Acórdão Nº 0008994-34.2018.8.10.0001 do TJMA. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, 3ª Câmara Criminal, 2023

Ano2023
Classe processualApelação Criminal
Órgão3ª Câmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão


3ª CÂMARA CRIMINAL

GABINETE DO DES. GERVÁSIO PROTÁSIO DOS SANTOS JÚNIOR

APELAÇÃO CRIMINAL nº 0008994-34.2018.8.10.0001

Apelante: ADILSON DINIZ PADILHA

Defensor Público: Noé Meneses da Silva

Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO

Relator: Desembargador GERVÁSIO PROTÁSIO DOS SANTOS JÚNIOR

Revisora: Desembargadora SÔNIA MARIA AMARAL FERNANDES RIBEIRO

APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. BUSCA PESSOAL EM VIA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE DA MEDIDA. ACESSO A DADOS CONTIDOS EM CELULAR POR AGENTES POLICIAIS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. CONSENTIMENTO DO MORADOR. DEMONSTRAÇÃO CONCRETA NÃO COMPROVADA. ILEGALIDADE CONSTATADA. NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS. APLICAÇÃO DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. IMPRESTABILIDADE DAS PROVAS. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA RETIFICADA.

I. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para realização de busca pessoal, nos termos do art. 240, § 2.º, do Código de Processo Penal, é imprescindível a existência de fundada suspeita (justa causa), com fulcro em juízo de probabilidade devidamente justificado pelas circunstâncias do caso concreto, de que o acusado esteja em poder de drogas, armas ou objetos que indiquem a prática delitiva, sendo inexorável a referibilidade entre a medida e sua finalidade legal probatória, de forma a evitar abordagens e revistas exploratórias.

II. Hipótese dos autos, em que a busca pessoal ocorrida em via pública foi realizada sem justa causa, baseando-se exclusivamente no tirocínio policial, sob o argumento de o réu aparentar nervosismo, bem como por estar em local dominado por facções criminosas, ressaltando-se que a busca não resultou na apreensão de objetos ilícitos.

III. Sobre a obtenção de provas por agentes policiais mediante o acesso aos dados contidos em aparelho telefônico, “a jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos ("WhatsApp"), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel.” (STJ. HC n. 372.762/MG, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 3/10/2017, DJe de 16/10/2017).

IV. O Supremo Tribunal Federal fixou tese com repercussão geral (Tema 280) no sentido de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”.

V. Caso concreto em que a apreensão das armas de fogo na residência do réu decorreu de busca domiciliar sem prévia autorização judicial e sem justa causa capaz de excepcionalizar a proteção da inviolabilidade do domicílio contida no art. 5º, XI, da Constituição Federal, decorrendo a medida de abordagem e busca pessoal ilegal, bem como de acesso a dados contidos no aparelho celular do acusado sem autorização da Poder Judiciário.

VI. A ilicitude das diligências que resultaram na apreensão de armas de fogo na residência do réu, ocasionam a invalidade de todas as provas delas decorrentes, pois, nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição Federal, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, aplicando-se ao caso a teoria da prova ilícita por derivação ou teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree).

VII. Invalidadas as provas decorrentes da apreensão das armas de fogo que relacionam o réu ao crime tipificado no art. 12 da Lei nº 10.826/03, resta prejudicada a comprovação da materialidade do delito e, inexistindo outros elementos de convicção independentes a ratificar essa circunstância, a procedência do pleito absolutório é medida que se impõe.

VIII. Apelação criminal conhecida e provida, para absolver o réu.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos de Apelação Criminal nº 0008994-34.2018.8.10.0001, “unanimemente e de acordo com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, a Terceira Câmara Criminal deu provimento ao recurso interposto, nos termos do voto do Desembargador Relator”.

Votaram os Senhores Desembargadores Gervásio Protásio dos Santos Júnior (Relator), Sebastião Joaquim Lima Bonfim e Vicente de Paula Gomes de Castro.

Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Regina Maria de Carvalho Lobato.

São Luís/MA, data do sistema.

