Acórdão Nº 0009475-86.2012.8.24.0075 do Quarta Câmara de Direito Público, 14-10-2021

Número do processo0009475-86.2012.8.24.0075
Data14 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0009475-86.2012.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

APELANTE: LEANDRO BITENCOURT ADVOGADO: LEONARDO RIBEIRO KUERTEN (OAB SC041180) ADVOGADO: Tiago Boaventura de Oliveira (OAB SC030888) ADVOGADO: HAMILTON JOSE DA SILVA JUNIOR (OAB SC030872) APELANTE: MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC APELADO: DOUGLAS PINHEIRO DE BORBA ADVOGADO: ORLANDO DE DEUS DUARTE JUNIOR (OAB SC008523) ADVOGADO: EDUARDO DE CARVALHO CANZIANI (OAB SC012115)

RELATÓRIO

Na comarca de Tubarão, Douglas Pinheiro de Borba ajuizou "ação de indenização por danos materiais e morais" contra o Município, sua Guarda Municipal e Leandro Bittencourt.

À luz dos princípios da economia e celeridade processual, por sintetizar de forma fidedigna, adoto o relatório da sentença:

Relata o autor que, no dia 20 de dezembro de 2011, foi agredido e algemado, violentamente, sem motivo plausível, por guardas municipais, em seu local de trabalho. Diante do tratamento humilhante e vexatório, requereu indenização por danos materiais e morais. Sustenta, ainda, que, durante a agressão física, perdeu sua carteira com todos os seus documentos, talão de cheques e teve subtraído R$ 1.000,00 (mil reais) de sua carteira. Ademais, alegou que os guardas municipais agiram arbitrariamente, colocando em risco a integridade física dos presentes, expondo-os violentamente a agressões físicas e morais. Por essas razões, requereu a condenação do réu ao pagamento de indenização a título de danos morais e materiais. Às fls. 113, a Guarda Municipal foi excluída do polo passivo, por não possuir personalidade jurídica. Citado (fl. 124), o réu Leandro Bittencourt apresentou contestação (fls. 127/142), suscitando sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda e no mérito, alegando, em síntese, que os fatos não ocorreram conforme relatados pelo autor, uma vez que, contrariamente ao alegado, ele teria apresentado um comportamento agressivo e oferecido resistência aos comandos recebidos. Aduz, ainda, que o montante pedido por danos morais seria fator de enriquecimento ilícito. Também citado (fl. 121), o Município de Tubarão deixou transcorrer in albis o prazo para resposta. Instado, o Ministério Público entendeu desnecessária sua intervenção no feito (fl. 144/145). Às fls. 146/147, foi afastada a preliminar de ilegitimidade passiva e designada audiência de instrução e julgamento, na qual procedeu-se à oitiva de 10 (dez) testemunhas, bem como ao depoimento pessoal do autor. As partes apresentaram alegações finais às fls. 238/242 e 247/250. Após, vieram os autos conclusos. (1G, Evento 164, p. 1-2)

O eminente Juiz de Direito, Dr. Rodrigo Fagundes Mourão, que muito dignifica a magistratura catarinense, tanto por sua operosidade quanto pela qualidade de seus julgados, decidiu:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados nesta ação, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de R$ 12.000,00 (doze mil reais) ao autor a título de danos morais. Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 50% das custas processuais e dos honorários advocatícios (suspensa a exigibilidade porque beneficiária da Justiça Gratuita - fl. 57). Isento o réu Município de Tubarão do pagamento das custas, em atenção ao que dispõe o artigo 35, "i", da Lei Complementar Estadual n. 156/97. Arcará, no entanto, com os honorários advocatícios (na proporção de 50%), os quais fixo em 10% sobre o valor do proveito econômico, nos termos do artigo 85, § 4º, inciso III, do Novo Código de Processo Civil. (1G, Evento 164, p. 11)

Irresignados, ambos os requeridos interpuseram recursos (1G, Evento 185, Apelação 281-296).

Leandro Bittencourt, ao pugnar pela improcedência da actio, alegou ilegitimidade passiva, inexistência de abuso de autoridade, falta de comprovação da responsabilidade civil, culpa recíproca e excesso de condenação.

Já o Município de Tubarão, com o mesmo fim, argumentou que houve o uso progressivo da força, em estrita observância à lei.

Sem contrarrazões, os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se indicando desinteresse na causa.

É o relatório.

VOTO

1. Juízo de admissibilidade

Destaco que, ressalvados os atos praticados e as situações consolidadas sob a vigência da norma revogada, a lide será apreciada com amparo nas regras do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que a sentença objurgada foi publicada quando já em vigência o novel diploma.

O recurso municipal é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual abarca conhecimento. A insurgência de Leandro também é tempestiva e, exceto quanto à preliminar de mérito introduzida, preenche os demais requisitos de admissibilidade, comportando parcial conhecimento.

Recebo os apelos em seus efeitos legais.

2. Apelo do Município de Tubarão

É cediço que a Constituição Federal exaltou a teoria do risco administrativo no tangente à responsabilidade civil do Estado, fazendo valer a desnecessidade de aferição do elemento culpa ou dolo.

Versa a Carta Magna:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Cuida-se, então, de responsabilidade civil objetiva, bastando a presença dos seguintes requisitos: a) conduta ilícita; b) dano; c) nexo causal.

Trago à baila importantes preceitos do Código Civil:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.[...]Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.[...] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

In casu, com fulcro em farto conjunto probatório, penso estar caracterizado o dever de indenizar.

Da análise dos relatos testemunhais, irrelevante eventual desacato praticado por Douglas, verifico que os servidores públicos envolvidos na ocorrência ultrapassaram o exercício regular de direito, ingressando na seara da ilegalidade.

Perante autoridade policial ou judicial, os depoimentos são, praticamente, uníssonos: sem justo motivo, os guardas municipais usaram spray de pimenta, sacaram armas, agrediram o comerciante e retiraram suas vestes, o que lhe ocasionou danos físicos e humilhação, em severa afronta aos direitos da personalidade (1G, Evento 77, Vídeo 314-324; 1G, Evento 185, Registro de Ocorrência Policial 21; 40-41; 42).

A declaração do médico Ivandro Teixeira Romagna atestou que o requerente apresentou lesões do tipo hematoma na face, região cervical, nasal e nos punhos (1G, Evento 185, Registro de Ocorrência Policial 89).

Ademais, o Instituto Geral de Perícias confirmou que houve: a) ofensa à integridade física; b) utilização de instrumento contundente; c) manejo de meio cruel (1G, Evento 185, Auto 91).

Consignou o magistrado a quo:

Do exposto, conclui-se que a abordagem iniciou de forma legítima, frente ao desacato perpetrado por Douglas. Entretanto, a força física, quando necessária sua utilização para condução do agente, deve ser utilizada comedidamente por aqueles que detém o poder de polícia, o que não ocorreu no caso em apreço, diante da análise do exame pericial e da prova oral colhida. (1G, Evento 164, p. 6)

Em caso análogo, já decidiu o TJSC:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES. AUTOR QUE FOI VÍTIMA DE AGRESSÃO FÍSICA, PRATICADA POR POLICIAL MILITAR COM USO DE CASSETETE/TONFA, LOGO APÓS ADENTRAR EM ESTÁDIO PARA ASSISTIR PARTIDA DE FUTEBOL. EXISTÊNCIA DE CONFRONTO, MANTIDO ENTRE POLICIAIS E TORCEDORES, NA ENTRADA E IMEDIAÇÕES DO RESPECTIVO PRÉDIO, QUE NÃO JUSTIFICAM A AÇÃO, VEZ QUE AUSENTES...

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