Acórdão Nº 0008711-66.2011.8.24.0033 do Quarta Câmara Criminal, 24-09-2020

Número do processo0008711-66.2011.8.24.0033
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Em Sentido Estrito n. 0008711-66.2011.8.24.0033, de Itajaí

Relator: Desembargador Zanini Fornerolli

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO FÚTIL E EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA (CP, ART. 121, § 2º, II E IV, C/C ART. 14, II) - DECISÃO DE PRONÚNCIA - RECURSO DEFENSIVO.

AVENTADO EXCESSO DE LINGUAGEM - NÃO CONSTATAÇÃO - PRONÚNCIA LIVRE DE IMPRESSÕES E CONVICÇÕES PESSOAIS DA JUÍZA TOGADA - HARMONIA DO ART. 413, § 1º, DO CPP COM AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA MOTIVAÇÃO E DO DEVIDO PROCESSO (ARTS. 93, IX, E 5º, LIV) - DESCABIMENTO DE O ACUSADO QUESTIONAR O QUE ELE PRÓPRIO PROVOCOU ATRAVÉS DAS TESES DEFENSIVAS - EXEGESE DO ART. 565 DO CPP.

I - Descabe falar em excesso de linguagem quando a pronúncia se limita a indicar a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria, com o enfrentamento das teses defensivas, dentro do estritamente necessário para harmonizar o art. 413, § 1º, do CPP com as garantias constitucionais da motivação e do devido processo (arts. 93, IX, e 5º, LIV).

II - Se o acusado, apoiado em elementos controvertidos, e não em provas contundentes, exige do julgador o reconhecimento da inocência durante o sumário da culpa, veda-se-lhe a insurgência contra o exame perfunctório que ele próprio provocou, imprescindível para afastar suas alegações, consoante princípio basilar do venire contra factum proprium, trazido no art. 565 do CPP.

ALEGAÇÕES DE LEGÍTIMA DEFESA E AÇÃO DESPIDA DE INTENTO HOMICIDA - RECONHECIMENTO SUMÁRIO DESCABIDO - PROVAS NOS AUTOS QUE EMPRESTAM FORÇA TANTO À ACUSAÇÃO COMO À DEFESA - INDICATIVOS SUFICIENTES DO ANIMUS NECANDI DO PRONUNCIADO - COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA PARA O EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO PROBATÓRIO.

Diante de indicativos bastantes do animus necandi do pronunciado, havendo nos autos provas que sustentam diferentes hipóteses para o ocorrido, igualmente críveis, capazes de emprestar força tanto à acusação como à defesa, incumbe ao Conselho de Sentença, competente pelo exame aprofundado do conjunto probatório, eventual reconhecimento de legítima defesa, ou mesmo a desclassificação da conduta.

DEFENDIDA INCOMPATIBILIDADE DO DOLO EVENTUAL COM A MODALIDADE TENTADA DO FATO IMPUTADO - NÃO ACOLHIMENTO - GOLPES DE INSTRUMENTO CORTANTE NO ABDOME E TÓRAX DA VÍTIMA - IMPOSSIBILIDADE DE SE DESCARTAR, PEREMPTORIAMENTE, A ASSUNÇÃO DO RISCO DE CEIFAR A VIDA DO OFENDIDO - DESCLASSIFICAÇÃO NESTE MOMENTO QUE SE MOSTRA DESCABIDA.

I - É compatível com a imputação de homicídio tentado o dolo eventual atribuído à conduta (REsp 1790039/RS, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 18.06.2019).

II - Na primeira fase do procedimento do júri, sendo impossível descartar, peremptoriamente, a assunção do risco de ceifar a vida da vítima, pelo acusado, torna-se então necessário relegar aos jurados, na etapa seguinte, a deliberação sobre eventual desclassificação da conduta.

PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - IMPOSSIBILIDADE - RESPALDO PROBATÓRIO SUFICIENTE - ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE PERMEIAM O FATO QUE COMPETE IGUALMENTE AO CONSELHO DE SENTENÇA - QUALIFICADORAS MANTIDAS.

As circunstâncias relacionadas ao fato submetido à deliberação do Conselho de Sentença, como as qualificadoras, só admitem afastamento quando não encontram suficiente respaldo probatório para remeter à análise dos jurados.

RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0008711-66.2011.8.24.0033, da comarca de Itajaí 1ª Vara Criminal em que é/são Recorrente(s) Célio Antônio da Silva e Recorrido(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por maioria de votos, negar provimento ao recurso. Vencido o Exmo. Des. José Everaldo Silva, que vota no sentido de conhecer e dar parcial provimento ao recurso para desclassificar a conduta para o delito de lesão corporal previsto no art. 129, § 1º, I e II, do CP. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Alexandre D'Ivanenko, presidente com voto, e o Exmo. Des. José Everaldo Silva.

Florianópolis, 24 de setembro de 2020.

Desembargador ZANINI FORNEROLLI

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Célio Antônio da Silva, vendedor, nascido em 13.5.1957, assistido pela Defensoria Pública, contra decisão proferida pela Juíza Substituta Luísa Rinaldi Silvestri, em atuação na 1ª Vara Criminal da Comarca de Itajaí, que o pronunciou pela tentativa do crime, em tese, de homicídio qualificado por motivo fútil e emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima.

