Acórdão Nº 0009155-76.2014.8.24.0039 do Quinta Câmara Criminal, 02-04-2020

Número do processo0009155-76.2014.8.24.0039
Data02 Abril 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão

Apelação Criminal n. 0009155-76.2014.8.24.0039, de Lages

Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A PESSOA. ABANDONO DE INCAPAZ CIRCUNSTANCIADO PELA PRÁTICA EM DETRIMENTO DE DESCENDENTE (CÓDIGO PENAL, ART. 133, § 3º, II). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. INSURGIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA.

PRETENSA CONDENAÇÃO. AVENTADA EXISTÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES PARA LASTREAR A PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. IMPERTINÊNCIA. ALEGAÇÕES DA ACUSADA CORROBORADAS PELOS DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL NÃO EVIDENCIADO NA ESPÉCIE. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. JUÍZO DE MÉRITO IRRETOCÁVEL. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

PRONUNCIAMENTO MANTIDO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0009155-76.2014.8.24.0039, da comarca de Lages (1ª Vara Criminal), em que é apelante o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e apelada Maria Salete Antunes Fernandes:

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 2 de abril de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Antônio Zoldan da Veiga.

Representou o Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Pedro Sérgio Steil.




Florianópolis, 7 de abril de 2020.




Luiz Cesar Schweitzer

PRESIDENTE E RELATOR


RELATÓRIO

A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Lages ofereceu denúncia em face de Pedro dos Santos e Maria Salete Antunes Fernandes, dando-os como incursos nas sanções do art. 133, § 3º, II, do Código Penal, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:

Na madrugada do dia 11 de setembro de 2013, os denunciados PEDRO DOS SANTOS e MARIA SALETE ANTUNES FERNANDES, separadamente e em momentos distintos, abandonaram sua filha L. F. dos S., à época dos fatos com 15 (quinze) anos de idade, negando-lhe moradia e deixando-a desamparada.

Segundo consta do caderno indiciário, em atendimento à adolescente L., que se encontrava desacompanhada na Delegacia de Polícia, o Conselho Tutelar deste Município providenciou sua entrega à família, dirigindo-se inicialmente a residência de PEDRO, que se negou a recebê-la. Na sequência, o Conselho Tutelar levou a adolescente até a casa de MARIA SALETE, que igualmente negou-se a recebê-la.

Salienta-se que PEDRO DOS SANTOS e MARIA SALETE ANTUNES FERNANDES, na condição de genitores da vítima L. F. dos S., são seus guardiões naturais e que o abandono colocou-a em grave situação de risco, resultando em seu acolhimento institucional (sic, fls. 1-2).

Quando de audiência realizada em 24-4-2015, os acusados aceitaram proposta de suspensão condicional do processo (fls. 91), todavia o benefício concedido à segunda restou revogado pelo descumprimento injustificado das condições impostas (fls. 149).

Encerrada a instrução, o Magistrado a quo julgou improcedente o pedido formulado na inicial acusatória para absolvê-la da imputação delitiva, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Inconformada, interpôs a Promotora de Justiça oficiante recurso de apelação, por meio do qual almeja a condenação da denunciada nos termos em que requerido na exordial.

Em suas contrarrazões, a apelada pugna pela preservação da decisão vergastada.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Aurino Alves de Souza, opinou pelo conhecimento e provimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.

Consoante relatado, o representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina almeja a reforma da decisão de primeiro grau que absolveu Maria Salete Antunes Fernandes do crime de abandono de incapaz.

O pleito, entretanto, não merece acolhida.

Extrai-se do pronunciamento vergastado:

[...] Após detida análise das declarações da ré, percebo que sua narrativa foi verdadeira, inclusive, corroborada pelos depoimentos das demais testemunhas, em que narram que a adolescente sempre fugia de casa. E, a acusada, sempre que possível, tentava manter contato com a sua filha, tentando não deixa-lá em desamparo total.

[...]

Dessa forma, denota-se que o tipo previsto no art. 133, do Código Penal, não admite a modalidade culposa, exigindo o dolo para a sua configuração. Entretanto, no presente caso não restou comprovada a intenção manifesta da acusada de abandonar sua filha. Depreende-se da prova colhida em juízo que a adolescente é que sempre fugia de casa, aliás, a própria conselheira tutelar e assistente social afirmaram que ela tinha problemas com drogas e que sempre desrespeitava seus pais.

Ainda, ficou comprovado também, através dos depoimentos das conselheiras que a ré foi em busca de ajuda junto ao Conselho Tutelar para cuidar de sua filha.

Como dito anteriormente, o crime de abandono de incapaz exige, entre outros elementos configurativos, a presença de dolo específico, visando expor às vítimas em perigo concreto de dano à vida ou à integridade corporal.

A prova colhida na instrução, efetivamente, não dá esta certeza de que havia dolo na ação da acusada.

Assim, feitas tais ponderações, concluo que a absolvição da acusada, pelo benefício da dúvida, é a única solução condizente com a prova coligida durante a instrução probatória (sic, fls. 330-331).

Feito o registro, a infração penal que foi irrogada à ré e pela qual restou absolvida está prevista no art. 133, § 3º, II, do Código Penal, nestes termos:

Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

[...]

§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

[...]

II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

[...]

Rogério Greco comenta o dispositivo:

Consuma-se o delito de abandono de incapaz no instante em que o abandono produz efetiva situação de perigo concreto para a vítima. [...] O dolo é o elemento subjetivo exigido pelo tipo de abandono de incapaz. Não se admite a responsabilização criminal do agente a título de culpa (Código penal comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2019, p. 452).

Na espécie, efetivamente não restou demonstrado nos autos que a ré teve o dolo de deixar sua filha desamparada.

A conselheira tutelar Francielle Ribeiro de Oliveira, que na etapa administrativa registrou a correlata ocorrência, no passo processual aduziu não se lembrar do fato, dado o transcurso do tempo (mídia audiovisual a fls. 301).

Por sua vez, ainda na fase embrionária do procedimento, a adolescente L. F. dos S. relatou que:

[...] depois da separação dos pais, passou a morar um pouco com cada um; que, no início de 2013, a declarante passou a morar e trabalhar com o tio Nivaldo, visto que sua família não queria que a declarante trabalhasse e tivesse sua independência; que, em agosto/2013 a declarante foi para a cidade de Santo Amaro para morar com Jackson, seu atual companheiro; que, em setembro corrente, a declarante retornou para Lages e foi para a casa da mãe, momento em que o marido da mãe não aceitou a declarante; que, nisto houve uma briga entre a declarante e sua mãe, sendo que esta lhe agrediu mesmo sabendo que a declarante estava grávida; que, então foi acionada a polícia e o Conselho Tutelar e a declarante foi para o abrigo; que, ficou no abrigo por 10 dias e, ao sair, foi para a casa da mãe com a concordância que lá ficaria por uma semana; que, depois disto foi para a casa de uma tia, ficando lá mais por alguns dias; que, depois disto foi para a casa do pai, ficando lá até o sexto mês de gestação, ocasião em que saiu para morar com seu atual marido; que,...

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