Acórdão Nº 0009713-57.2018.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 06-02-2020

Número do processo0009713-57.2018.8.24.0023
Data06 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão

Apelação Criminal n. 0009713-57.2018.8.24.0023, da Capital

Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES (LEI 11.343/2006, ART. 33, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA.

PRELIMINARES. APONTADA ILICITUDE DA PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA POR OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. IMPROCEDÊNCIA. AGENTES ESTATAIS QUE, APÓS SEREM ACIONADOS PARA ATENDER OCORRÊNCIA DE PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO, DEPARARAM-SE COM FESTA NA QUAL O APELANTE COMERCIALIZAVA ESTUPEFACIENTES. INFRAÇÃO PENAL DE NATUREZA PERMANENTE QUE AUTORIZA A PRISÃO EM FLAGRANTE A QUALQUER TEMPO. PRESCINDIBILIDADE DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO OU OUTRA ORDEM JUDICIAL.

ADUZIDA NULIDADE DO PROCESSO DESDE O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ATÉ A SENTENÇA PROLATADA POR ESTAR RESPALDADO EM PROVAS ILÍCITAS. ALEGAÇÃO DE QUE OS POLICIAIS MILITARES TERIAM VISUALIZADO O CONTEÚDO DO APARELHO CELULAR DO RÉU SEM A SUA AUTORIZAÇÃO. TESE RECHAÇADA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA MENCIONADA ARBITRARIEDADE. SERVIDORES PÚBLICOS QUE RELATARAM A ESPONTANEIDADE NA ENTREGA DO DISPOSITIVO MÓVEL, O QUAL ARMAZENAVA CONVERSAS RELACIONADAS AO COMÉRCIO ESPÚRIO E IMAGEM DE COMPRIMIDOS DE ESCTASY EMBALADOS DA MESMA FORMA EM QUE ENCONTRADOS NA RESIDÊNCIA DO RÉU. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE PRÓPRIA DOS ATOS PÚBLICOS QUE PREVALECE.

MÉRITO. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. POSTULADO AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DA CONDUTA SOCIAL DO AGENTE. PERTINÊNCIA. FUNDAMENTO INIDÔNEO. HISTÓRICO CRIMINAL QUE NÃO SERVE PARA TAL DESIDERATO. ENTRETANTO, AUSÊNCIA DE CORREÇÃO A SER FEITA NO CÁLCULO DOSIMÉTRICO, POIS UTILIZADA FRAÇÃO PROPORCIONAL QUANDO EM CONFRONTO COM OS MAUS ANTECEDENTES QUE OSTENTA E FORAM TAMBÉM NESTA ETAPA CONSIDERADOS.

ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR NOMEADO EXCLUSIVAMENTE PARA APRESENTAR AS RAZÕES DO RECLAMO. VERBA DEVIDA.

PARCELA DO PRONUNCIAMENTO ALTERADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0009713-57.2018.8.24.0023, da comarca da Capital (2ª Vara Criminal), em que é apelante Charles dos Passos e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para afastar a valoração negativa da conduta social do apelante, porém sem que implique readequação do cálculo dosimétrico, bem assim arbitrar em R$ 270,00 a remuneração devida ao defensor nomeado para apresentar as correlatas razões. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 6 de fevereiro de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer.

Representou o Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Ernani Dutra.

Florianópolis, 7 de fevereiro de 2020.




Luiz Cesar Schweitzer

Presidente e RELATOR


RELATÓRIO

A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca da Capital ofereceu denúncia em face de Charles dos Passos, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 33, caput, da Lei 11.343/2006, e 16, caput, da Lei 10.826/2003, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:

I. No dia 30 de junho de 2018, por volta das 23h50, policiais militares foram acionados para atender ocorrência de perturbação do sossego alheio em razão da emissão de som em volume alto na casa situada na Rua Valmor Azulino Duarte, bairro Monte Cristo, nesta cidade e Comarca de Florianópolis/SC.

Realizada abordagem à casa, local em que o denunciado mantinha residência, lograram os policiais militares identificar que Charles dos Passos guardava e mantinha em depósito, sem autorização e em desacordo com determinação legal e/ou regulamentar, 16 (dezesseis) porções da droga denominada Cannabis sativa ou 'maconha', na forma de erva prensada, com massa bruta total de 67,1g (sessenta e sete gramas e um decigrama); 2 (dois) cigarros artesanais da mesma droga, apresentando massa bruta total de 1,5g (um grama e cinco decigramas); além de 3 (três) comprimidos e 4 (quatro) fragmentos de comprimido da cor rosa, 4 (quatro) comprimidos de cor roxa, 10 (dez) comprimidos de cor azul, 20 (vinte) comprimidos de cor roxa e formato de escudo e 50 (cinquenta) comprimidos de cor amarela, todos contendo a droga vulgarmente conhecida como 'ecstasy'' - conforme Auto de Exibição e Apreensão (p. 6) e Laudo de Constatação n. 608/18 (pp. 12/13).

