Acórdão Nº 0010102-22.2013.8.24.0054 do Sexta Câmara de Direito Civil, 11-02-2020

Número do processo0010102-22.2013.8.24.0054
Data11 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemRio do Sul
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão
L3071


Apelação Cível n. 0010102-22.2013.8.24.0054, de Rio do Sul

Relator: Desembargador André Carvalho


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVALIDAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. SENTENÇA QUE ACOLHEU A ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. RECURSO DO AUTOR.

DECADÊNCIA. APONTADA SIMULAÇÃO EM COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO CELEBRADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. AFERIÇÃO DA VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO QUE SE FAZ DE ACORDO COM O CÓDIGO BEVILÁQUA. DIPLOMA CIVIL ANTERIOR QUE CONSIDERAVA A SIMULAÇÃO COMO CAUSA DE ANULABILIDADE DO NEGÓCIO (ART. 147, II, DO CC/1916), SUJEITANDO-SE A PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS, A CONTAR DA REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO SIMULADO (ART. 178, § 9º, V, "b", CC/1916). PROPOSITURA DA AÇÃO ANULATÓRIA DEPOIS DE ESCOADO O LAPSO QUADRIENAL, DE MODO QUE IMPLEMENTADA A DECADÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA FIXADA SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO POR OCASIÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. ERRO MATERIAL, ANTE A IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. CORREÇÃO, DE OFÍCIO.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0010102-22.2013.8.24.0054, da comarca de Rio do Sul 1ª Vara Cível em que é/são Apelante(s) Valmir José Fronza e Apelado(s) Lirio Fronza e outro.

A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. André Luiz Dacol e Des. Stanley Braga.

Florianópolis, 11 de fevereiro de 2019




Desembargador André Carvalho

Relator





RELATÓRIO

Na Comarca de Rio do Sul (1ª Vara Cível), Valmir José Fronza ajuizou "ação de conhecimento para invalidação de negócio jurídico" contra Lírio Fronza, Nadir Sabina Fronza, Ivonete Neuhaus e TWH Transportes Ltda. EPP.

Por brevidade, adota-se o relatório da sentença, eis que traduz fielmente a marcha processual da instância de piso (fls. 104-105):


[O autor alegou], em resumo, que seus pais Jaime Fronza e Olga Fronza, em razão de que sua mãe estava acometida de câncer terminal, venderam aos réus Lírio e Sabina o imóvel matriculado sob o número 14497, sendo que tal negócio se deu de forma simulada, para que o respectivo imóvel não necessitasse ser inventariado, em razão da anunciada morte de sua genitora. Disse que o imóvel foi transferido aos dois réus na data de 04.05.1984, sendo que ela veio a falecer em 29.09.1984. Disse ainda, que havia um acordo entre seus pais e os dois réus, consistente na devolução do bem, após a morte de sua mãe.

Verberou que após o falecimento, seu pai passou a viver em união estável com a ré Ivonete Neuhaus, que aproveitando-se da fragilidade e idade avançada deste, fez com que os primeiros réus transferissem a totalidade do imóvel diretamente para ela, caracterizando uma verdadeira doação inoficiosa, ato que foi realizado através de escritura de compra e venda simulada.

Anotou que seu direito hereditário, assim como o dos demais herdeiros, foi tolhido em razão da primeira simulação, ato que deu ensejo à segunda simulação, a qual, da mesma forma, tolheu seu direito à herança.

Sublinhou que a ré Ivonete dividiu o terreno em duas novas matrículas, sendo que uma foi vendida para a ré TWH Transportes Ltda EPP, motivo pelo qual deve também figurar no pólo passivo da demanda.

Ao final, requereu a invalidade das doações realizadas através das escrituras de compra e venda e, por conseguinte os registros existentes na matrícula do imóvel.

Valorou a causa e juntou documentos.

Os réus Lírio Fronza e Nadir Sabina Fronza apresentaram contestação às fls. 41-45 e 85-89, respectivamente, arguindo em preliminar a prescrição e decadência, sendo que no mérito rechaçaram a versão apresentada pelo autor, sustentando a legalidade da venda. Pugnaram pela improcedência da demanda.

Ivonete Neuhaus apresentou resposta às fls. 55-59, alegando em primeiro lugar a prescrição. No mérito disse inexistir simulação ou fraude, devendo a ação ser julgada totalmente improcedente, ou, ainda, improcedente em relação apenas à última negociação tida como fraudulenta.

TWH Transportes contestou às fls. 62-66, arguindo a prescrição e decadência do direito do autor. No mérito, disse que a compra realizada obedeceu todos os tramites legais e pelo preço de mercado, devendo a ação ser julgada totalmente improcedente.

Houve réplica.

