a ré disse que saiu de uma casa noturna e estava indo em direção a sua casa, mas no caminho decidiu retornar, momento em que aconteceu o atropelamento. Ressaltou que, no dia dos fatos, não ingeriu bebida alcoólica (mídia de fl. 277).

Seguindo a linha defensiva, a testemunha Patrick Mussi Goeldner disse na fase judicial que estava na Fields no dia dos fatos, mas não viu a ré ingerindo bebida alcoólica (mídia de fl. 277).

Existente a prova da materialidade do delito de homicídio, e a declaração da ré de que, de fato, envolveu-se no sinistro que culminou com a morte de Paulo...

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