Acórdão Nº 0008639-66.2007.8.24.0018 do Primeira Câmara Criminal, 22-10-2020

Número do processo0008639-66.2007.8.24.0018
Data22 Outubro 2020
Tribunal de OrigemChapecó
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0008639-66.2007.8.24.0018, de Chapecó

Relator: Desembargador Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA (ART. 168, §1º, INCISO III, C/C ART. 69, POR 49 VEZES, AMBOS DO CP) E ESTELIONATO NA MODALIDADE DE DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA (ART. 171, §2º, INCISO I, DO CP). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA. PRETENSA CONDENAÇÃO DOS ACUSADOS VALDIR E EDEMAR. INVIABILIDADE. RECEBIMENTO LÍCITO DAS QUANTIAS PELOS RÉUS. DOLO POSTERIOR DE SE APROPRIAREM DOS VALORES QUE LHES FORAM CONFIADOS NÃO EVIDENCIADO DE FORMA INCONTESTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA INTENÇÃO MOTIVADORA DA AÇÃO NÃO PERMITIDA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

ESTELIONATO NA MODALIDADE DE DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA. POSTULADA APENAS A CONDENAÇÃO DE VALDIR. MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO DEMONSTRADAS. PENHORA EFETIVADA SOBRE IMÓVEL QUE NÃO MAIS PERTENCIA AO ACUSADO. INDICAÇÃO DO BEM PROMOVIDA PELOS EXEQUENTES. ACUSADO QUE, INCLUSIVE, ALERTOU O MEIRINHO DE QUE OS BENS CONSTANTES DO MANDADO NÃO MAIS LHE PERTENCIAM. INTENÇÃO DE FRAUDAR NÃO EVIDENCIADA. INEXISTÊNCIA DE PERPETRAÇÃO DE CONDUTA QUE SE AMOLDA AO DELITO DESCRITO NA DENÚNCIA. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0008639-66.2007.8.24.0018, da comarca de Chapecó 2ª Vara Criminal em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado Valdir Francisco de Nez e outros.

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Carlos Alberto Civinski, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Paulo Roberto Sartorato.

Funcionou como membro do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Procurador de Justiça Aurino Alves de Souza.

Florianópolis, 22 de outubro de 2020.

Desembargador Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva

Relator


RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Valdir Francisco de Nez, Edemar Luiz Magro e Ilda Terezinha Ravanello, dando-os como incursos nas sanções do art. 168, §1º, inciso III, c/c art. 69, ambos do Código Penal (por 49 vezes), acrescido o primeiro denunciado nas penas do art. 171, §2º, inciso I, do Código Penal, pela prática dos fatos delituosos assim descritos na peça inicial acusatória (fls. 2/42):

No dia 28 de agosto de 1997, a empresa "TENASA ADMINISTRAÇÃO DE NEGÓCIOS LTDA" e intitulada como "Factoring Fomento Mercantil", então inscrita no CNPJ 02.122.924/0001-96, com sede à época na sua Barão do Rio Branco, 89-D, sala 03, centro, nessa cidade e comarca, foi instituída pelos denunciados VALDIR FRANCISCO DE NEZ e EDEMAR LUIZ MAGRO, e Elisabeth Maria de Nes, criando-se na ocasião uma "sociedade por quotas de responsabilidade limitada", sob o seguinte objeto social "aquisição de ativos patrimoniais de empresas comerciais, industriais e/ou prestação de serviços decorrente de faturamento; intermediações financeiras e comerciais; administração de investimentos e de condomínios imobiliários; estudo, planejamento e elaboração de projetos financeiros e assessoria e consultoria empresarial; a participação como acionista ou quotista em outras sociedades" (Contrato social de fls. ). Ficou ainda consignado, no aludido contrato social, que a administração da sociedade seria "exercida por sócios quotistas", investindo-se "na função de sócio-gerente o sócio quotista Sr. VALDIR FRANCISCO DE NEZ" (fl.)

Destaca-se que ainda antes, no ano de 1994, os denunciados VALDIR FRANCISCO DE NEZ e EDEMAR LUIZ MAGRO já figuraram como membros fundadores e sócios da empresa Chapecó empreendimentos Ltda. Da mesma forma, apurou-se que ainda no ano de 1994, o denunciado VALDIR FRANCISCO DE NEZ, em sociedade com José Ernesto de Nez, seu irmão, criou a empresa "K&Z Indústria e Comércio de Móveis Ltda", retirando-se aquele no ano de 1998, e sob posterior alteração contratual admitindo-se como sócio a pessoa de André Luiz de Nez, justamente filho do primeiro denunciado (fato este último ocorrido em 18 de janeiro de 2005). Igualmente, apurou-se que no início do ano de 2001, Fernando Carlos Magro, filho justamente do denunciado EDEMAR LUIZ MAGRO, passou a integrar a sociedade da empresa "Cardume Indústria e Comérico de Peixe Ltda-EPP". E mais: "VALDIR FRANCISCO DE NEZ e EDEMAR LUIZ MAGRO são amigos de longa data, e há anos configuram como sócios em vários empreendimentos, motivo pelo qual acreditamos que a "falência" da empresa TENASA, ocorreu de forma premeditada (...). Também é de conhecimento público, que apesar dos senhores EDEMAR LUIZ MAGRO e VALDIR FRANCISCO DE NEZ não constaram registrados como sócios da empresa Cardume Indústria e Comércio de Peixe Ltda, são sócios desta empresa. E apesar do senhor VALDIR FRANCISCO DE NEZ, não assumir legalmente a propriedade da empresa K&Z, é de todos sabido, que este é o verdadeiro proprietário da empresa. A participação societária dos investigados, nas referidas empresas é facilmente observada em várias publicações junto a mídia local (...). Há fortes indícios do envolvimento da empresa TENADA com as empresas CARDUME INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PEIXES LTDA e K&Z INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MÓVEIS LTDA, nas quais teriam sido injetadas dinheiro, movimento ilegalmente pela empresa TENASA ADMINISTRAÇÃO DE NEGÓCIOS LTDA" (Relatório de Investigação da Polícia Civil local de fls. 241/244).