É o relatório.


Na sentença, o juízo de origem reconheceu a ocorrência da decadência do direito do autor. Convém transcrever a parte dispositiva do decisium (fl. 108):

Diante do exposto, com lastro no art. 178, § 9º, "b", do CC/16, pronúncio a decadência do direito do autor e, com fulcro no art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil, resolvo o processo.

Arca o autor com os pagamentos das despesas processuais, honorários advocatícios da parte ré, estes também fixados em 15% da condenação (CPC – art. 85, § 2º), verba que fica sobrestada em razão da justiça gratuita.

Transitado em julgado, arquive.

P.R.I.

Rio do Sul (SC), 22 de setembro de 2016.

Geomir Roland Paul

Juiz de Direito


Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, no qual afirmou que o termo inicial para invalidação do negócio jurídico simulado conta-se a partir da data da abertura da sucessão do genitor (último alienante), que faleceu em 12 de agosto de 2011, e não da data em que realizado o ato que se pretende invalidar, qual seja, 4 de maio de 1984. Para endossar a tese, trouxe à baila o REsp 999.921/PR, cuja aplicação ao presente caso requereu.

Ao final, pugnou o provimento do recurso para que "seja anulada a sentença proferida, determinado o regular processamento do feito e a continuidade dos atos processuais" (fl. 121).

Em contrarrazões, o primeiro e segundo réus manifestaram-se pela manutenção da sentença.

Este é o relatório.





VOTO

Inicialmente, considerando que a decisão recorrida foi publicada já na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (fl. 122), convém anotar que o caso será analisado integralmente sob o regramento da novel codificação, em consonância ao Enunciado Administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça.

Isso posto, uma vez satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Como visto, trata-se de recurso de apelação no qual o autor objetiva a reforma da sentença para que seja afastada a preliminar de decadência, com retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito.

Em suma, a controvérsia diz respeito à invalidação de atos jurídicos simulados (escrituras públicas de compra e venda de imóvel).

Na instância a quo, o magistrado reconheceu a ocorrência da decadência, sob o argumento de que já havia transcorrido, entre o ajuizamento da ação e a escrituração da primeira alienação tida por simulada, o prazo decadencial de quatro anos previsto no art. 178, § 9º, V, "b", do Código Civil de 1916.

Nas razões recursais, o apelante sustenta, basicamente, que não ocorreu a decadência, já que o termo inicial do prazo decadencial conta-se a partir da abertura da sucessão do alienante- momento em que os herdeiros tomam conhecimento das questões relativas ao patrimônio do de cujus.

Porém, razão não lhe assiste.

Compulsando os autos, verifica-se que o apelante narra a simulação em compra e venda de imóvel de seus genitores, Jaime Fronza e Olga Fronza. Disse que o casal, após a genitora ter sido diagnosticada com câncer, decidiu simular a alienação do bem aos apelados Lírio Fronza e Nadir Sabina Fronza, para evitar que o imóvel fosse incluído em inventário, tendo em vista a prenunciada morte da genitora. A respectiva escritura pública de compra e venda foi lavrada em 4 de maio de 1984.

Após o falecimento de Olga (ocorrido em 29 de setembro de 1984), o apelante expôs que o genitor iniciou união estável com a apelada Ivonete Neuhaus, acrescentando que ela se aproveitou da idade avançada dele para receber o imóvel dos apelados Lírio e Nadir, alienação datada de 29 de maio de 2009. Diante disso, sustentou que a segunda compra e venda representou doação inoficiosa, porquanto o imóvel foi transferido para a companheira do genitor, em vez de ter retornado para este, fato que, a seu ver, tolheu os direitos sucessórios dos herdeiros.

De imediato, nota-se que o primeiro negócio jurídico apontado como simulado foi realizado na vigência do Código Civil de 1916, de modo que a aferição da validade ou invalidade faz-se de acordo com a lei vigente ao tempo da sua celebração. Aliás, estabelece o art. 2.035 do Código Civil de 2002 que "A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, [...]".

Dado que o Código Beviláqua é a legislação aplicável ao caso, convém ressaltar que o Diploma Civil anterior tratava a simulação no âmbito da anulabilidade (art. 147, II, do CC/1916), diversamente do atual Código Civil que a inseriu no regime das nulidades (art. 167 do CC/2002), conforme se observa da redação dos dispositivos mencionados:

Art. 147. É anulável o ato jurídico:

I. Por incapacidade relativa do agente (art. 6).

II. Por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (art. 86 a 113).


Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.


Por ser a simulação espécie de ato anulável à luz dos ditames do Código Civil de 1916, é possível a sua convalidação pelo decurso do tempo, ou seja, se o interessado prejudicado não postula a anulação do...

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