Acórdão Nº 0010085-90.2014.8.24.0008 do Sétima Câmara de Direito Civil, 05-03-2020

Número do processo0010085-90.2014.8.24.0008
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0010085-90.2014.8.24.0008, de Blumenau

Relator: Desembargador Osmar Nunes Júnior

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INSURGÊNCIA DA AUTORA.

ARGUMENTAÇÃO NO SENTIDO DE QUE A USUCAPIÃO SE TRATA DE MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE. DESNECESSIDADE DE INSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO PARA A ABERTURA DE MATRÍCULA REFERENTE A UNIDADE HABITACIONAL. TESE AFASTADA. ANÁLISE DOS AUTOS QUE DEMONSTRA A PRETENSÃO PELA DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO DE FRAÇÃO IDEAL DE CONDOMÍNIO NÃO INSTITUÍDO NA MATRÍCULA DO TERRENO ONDE FOI CONSTRUÍDO. IMPOSSIBILIDADE DE DELIMITAÇÃO DO BEM A SER USUCAPIDO. MODALIDADE DE CONDOMÍNIO QUE IMPLICA PROPRIEDADE DE PORÇÕES PARTICULARES E OUTRAS DE USO COMUM, QUE NÃO FORAM DEVIDAMENTE IDENTIFICADAS EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DA INSTITUIÇÃO REGULAR. UNIDADES PRIVATIVAS PENDENTES DE REGISTRO E MATRÍCULA PRÓPRIA. USUCAPIÃO QUE NÃO CONSISTE NO MEIO ADEQUADO PARA REGULARIZAR A SITUAÇÃO DO BEM PERANTE O CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS.

SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL QUE MERECE SER MANTIDA.

FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0010085-90.2014.8.24.0008, da comarca de Blumenau 1ª Vara da Fazenda Acidentes do Trab e Reg Público em que é Apelante Neuraci Fátima Machado e Apelados Alfredo Germano Reiter e outro.

A Sétima Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Carlos Roberto da Silva e dele participaram o Exmo. Sr. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade e a Exma. Desa. Haidée Denise Grin.

Funcionou como representante da Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Antenor Chinato Ribeiro.

Florianópolis, 5 de março de 2020



Desembargador Osmar Nunes Júnior

Relator


RELATÓRIO

Neuraci Fátima Machado interpôs recurso de apelação da sentença proferida na 1ª Vara da Fazenda, Acidentes de Trabalho e Registros Públicos da Comarca de Blumenau, nos autos da ação de usucapião extraordinária aforada em face de Alfredo Germano Reiter e Perla Luciana Silva Reiter.

A autora sustentou que exerce a posse mansa e pacífica do apartamento de 69,2945 m², de n. 21, bloco 2, situado no n. 445, rua Divinópolis, bairro Velha Central, município de Blumenau, desde o ano de 2010, quando adquiriu o imóvel de Marco Aurélio Machado, por intermédio de contrato particular de compra e venda de apartamento e respectiva fração ideal de solo.

Argumentou que o bem foi construído sobre os terrenos matriculados sob os n. 3.810 e 3.811 no 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Blumenau em nome dos réus.

Aduziu, a requerente, ainda, que somado ao período dos antecessores, exerce a posse sobre o imóvel há mais de 10 (dez) anos e, portanto, cumpre os requisitos legais do art. 1.238 do Código Civil, razão por que pugnou pela declaração de domínio sobre o bem usucapiendo.

Intimada para indicar a qualificação completa dos confrontantes e respectivos cônjuges, a requerente informou, às fls. 57/58, que em razão de o imóvel usucapiendo se tratar de unidade habitacional de condomínio edilício os vizinhos são os demais condôminos, que podem ser notificados por intermédio do síndico do edifício.

Foram citadas as fazendas públicas municipal, estadual e federal, os proprietários registrais do imóvel onde foi construído o edifício, assim como o síndico do condomínio, como se verifica às fls. 63/72.

Vilmar Lucas, indicado como síndico do condomínio, apresentou contestação às fls. 76/77, argumentando que não exerce a função, na medida em que o residencial onde está situado o bem a ser usucapido não está devidamente constituído perante os órgãos competentes, razão por que existe apenas no plano fático e não jurídico. Informou, ainda, que a administração do prédio é feita por intermédio da Associação de Moradores do Condomínio Arcobaleno, costituída pelo conjunto de moradores do local. Argumentou, por fim, que o edifício teve sua construção iniciada pela Construtora Apoio Ltda., no ano de 1996, a qual abandonou a obra em 2000.

Os pretensos proprietários registrais dos terrenos onde está edificado o condomínio que abriga o apartamento usucapiendo apresentaram contestação às fls. 82/84, relatando que apenas eram donos da área matriculada sob o n. 3.810, a qual foi entregue à Construtora Apoio Ltda. em permuta, razão por que o imóvel não lhes pertence desde o ano de 1994.