Em suas razões, preliminarmente, refere excesso de linguagem na decisão de pronúncia, entendendo assim pela sua nulidade. No mérito, nega então o ânimo de ceifar a vida da vítima, sustentando que, na realidade, a ação teria se dado em contexto de legítima defesa. Também, defende a incompatibilidade do dolo eventual com a tentativa de homicídio imputada, bem como a hipótese de desistência voluntária. A partir disso, busca a absolvição sumária, ou a desclassificação da conduta, ou eventualmente tão só o afastamento das qualificadoras admitidas na pronúncia (fls. 194-205).

Nas contrarrazões, o Ministério Publica pugnou pelo desprovimento do recurso (fls. 210-217).

Em sede de juízo de retratação, manteve-se o decidido (fl. 233).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo Roberto Speck, manifestando-se pela conservação do pronunciamento (fls. 237-248).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Célio Antônio da Silva, vendedor, nascido em 13.5.1957, assistido pela Defensoria Pública, contra decisão proferida pela Juíza Substituta Luísa Rinaldi Silvestri, em atuação na 1ª Vara Criminal da Comarca de Itajaí, que o pronunciou pela tentativa do crime, em tese, de homicídio qualificado por motivo fútil e emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima.

Segundo narra a peça acusatória:

No dia 5 de dezembro de 2010, por volta das 15h, o denunciado Célio Antônio da Silva conduzia o automóvel GOL, placas MAF 0426, pela Rua Heitor Liberato, nesta cidade e, com o objetivo de não parar no sinal de trânsito, que estava prestes a fechar, ultrapassou o veículo GOL, placas MHP 9109, conduzido por Elaine Rocha Pinheiro, esposa da vítima Leandro Parma Silvério.

O denunciado conseguiu efetuar a ultrapassagem, porém não antes de o sinal de trânsito fechar, motivo pelo qual teve que parar seu veículo, na frente do automóvel em que estava Leandro, e passou a proferir palavrões contra este, que lhe fez um sinal com a mão, mandando Célio seguir adiante.

Ao notar que a vítima estava lhe fazendo gestos com mão, o denunciado desceu do seu veículo e foi em direção ao automóvel em que Leandro estava, sendo que este último, ao ver que Célio vinha em sua direção, imediatamente desceu do veículo e entrou em vias de fato com o denunciado, tendo eles se agredido, mutuamente.

Ocorre que, após populares terem apartado a contenda, Célio foi até seu automóvel e, imbuído por motivo fútil, em razão da briga de trânsito, pegou uma faca e voltou a atacar a vítima, que inclusive já estava entrando em seu veículo, vindo a golpear Leandro duas vezes, atingindo-o na região esquerda do tórax e na cavidade abdominal, provocando os ferimentos descritos no Laudo Pericial de Lesão Corporal de fl .22, sem oportunizar-lhe qualquer chance de defesa.

Assim, ao desferir duas facadas na vítima, uma no abdômen e outra no tórax, regiões que fazem parte da zona vital do corpo humano, Célio agiu com dolo eventual, e assumiu o risco de provocar o resultado morte, o qual não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, já que Leandro foi socorrido e levado ao nosocômio local.

Encerrando o sumário da culpa, a magistrada pronunciou o recorrente pela tentativa do crime, em tese, previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do CP, na forma da denúncia. Inconformado, ele se insurge, porém sem razão.

1. Da preliminar de excesso de linguagem

O recorrente, preliminarmente, refere excesso de linguagem na decisão de pronúncia, entendendo assim pela sua nulidade.

Todavia, sorte não lhe assiste.

O que se tem é que, mesmo diante das teses defensivas inoportunamente veiculadas em alegações finais (absolvição sumária e desclassificação da conduta), com o recorrente exigindo aprofundada (e indevida) análise das provas durante o sumário da culpa, de olhos fechados para a possibilidade de serem extraídas diferentes hipóteses para o ocorrido, a partir dos elementos nos autos, a magistrada logrou êxito em decidir de modo equilibrado, livre de impressões e convicções pessoais, compatibilizando a viabilidade da tese acusatória (necessária à decisão de pronúncia) com as razões que tornam inviável o acolhimento dos pleitos defensivos.

O trecho discutido da decisão de pronúncia é o seguinte:

De fato, apesar da justificativa trazida pelo réu, os demais depoimentos acostados foram no sentido de que Célio desferiu golpes com um objeto cortante contra a vítima, Leandro Parma Silvério, quando a briga já havia cessado e este já não oferecia mais perigo algum à integridade física do réu.

Em seu depoimento, o réu confirma que desferiu os golpes contra a vítima, mas afirma que agiu em legítima defesa e sem a intenção de atingi-lo, tese esta que, ressalta-se, não foi confirmada por nenhuma das testemunhas indicadas e ouvidas, nem mesmo por sua esposa, Regina Célia Ferreira Santos da Silva, que alegou não ter presenciado os fatos.

Sucede que, nos memoriais que antecederam a pronúncia, o recorrente ignorou de forma deliberada...

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