GERVÁSIO Protásio dos SANTOS Júnior

Desembargador Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por Adilson Diniz Padilha, pugnando pela reforma da sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da 5ª Vara Criminal do Termo Judiciário de São Luís, da Comarca da Ilha de São Luís (ID nº 23931940, pág. 179-189), que, ao julgar parcialmente procedente a inicial acusatória, condenou o acusado nas sanções constantes do art. 12 da Lei 10.826/2003 (posse irregular de arma de fogo de uso permitido), a cumprir as penas de 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, além de sanção pecuniária de 10 (dez) dias-multa, sendo a pena privativa de liberdade substituída por duas sanções restritivas de direitos.

Consta da denúncia (ID nº 23931940, pág. 5-6), recebida em 23/08/2018 (ID nº 23931940, pág. 52), que no dia 23/07/2018, policiais militares apreenderam na residência do réu 2 (duas) espingardas do tipo bate bucha, de fabricação caseira, calibre 8, fato que resultou em sua prisão em flagrante.

Realizada a audiência de instrução, foram colhidos os depoimentos das testemunhas e realizado o interrogatório do réu (ID nº 23931940, pág. 84-87, 143-144). Alegações finais foram apresentadas em forma de memoriais (ID nº 23931940, pág. 157-162 e 165-177).

Da sentença condenatória interpôs o réu recurso de apelação, cujas razões constam do ID nº 25464132, em que aborda as seguintes teses: (1) que a condenação está lastreada em provas ilícitas, porquanto a apreensão das duas armas de fogo em sua residência decorreu de busca pessoal e domiciliar ilegais, sem justo motivo e sem autorização judicial; e (2) que todas as provas do processo decorrem do acesso ilegal dos policiais a dados contidos no seu celular, que assim procederam sem autorização judicial, pelo que devem ser declaradas nulas, ensejando a sua absolvição.

Contrarrazões ofertadas pelo Órgão Ministerial sob o ID nº 26517215, nas quais assinalou que o art. 5º, XI, da CF/98 excepciona a busca domiciliar sem mandado no caso de flagrante delito, hipótese que reputa a dos autos. Defende, ademais, que as provas que ensejaram a condenação do réu decorreram da instrução judicial, e não dos dados extraídos do celular do réu, pelo que requer o desprovimento do presente recurso.

Encaminhados os autos à Procuradoria Geral de Justiça para emissão de parecer, a Dra. Regina Maria da Costa Leite manifestou-se pelo conhecimento e provimento do apelo, para que sejam declaradas nulas todas as provas decorrentes da busca pessoal ilegal objeto dos autos, com a absolvição do réu (ID nº 27180034).

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual conheço do recurso.

Conforme relatado, o apelante Adilson Diniz Padilha foi condenado a cumprir a pena de 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, além de 10 (dez) dias-multa, sendo a privativa de liberdade substituída por duas sanções restritivas de direitos, ante a prática do crime previsto art. 12 da Lei 10.826/2003 (posse irregular de arma de fogo de uso permitido).

Irresignado com a mencionada condenação, interpôs o réu o presente recurso, em que, lastreado na tese de nulidade das provas, requer a sua absolvição.

Segundo consta dos autos, no dia 23/07/2018, a polícia militar realizava uma operação pelos bairros São Raimundo, Vila Cotia e Portal da Ilha, nesta capital, quando abordaram o apelante em via pública e procederam à busca pessoal, não sendo com ele nada encontrado de ilícito. Na ocasião, supostamente autorizados pelo réu, os policiais militares verificaram o celular do acusado, nele identificando um vídeo em que o denunciado manuseava uma arma de fogo. Ato contínuo, de posse da informação que o armamento se encontrava na residência do recorrente, os agentes públicos para lá se dirigiram e novamente, sob suposta autorização, realizaram busca no local, ocasião em que apreendidas as duas espingardas objetos dos autos, fato que ensejou a sua prisão em flagrante.

Com efeito, a busca pessoal encontra-se autorizada pelo art. 240, § 2º do Código de Processo Penal, o qual impõe, como requisito de validade da medida, a existência de fundadas suspeitas de que o acusado oculte armas, munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso.

O Superior Tribunal de Justiça, a partir do julgamento do RHC nº 158.580/BA, que incitou relevante debate sobre a matéria, passou a adotar posicionamento mais criterioso ao analisar a regularidade da atividade policial nas buscas pessoais realizadas, o qual se aplica perfeitamente ao caso, consoante ementa abaixo colacionada:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ALEGAÇÃO VAGA DE "ATITUDE SUSPEITA". INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. 1. Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito...

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