Acórdão Nº 0010304-67.2012.8.24.0075 do Segunda Câmara Criminal, 29-09-2020

Número do processo0010304-67.2012.8.24.0075
Data29 Setembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0010304-67.2012.8.24.0075/SC



RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: CATIA KESTERING FRANCISCO (ACUSADO) APELADO: MARCELO ELIEZER OLIVEIRA FELIPPE (ACUSADO)


RELATÓRIO


O magistrado Guilherme Mattei Borsoi, por ocasião da sentença do ev. 370, elaborou o seguinte relatório:
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, representado pelo Promotor de Justiça em exercício nesta Vara, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 129, I, da Constituição Federal, e o art. 25, inciso III, da Lei n. 8.635/93 (Lei Orgânica do Ministério Público), mediante denúncia baseada em inquérito policial, nos termos do art. 100, §1º do Código Penal e dos artigos 24 e 41, do Código de Processo Penal promoveu Ação Penal contra Marcelo Eliezer Oliveira Felippe e Cátia Kestring de Souza, qualificado(a) nos autos, como incursos nas sanções dos arts. 121, § 3º c/c 121, § 4º, ambos do Código Penal, pela prática dos fatos delituosos assim descritos na peça acusatória:
Em 24 de janeiro de 2012, no Hospital Nossa Senhora da Conceição, localizado na Rua Vidal Ramos, n. 215, Centro, Tubarão/SC, o paciente Lucas Benedett Eyer Áreas, de tipo sanguíneo O, fator rh positivo (O+), foi submetido a uma cirurgia eletiva, em decorrência de uma fratura ocorrida no Fêmur.
Nesse passo, na realização de cirurgias eletivas o médico responsável faz o pedido de reserva de sangue através do banco de sangue do hospital, composto de médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem, os quais são treinados pelo Hemocentro de Santa Catarina (Hemosc) cabendo aos técnicos, dentre os quais os denunciados, a constante realização do exame de tipagem sanguínea, cada vez que provocados para a destinação de sangue supletivo a cirurgias e doenças.
Assim que, na véspera da cirurgia, em 23 de janeiro de 2012, por estar de plantão, foi determinado que a técnica de enfermagem CÁTIA KESTERING DE SOUZA realizasse a coleta de sangue da vítima, a fim de verificar sua tipagem sanguínea e fator Rh, constatando assim, qual o tipo de sangue deveria ser separado para a realização da cirurgia.
Não obstante, a denunciada não efetuou o procedimento padrão de segurança, deixando de realizar os testes como deveria pois CÁTIA KESTERING DE SOUZA, ao invés de proceder como devido, realizando todos exames de costume para verificar a tipagem sanguínea, agiu com negligência, haja vista que apenas consultou as informações constantes no cadastro do sistema TASI, o qual informava que Lucas Benedett Eyer Áreas possuía sangue tipo A- quando na verdade seu tipo sanguíneo era O+.
Em complemento, ao passar seu plantão para MARCELO ELIESER OLIVEIRA FELIPPE, sem realizar a contraprova, a primeira denunciada deixou pronto o rótulo com o nome da vítima, tipagem sanguínea errada (A-), setor de acomodação, data da coleta da amostra e o nome do técnico que coletou a amostra, com o fim de etiquetar as bolsas de sangue que seriam encaminhadas para a cirurgia. Ao assumir o plantão no banco de sangue, MARCELO ELIEZER OLIVEIRA FELIPPE separou bolsas de sangue tipo A- e também não realizo contraprova com a amostra de bancada colhida por CÁTIA KESTERING DE SOUZA, não tendo o comportamento técnico que lhe era devido, mantendo a informação errada de que o sangue da vítima era compatível com as bolsas de sangue A- separadas para a cirurgia.
Mesmo trabalhando no banco de sangue do Hospital Nossa Senhora da Conceição, onde é exigido a devida realização de procedimentos de segurança compulsórios, MARCELO ELIEZER OLIVEIRA FELIPPE e CÁTIA KESTERING DE SOUZA, se omitiram na realização do teste de tipagem sanguínea, confiando na informação repassada pela denunciada, que apenas consultou o sistema TASI para apurar o tipo sanguíneo da vítima.
Em decorrência desse negligência por ambos realizada foram enviadas bolsas de sangue tipo A- para a realização do procedimento cirúrgico anteriormente mencionado.
Ao necessitar de sangue durante a cirurgia, a qual efetuava reparo de ossos mais longo e volumoso do corpo humano, a vítima necessitou da transfusão de sangue quando foram aplicadas as bolsas negligentemente encaminhadas pelos denunciados CÁTIA e MARCELO levando a um quadro de coagulação intravascular disseminada, quando o organismo não apresenta capacidade de coagulação do sangue, o que resultou em choque hipovolumétrico, ou seja, grande sangramento decorrente de reações a tipagem incompatível, em face de problemas na coagulação, levando a vítima a óbito, posteriormente ao ato cirúrgico, já na unidade de tratamento intensivo, por tal razão.
Assim, constata-se que a vítima veio a óbito em decorrência da falta de cautela dos denunciado e inobservância de regra técnica, qual seja, a de realizar exames e contraprova que dão segurança a todo o sistema de reserva e destinação do sangue, o que fez com que viesse a falecer por problemas de coagulação ocasionado pelo sangue incompatível.
Recebida a denúncia (fl. 435), os acusados foram citados, tendo oferecido resposta à acusação por defensor constituído (fls. 441-444 e 507-510). N
ão verificada hipótese de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento.
Durante a instrução foram inquiridas 17 testemunhas, e ao final interrogados os acusados.
A defesa requereu diligências, as quais foram deferidas e atendidas.
Encerrada a instrução foram as partes intimadas para apresentarem suas alegações finais.
O Ministério Público apresentou alegações finais às fls. 1102-1112, indicando as provas acerca da materialidade e autoria, pugnando pela condenação dos acusadis pela prática da conduta tipificada nos arts. 121, § 3º c/c 121, § 4º, ambos do Código Penal.
A defesa por seu turno apresentou suas derradeiras alegações postulando a absolvição dos acusados, alternativamente, requereu a desconfiguração da majorante do artigo 121, §4º do Código Penal e, a fixação da pena mínima prevista, conforme peça de fls.1116-1122.
Acrescente-se que a denúncia foi julgada improcedente, absolvendo-se Marcelo Eliezer Oliveira Felippe e Cátia Kestring de Souza, com base no art. 386, VII do Código de Processo Penal.
O Ministério Público interpôs recurso de apelação (ev. 378). Em suas razões, requereu a condenação dos réus nos termos da denúncia.
Contrarrazões no ev. 387
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr. Paulo Antônio Günther (ev. 7, nesta instância), manifestou-se pelo provimento do recurso