Por sua vez, o que se verificou no curso do mês de julho de 2005, foi a descoberta da prática de verdadeiro "golpe", engendrado e levado a efeito pelos denunciados VALDIR FRANCISCO DE NEZ e EDEMAR LUIZ MAGRO, e ILDA TEREZINHA RAVANELLO, os quais na condição de representantes e sócios, e procuradores da empresa "Tenasa Adminstração de Negócios Ltda" (instituida 'Factoring Fomento Mercantil"), bem como valendo-se ou mesmo aproveitando-se da justificada confiança depositada pelas distintas vítimas, apropriaram-se ilicitamente e indevidamente de vultuosa quantia e/ou importância em dinheiro por elas confiadas e depositadas agindo em manifesta ofensa ao patrimônio de terceiros e às custas do decesso financeiro alheio.

Ad referendum, os meios de comunicação locais e regionais promoveram larga divulgação à época do alcance e proporções dos prejuízos sofridos por inúmeras vítimas, retratando a dimensão da repercussão social do ilícito penal e o alto grau de reprovabilidade penal e intensa culpabilidade, merecendo transcrição:

"Factoring fecha e prejuízo pode chegar a R$ 20 milhões. (...).

Golpe de Factoring pode passar de R$ 20 milhões (...).

Chapecó - Momento de turbulência no setor financeiro. Assim pode ser definido os últimos dias em Chapecó, com o fechamento da Factoring Tenasa Administração de Negócios Ltda, situada na rua Barão do Rio Branco, 89D, sala 3, em Chapecó. Diversos empresários foram lesados devido ao fechamento da Factoring e o prejuízo pode passar de R$ 20 milhões. Um dos proprietários está desaparecido e vários bens de sua propriedade já foram penhorados, como veículos, apartamentos e terrenos. (...).

Empresa - sala onde funcionava a factoring está com as portas fechadas" (Diário do Iguaçu, quarta-feira, 27 de julho de 2005, fl.)

Ou ainda:

"Comprovado golpe de empresários chapecoenses.

Atendendo a dezenas de e-mails e ligações ao Jornal Sul Brasil, para que divulgássemos matéria a respeito do golpe aplicada por dois empresários chapecoenses, estamos colocando a síntese..." (Jornal Sul Brasil - sexta-feira, 11 de novembro de 2005, fl. 25, dos autos da Notícia Crime n. 018.07.008639-4).

De fato, segundo infere-se do presente procedimento investigatório (formado por quatro volumes), os denunciados VALDIR FRANCISCO DE NEZ e EDEMAR LUIZ MAGRO, além da denunciada ILDA T. RAVANELLO, agindo de forma consciente, e por intermédio da empresa "Tenasa", bem como, repisa-se, gozando até então do grande conceito no meio social em que viviam, passaram livremente a atuar no mercado de valores como um agente financeiro, recebendo importância das pessoas que hoje se encontram lesadas para aplicação em depósitos com rendimentos de juros e promessa de reinvestir tais valores a título de empréstimo ou investimentos financeiros que lhe aprouvesse. Assim é que, aproveitando da confiabilidade dos poupadores e aplicadores (ora ofendidos), os denunciados, de posse da quantia entregue e depositada licitamente por aqueles, comprometiam-se a promover o pagamento de rendimentos em torno de "3,00%" ao mês.

Para tanto, a empresa Tenasa Administração de Negócios Ltda, via denunciados, firmou com as diversas vítimas distintos contratos denominados "contrato de mútuo", no qual aqueles figuravam como "mutuário" e os ofendidos como "mutuante", sob as seguintes cláusulas em geral:

"PRIMEIRA: Do objeto. O presente tem como objeto um empréstimo no valor de R$ ...., MUTUANTE FAZ ao MUTUÁRIO, servindo este instrumento como recibo da operação de empréstimo.

SEGUNDA: Dos juros: O MUTUÁRIO pagará ao MUTUANTE uma taxa de 3,00% am., capitalizados a partir da data deste contato até o seu vencimento em: ...., totalizando R$ ...., MUTUANTE faz ao MUTUÁRIO, servindo este instrumento como recibo da operação de empréstimo.

TERCEIRA: Da garantia: O MUTUÁRIO dará como garantia do contrato de mútuo ao MUTANTE uma Nota Promissória assinada no valor conforme cláusula segunda. (...).".

Assim é que:

1. No ano de 2005, as vítimas LAURI MIGUEL BATTIROLA e LORENA TEREZA BATTISTON BATTIROLA entregaram suas economias e recursos privados acreditando até então para investimento e retorno oportuno financeiro à empresa "TENASA" e, via de consequência, ao denunciados, os quais tinham plena confiança, cuja quantia alcançou a importância de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Na ocasião, o denunciado VALDIR FRANCISCO DE NEZ, em seu benefício e em prol dos...

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