Acórdão Nº 0009732-75.2013.8.24.0011 do Quarta Câmara de Direito Público, 10-03-2022

Número do processo0009732-75.2013.8.24.0011
Data10 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0009732-75.2013.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

APELANTE: HOSPITAL ARQUIDIOCESANO CONSUL CARLOS RENAUX APELADO: MUNICÍPIO DE BRUSQUE APELADO: PAULO ROBERTO ECCEL APELADO: MARIA APARECIDA MORELLI BELLI APELADO: FABIANO AMORIM

RELATÓRIO

Na comarca de Brusque, Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux ajuizou "ação ordinária de anulação de ato jurídico" contra o Município, Paulo Roberto Eccel, Maria Aparecida Morelli Belli e Fabiano Amorim.

À luz dos princípios da economia e celeridade processual, por sintetizar de forma fidedigna, adoto o relatório da sentença (Evento 138, 1G):

1. Hospital Arquidiocesano Çônsul Carlos Renaux ajuizou "ação ordinária de anulação de ato jurídico" em face de Município de Brusque, Paulo Roberto Eccel, Maria Aparecida Morelli Belli e Fabiano Amorim, alegando, em síntese, que:

A) É entidade de direito privado sem fins lucrativos, fundada em 1902. Em 1°/09/2010, celebrou contrato de prestação de serviço n°041/2010 com o primeiro réu, que perdurou até 28/02/2013. Não houve renovação contratual porque as partes não chegaram a um consenso quanto ao valor da remuneração pelos serviços prestados.

B) O Hospital apresentou proposta de renovação, com o fim de garantir o equilíbrio econômico-financeiro do negócio. Entretanto, a oferta não foi aceita, razão pela qual notificou o Fundo Municipal de Saúde sobre a paralisação dos atendimentos no setor de urgência e emergência no prazo de 60 (sessenta) dias.

C) Diante desse quadro, os segundo e terceiro réus "fabricaram um fictício estado de calamidade pública e perigo iminente", culminando na intervenção do Poder Público municipal na propriedade do Hospital e renovação dos serviços de prestação de saúde para o Sistema Único de Saúde. Tais atos materializaram-se pela expedição dos Decretos n°7.116 e 7.117, ambos de 03/06/2013, e contrato n° 018/2013, firmado em 06/06/2013.

D) O término do contrato 041/2010 em 28/02/2013, somado ao aviso prévio de 60 (sessenta) dias feito em 04/03/2013, afastam o pressuposto jurídico essencial para a configuração de estado de calamidade è perigo público iminente, qual seja, imprevisibilidade. Logo, o Decreto n°7.116 seria nulo.

E) Por sua vez, o Decreto n°7.117 que, em virtude da decretação de estado de calamidade e perigo público, requisita todas as instalações do estabelecimento autor, também está eivado de vício insanável. Primeiro porque provém de um ato anterior (Decreto n 7.116) nulo. Segundo porque revela desvio de finalidade, abuso de poder e usurpação do direito de personalidade da instituição hospitalar.

F) Em virtude da mácula que permeia os Decretos, por ser derivado destes atos administrativos, o contrato n°018/2013 também é nulo, porque entabulado nos moldes que só interessava à Municipalidade.

Discorreu, por fim, sobre a responsabilização da parte ré pelos atos praticados durante a requisição que acarretaram prejuízos, necessidade de concessão de tutela antecipada e indícios da prática de atos de improbidade administrativa.

Requereu, por isso, o reconhecimento da nulidade dos atos administrativos já mencionados, com a condenação dos requeridos nas perdas e danos decorrentes da requisição.

Juntou documentos (fls. 76-219).

A tutela antecipada restou parcialmente deferida (fls. 221-223), pelo que, às Is. 237-267, o quarto requerido noticiou a interposição de agravo de instrumento.

O primeiro réu contestou (fis. 325-350), oportunidade em que suscitou a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam. No mérito, defendeu a configuração do estado de calamidade e iminente perigo público que justificou a expedição do Decreto n°7.116, ao argumento de que, tanto antes como depois da notificação do autor acerca da rescisão contratual, as partes permaneceram em tratativas de acordo. O Município não poupou esforços para que novo contrato fosse celebrado e as negociações andavam em franca evolução. Era inconcebível o fechamento das portas do Hospital para os serviços do Sistema Único de Saúde. Neste cenário, destacou a configuração da imprevisibilidade.

Refutou a alegação de que o Poder Público Municipal contribuiu para a crise financeira do autor e que jamais se preocupou com o custo real da prestação do serviço. Narrou que houve reajuste do valor contratual desde a celebração do contrato 041/2010, através do 1° Termo Aditivo de 02/05/2012.

Sustentou, ainda, que não houve abuso de poder materializado pelo Decreto ti° 7.117 é que o contrato n° 018/2013 não afrontou o direito de personalidade do hospital.