As drogas encontradas sob a guarda e depósito pelo denunciado são substâncias capazes de causar dependência física e/ou psíquica e eram destinadas à comercialização clandestina a terceiros. Foi também apreendido um aparelho celular, marca Lenovo, utilizado pelo denunciado para praticar o crime em tela.

II. Foi constatado, ainda, pela ação policial, que Charles possuía e mantinha sob sua guarda, sem autorização e em desacordo com determinação legal e/ou regulamentar, uma pistola marca CZ15, calibre 9mm, e 15 (quinze) munições intactas de mesmo calibre, todos de uso restrito, nos termos da legislação vigente, em especial Decreto n. 3.665/2000 (sic, fls. 73-74).

Encerrada a instrução, o Magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-lo às penas de seis anos de reclusão, a ser resgatada em regime inicialmente fechado, e pagamento de seiscentos dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato, por infração ao preceito do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, e absolvê-lo da imputação remanescente, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

Inconformado, interpôs o réu recurso de apelação, por meio do qual almeja, preliminarmente, a declaração da nulidade do feito, ao argumento de que a busca e apreensão levada a efeito pelos policiais militares afrontou o seu direito constitucional à inviolabilidade do domicílio, dado que não havia o correlato mandado judicial neste sentido, inclusive porque a ocorrência gerada tratava da contravenção penal de perturbação do sossego alheio. Alega, ademais, que os servidores públicos acessaram o seu telefone celular sem a necessária autorização judicial, de modo que a prova é ilícita e, consequentemente, imprestável à condenação, de modo que o procedimento deve ser considerado nulo desde a lavratura do auto de prisão em flagrante até a prolação da sentença.

No âmbito da dosimetria da pena, requer o afastamento da valoração negativa da sua conduta social, aduzindo para tanto que se fundamentou exclusivamente no seu histórico criminal.

Clama, por fim, pela fixação dos honorários advocatícios devidos ao defensor nomeado para apresentar as razões recursais.

Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pela preservação da decisão vergastada.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Paulo Roberto Speck, opinou pelo conhecimento e parcial provimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.

Consoante relatado, sustenta o insurgente, prefacialmente, que os policiais militares atuaram de forma arbitrária ao adentraram a sua residência em situação que não se enquadrava nas hipóteses autorizadas pela Carta Magna, o que tornou ilícita a prova material, maculando, por conseguinte, a apreensão das substâncias encontradas no local e todos os atos processuais posteriores.

A arguição, contudo, não comporta acolhimento.

Isso porque, em todos os momentos em que prestaram seus depoimentos, aqueles esclareceram, em síntese, que o que motivou o ingresso na moradia foi uma ocorrência de perturbação do sossego alheio. Expuseram que, chegando ao local, depararam-se com uma festa, na qual havia aproximadamente cinquenta pessoas e, ato contínuo, fizeram a abordagem de todos que ali estavam. Em conversa com o réu, solicitaram que lhes mostrasse o aparelho celular, no qual verificaram imagens de comprimidos de ecstasy na cor amarela, além de conversas sobre a mercancia espúria. Em seguida, encontraram no local exatamente o mesmo produto, o que puderam constatar pela cor e forma de acondicionamento. Tinha-se, assim, segurança de que se tratava de material de propriedade do acusado, destinado à traficância, não se olvidando que este próprio afirmou em seu interrogatório judicial que residia no espaço onde estava acontecendo o evento (mídia audiovisual a fls. 188).

Com efeito, o crime sob análise é de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, de modo que, enquanto o agente mantiver material estupefaciente sob sua guarda, estará em estado de flagrância, circunstância que permite que a sua prisão ocorra a todo tempo.

Nesse quadro, a entrada no imóvel em que estava armazenado o entorpecente não caracterizou a aventada violação de domicílio, pois patente o estado flagrancial, sendo exatamente esta a exceção prevista pela norma constitucional invocada pela defesa. Confira-se:

Art. 5º [...]

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

A respeito da questão, releva transcrever o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE...

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