Documento eletrônico assinado por SALETE SILVA SOMMARIVA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 294342v6 e do código CRC 54e476f8.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SALETE SILVA SOMMARIVAData e Hora: 3/9/2020, às 10:53:42
















Apelação Criminal Nº 0010304-67.2012.8.24.0075/SC



RELATORA: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: CATIA KESTERING FRANCISCO (ACUSADO) APELADO: MARCELO ELIEZER OLIVEIRA FELIPPE (ACUSADO)


VOTO


Primeiramente, cumpre ressaltar que, na data de 14-11-2011, a vítima sofreu acidente automobilístico que provocou fraturas no fêmur direito, clavícula esquerda, úmero esquerdo e bacia, razão pela qual passou por diversos procedimento cirúrgicos, até receber alta no dia 13-12-2011.
Posteriormente, em 16-01-2012, o ofendido se dirigiu até o hospital em função de dores que estava sentindo na perna, ocasião em que se verificou o deslocamento do fêmur dentro da sua bacia, sendo determinada a sua internação.
No dia 24-01-2012 foi procedida nova intervenção cirúrgica na vítima para correção da fratura, porém ocorreram complicações no procedimento que provocaram sua morte por coagulação intravascular disseminada, choque refratário e choque hipovolêmico (ev. 1, doc. 279).
Sobre o ocorrido, o médico cirurgião Sérgio Valério Escobar, perante a autoridade judicial, narrou:
Que atendeu Lucas em várias atendimentos, na primeira internação apresentou uma fratura de fêmur, de úmero... poli traumatizado em decorrência de acidente de moto; que após cirurgia teve alta e depois voltou novamente com uma nova fratura de fêmur, o qual foi internado para nova cirurgia, que foi quando ocorreu este fato; [...] que foi uma cirurgia de grande porte, que era uma refratura; que uma fratura de fêmur é uma fratura de grande porte, e quando é uma refratura, vai ser uma cirurgia maior ainda e que há uma grande perda sanguínea; que diante disso há necessidade de se fazer a reserva de sangue; [...] que durante a cirurgia foi verificada a necessidade de pedir as bolsas de sangue; e o paciente começou a passar mal; que num determinado momento o enfermeiro comunicou para parar a aplicação de sangue porque havia sido encaminhado sangue errado; [...] que o depoente já havia terminado a cirurgia e já havia fechado o ferimento, e o depoente tirado as vestes; que então começou a "jorrar" sangue pela cicatriz; [...] que então o anestesista resolveu chamar um médico vascular pra verificar se não havia nenhum vaso sanguíneo comprometido, que abriram a cicatriz e viram que não havia nenhum sangramento; que o paciente começou a passar mal e pediram sangue; que já estava havendo uma hemólise muito grande porque a urina já estava bem escura; [...] que o depoente ficou no local até umas nove horas da noite, e depois ficou sabendo que o paciente tinha evoluído a óbito; [...] que quem verificou a necessidade de pedir as bolsas de sangue foi o anestesista; que depois de realizado todo o procedimento, enquanto estava fazendo a sutura, que começou o sangramento; [...] que o paciente começou a passar mal e o anestesista começou a pressionar a bolsa de sangue para...

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