Por fim, impugnou a responsabilidade por perdas e danos durante a gestão e destacou os benefícios alcançados no período, discorreu sobre a inexistência de atos de improbidade administrativa e noticiou o término da requisição e celebração de novo contrato com o autor.

Pugnou pelo reconhecimento da ilegitimidade ativa ou improcedência dos pedidos iniciais. Documentos às fls. 351-542.

À fl. 543, certificou-se o decurso do prazo para defesa em relação aos demais réus. Inobstante, apresentaram contestação às fls. 545-557.

Sobreveio decisão do Agravo de Instrumento às fls. 561-562, negando seguimento ao recurso.

Houve réplica (fls. 369-384).

Ato contínuo, o Ministério Público manifestou-se pela improcedência dos pedidos (fls. 386-397).

Sobreveio juntada de documentos por ambas as partes, sendo devidamente oportunizado o contraditório.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

Devidamente instruída, a lide foi julgada nos termos retro (Evento 138, 1G):

3. Por todo o exposto, com fundamento no art. 487, 1, CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux.

Por conseguinte, ficam revogados os efeitos da tutela antecipada concedida às fIs. 221-223

Condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, os quais arbitro em R$5.000,00 (cinco mil reais), com fundamento no art. 85, §5°, CPC. Suspendo a exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência, ante a concessão dos benefícios da justiça gratuita (fI. 221), em atenção ao art. 98, §3°, CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sentença não sujeita a remessa necessária.

Transitado em julgado, arquivem-se.

Irresignado, o Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux recorreu. Argumentou que: a) a prova carreada aos autos não foi valorada de forma acertada; b) o ato administrativo praticado pelos requeridos não pode ser rotulado como discricionário; c) os princípios que regem a Administração Pública não foram observados, o que justifica a atuação do Poder Judiciário; d) foi criado um estado de perigo iminente e calamidade fictício para possibilitar a intervenção na propriedade privada e pactuar novo contrato; e) o Município nunca se preocupou com os custos reais dos serviços prestados; f) a divergência nasceu pela falta de ajuste financeiro; e g) o ato é inválido, porquanto a situação de calamidade pública nunca existiu (Evento 145, 1G).

Com contrarrazões (Evento 148, 1G e Evento 73, 2G), os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 85, 2G).

É o relatório.

VOTO

Destaco que, ressalvados os atos praticados e as situações consolidadas sob a vigência da norma revogada (artigo 14 do CPC), a lide será apreciada com amparo nas regras do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que a sentença objurgada foi publicada quando já em vigência o diploma.

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual merece conhecimento.

Recebo o apelo em seus efeitos legais.

A eminente Procuradora de Justiça, Doutora Monika Pabst, com a capacidade e brilhantismo que lhe é peculiar, sintetizou o extenso apelo, nos termos adjacentes:

Em suas razôes de insurgência, o nosocômio apelante sustenta, em síntese, que: i) quando do thmino do contrato de prestação de serviços celebrado com o Município de Brusque notificou a municipalidade informando que o pacto não seria renovado por não respeitar a garantia do equilíbrio econômico-financeiro; ii) diante da situação, os requeridos fabricaram um fictício estado de calamidade pública e perigo iminente que culminou na intervenção do Poder Público Municipal na propriedade do hospital; iii) o contrato então firmado possuía prazo determinado, não havendo falar em imprevisibilidade que justifique a decretação do estado de calamidade; iv) a municipalidade possuía contrato para prestação de serviços com o outro nosocômio do Município, o que demonstra a inexistência de iminente perigo público; v) com a intervenção, foi celebrado novo contrato entre o Município e o interventor atendendo exclusivamente os interesses do ente público; vi) o poder discricionário conferido à Administração não pode servir de cana branca ao agente administrativo para cometer atos ilegais; vii) o ato praticado comporta apreciação pelo Poder Judiciário; viii) embora o fim do contrato ensejasse tão somente a paralisação dos setores de urgência e emergência, o Município investiram contra todos os setores e departamentos do hospital, utilizando-se indevidamente do instituto da 'requisição; ix) o objetivo único da municipalidade era impor à entidade hospitalar a renovação do contrato nos moldes que só interessavam ao ente público, e introduzir nova forma de gestão; x) a 'requisição importou, na realidade, em verdadeira intervenção sobre o hospital, pessoa jurídica de direito privado, sendo flagrante o seu desvio de finalidade e abuso de poder; xi) o proceder dos requeridos acabou permitindo a movimentação das contas bancárias da instituição, chegando a efetuar empréstimos bancários em nome do hospital, ato que refogem ao instituto da 'requisição' e maculam o contrato firmado entre o interventor e o ente público; xii) o prejuízo experimentado pelo hospital em razão do uso da propriedade particular durante o período da 'requisição" deve ser suportado pelo Município; xiii) os fatos narrados constituem indício da prática de atos de improbidade...

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