Alegaram, ademais, que a construção do condomínio foi abandonada pela referida empresa no ano de 1999, razão por que os condôminos formaram uma comissão dos representantes dos moradores, os quais terminaram a edificação. Assim, esclareceram que o condomínio edilício nunca foi registrado perante os órgãos competentes e que o deferimento dos pedidos deduzidos na presente demanda dificultaria, sobremaneira, a posterior regularização do imóvel como um todo.

Sob tais fundamentos, Alfredo Germano Reiter e Perla Luciana Silva Reiter pediram pela citação dos reais proprietários dos terrenos, quais sejam, a Construtora Apoio Ltda. e a Associação de Moradores do Residencial Arcobaleno.

A requerente apresentou réplica, às fls. 103/106.

Em manifestação de fls. 111/116 o órgão do Ministério Público opinou pela extinção do feito, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, IV e VI, do Código de Processo Civil de 1973.

Após, sobreveio sentença, que acolheu o parecer ministerial e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, em decorrência do indeferimento da petição inicial, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, condenando a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais) em favor de cada demandado.

Irresignada, a autora apresentou recurso de apelação (fls. 124/139), argumentando, inicialmente, a ausência de intimação para a realização de emenda à inicial, para que trouxesse ao feito todos os proprietários do imóvel matriculado sob o n. 3.811.

Assevera, também, a desnecessidade do registro do condomínio edilício perante o Cartório de Registro de Imóveis, na medida em que o ato se trata de questão administrativa que visa a conferir publicidade a terceiros sobre a existência do imóvel, razão por que não se trata de requisito para a obtenção do domínio por intermédio da usucapião. Salienta, no ponto, que a existência do condomínio edilício onde reside e que pretende usucapir é fato público e notório.

No mais, aduz que a usucapião é forma de aquisição originária da propriedade, razão por que o reconhecimento o período da prescrição aquisitiva é suficiente para converter uma situação fática em jurídica, sanando os vícios preexistentes à obtenção do domínio. Afirma, no ponto, que por intermédio da sentença da usucapião é possível a abertura de matrícula individualizada do apartamento, ainda que não exista registro formal do condomínio edilício no qual ele está inserido.

Diante de tais fundamentos, a demandante pediu pela reforma da sentença objurgada, para que os autos retornem ao Juízo originário e tenham prosseguimento.

Intimados, os réus deixaram de apresentar contrarrazões (fl. 147).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Onofre José Carvalho Agostini (152/153).

Após, os autos vieram conclusos. É o relatório.


VOTO

1. Admissibilidade

O presente recurso é tempestivo e está dispensado de preparo, em razão da concessão do benefício da justiça gratuita conferido à fl. 59, de modo que cumpre os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissiblidade.

2. Mérito

Nas razões recursais a apelante sustenta, em suma, a possibilidade jurídica do seu pedido, argumentando que a usucapião se trata de modo originário de aquisição do domínio e, por esse motivo, ainda que não tenha havido a instituição e registro do condomínio edilício onde está localizado o imóvel usucapiendo perante o Cartório competente, é possível a abertura de nova matrícula referente à unidade habitacional em litígio.

Todavia, a tese aventada não merece prosperar.

Destaco, por primeiro, que a usucapião se trata, efetivamente, de forma originária de aquisição da propriedade de bem móvel ou imóvel, pelo exercício da posse com animus domini, no tempo e forma exigidos pela lei, consoante art. 1.238 do Código Civil.

Sobre o instituto referido já decidiu esta Corte Catarinense de Justiça:


PROCESSUAL CIVIL - USUCAPIÃO - APARTAMENTO - SENTENÇA EXTINTIVA - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - PENDENTE REGISTRO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA - VIA ELEITA INADEQUADA - DECISÃO CONFIRMADA "1 A usucapião é o exemplo clássico de aquisição originária da propriedade, que pressupõe a inexistência de uma transação ou alienação da coisa por um antigo proprietário, e também apaga os ônus que acompanham a coisa. 2 O usucapião não é o meio idôneo para, indiretamente, regularizar administrativamente condomínio ou incorporação imobiliária de unidade de prédio de apartamentos". (TJSC, Apelação Cível n. 0010095-37.2014.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 18-09-2018). (Grifei)


Nesse sentido, ainda que se trate de modo originário de obtenção da propriedade de imóvel, a sentença declaratória de domínio da usucapião deve recair sobre um bem determinado, que já possua existência no mundo jurídico e fático. Isso porque a decisão proferida na ação petitória em deslinde apenas substitui o título de transmissão do domínio, que no caso da aquisição originária é inexistente,...

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