Acórdão nº 0010517-57.2016.8.14.0028 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 3ª Turma de Direito Penal, 13-11-2023

Data de Julgamento13 Novembro 2023
Órgão3ª Turma de Direito Penal
Year2023
Número do processo0010517-57.2016.8.14.0028
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoCrimes contra a Ordem Tributária

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0010517-57.2016.8.14.0028

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

APELADO: JOSE MARTINS DA SILVA, JOSE ORLANDO DE ALMEIDA BARROS SILVA

RELATOR(A): Desembargador PEDRO PINHEIRO SOTERO

EMENTA

EMENTA:

APELAÇÃO PENAL. CRIME CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO. PRODUTO IMPRÓPRIO PARA CONSUMO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. PLEITO CONDENATÓRIO. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. PROVA IMPRESCINDÍVEL. RECURSO IMPROVIDO.

1. Para a caracterização do crime contra a relação de consumo de vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo (artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90) a realização de perícia é imprescindível.

2. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, integrantes desta Egrégia 3ª Turma de Direito Penal, por unanimidade de votos, EM CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Julgado em ambiente virtual em sessão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no período de .... a .... de ........... de 2023.

Julgamento presidido pelo (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) Desembargador (a) _______________________________.

Belém, .... de ................. de 2023.

DES. PEDRO PINHEIRO SOTERO

RELATOR

RELATÓRIO

PROCESSO Nº 0010517-57.2016.8.14.0028

APELAÇÃO PENAL

ÓRGÃO JULGADOR: 3ª TURMA DE DIREITO PENAL

COMARCA DE ORIGEM: 2ª VARA CRIMINAL DE MARABÁ

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

APELADOS: JOSÉ MARTINS DA SILVA E JOSÉ ORLANDO DE ALMEIDA BARROS

PROCURADOR DE JUSTIÇA: FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA

REVISOR: DESA. EVA DO AMARAL COELHO

RELATOR: Des. PEDRO PINHEIRO SOTERO

Cuidam os autos de recurso de apelação penal, interposto pelo Ministério Público do Estado do Pará em face de sentença prolatada pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Marabá/PA, que absolveu os apelados da prática de crime contra a relação de consumo.

Narra a inicial acusatória que no dia 31.05.2016, durante uma diligência do Ministério Público do Estado do Pará em conjunto com as equipes de fiscalização da ADEPARÁ e do Ministério da Agricultura, JOSÉ MARTINS DA SILVA foi preso em flagrante na fazenda Rufa de propriedade de JOSÉ ORLANDO DE ALMEIDA BARROS SILVA, onde funcionava uma fábrica de laticínios clandestina para a produção e comercialização de queijos e manteiga.

Os produtos foram apreendidos (Auto de Apresentação e Apreensão de Objeto) e inutilizados (Auto de Inutilização nº 12/2016).

Por tais fatos, o representante ministerial denunciou os recorridos como incursos na prática delitiva prevista no art. 7º, IX da Lei nº 8.137/90[1].

Após regular trâmite processual, o juízo singular julgou improcedente a denúncia para absolver os acusados.

Irresignada, a acusação apresentou o presente Apelo pugnando pela reforma da sentença (ID 10418609).

Em contrarrazões (ID 10418617), os apelados reafirmam a ausência de provas suficientes para comprovar o fato imputado.

Encaminhados os autos a este Egrégio Tribunal de Justiça, o feito veio à minha relatoria, oportunidade em que determinei a remessa dos autos ao exame e parecer do custos legis.

Instado a se manifestar, o custos legis, através do Procurador de Justiça Francisco Barbosa, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, sustentando a prescindibilidade do exame pericial, em razão dos demais elementos de prova constantes dos autos.

É o relatório que submeto à douta revisão.

Belém/PA, ... de ................ de 2023.

DES. PEDRO PINHEIRO SOTERO

Relator



[1] Vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo.

VOTO

CONHEÇO do presente recurso porque atendidos os pressupostos de admissibilidade.

DAS PROVAS SUFICIENTES PARA CONFIGURAR AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO

Alega o APELANTE, que a conduta praticada na espécie se amolda ao que está conceituado no inciso II do §6º do artigo 18 do Código de defesa do Consumidor, razão pela qual a perícia seria prescindível. Assevera, ainda, que a avaliação externa dos produtos apreendidos realizada pelas equipes de fiscalização é suficiente para caracterização do crime.

Assim, transcrevo:

A prova testemunhal foi uníssona quanto a presença no local de grandes quantidades de produtos químicos proibidos na fabricação do queijo e manteiga.

A alegação de que os produtos seriam utilizados para a limpeza do local deve ser rechaçada, visto que não tem qualquer plausibilidade jurídica considerar que grandes quantidade de peróxido de hidrogênio (água oxigenada - 50 litros) e da soda cáustica (20 kg), sejam armazenados em indústria de produtos lácteos, apenas para serem utilizados na limpeza do local, notadamente porque água oxigenada não é comumente utilizada em limpeza e desinfecção de ambientes. Colhe-se através de breve consulta na internet a informação de que, lamentavelmente, essa é uma prática comum na produção irregular de leite e derivados com prejuízo à saúde e a vida do consumidor.

(...)

Por outro lado colheu-se do caderno processual que os apelados faziam do laticínio a sua principal atividade econômica, exercida de forma habitual e destinada ao consumo do público em geral, em mercados e feiras do Município.

Destaca-se que os subprodutos de origem láctea sem procedência, fruto de laticínio clandestino, abastecia o comércio local expondo o consumidor a risco de contaminação pelo consumo de produtos lácteos sem fiscalização e em desacordo com as normas sanitárias.

As embalagens utilizadas- para acondicionamento encontradas eram de outro estabelecimento situado em município diverso, sem identificação da origem, validade , quantidade, registro no serviço de inspeção municipal (SIM), contrariando o disposto no art. 6º, inciso II da Lei nº 8.078/90 (CDC), evidenciando o claro propósito de fraude e violação da boa fé.

(...)

Com efeito , constatou-se que o laticínio clandestino administrado pelos ora recorridos estava funcionando sem as licenças sanitárias e o registro nos órgãos competentes em desacordo, portanto, com a legislação sanitária e consumerista.

Com a devida vênia, o lastro probatório constante dos autos é robusto o suficiente e não carece de laudo pericial para demonstrar que o subproduto de origem láctea produzido em laticínio clandestino, em desacordo com a legislação sanitária deve ser considerado impróprio para consumo humano.”

Não obstante as ponderações acima, verifica-se que o recurso em apreço não merece acolhimento pelas razões a seguir expostas.

De acordo com o inciso IX do art. 7º da Lei nº 8.137/90:

Art. 7º Constitui crime contra as relações de consumo:

IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;

Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Trata-se de norma penal em branco complementada pelo art. 18, §6º, I, II, III do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) que define como produtos impróprios para o consumo aqueles:

Inciso I - “cujos prazos de validade estejam vencidos”.

Inciso II - “aqueles “deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação”.

Inciso III - “os produtos que por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”.

Algumas decisões jurisprudenciais sinalizam se tratar de crimes materiais, de perigo concreto, exigindo o laudo pericial como prova material para comprovar a potencialidade lesiva e os riscos dos produtos à saúde do consumidor. Outras entendem se tratar de crimes formais, de perigo abstrato, bastando a infringência da norma para a ocorrência do delito, sem necessidade de prova pericial para atestar as condições impróprias ao consumo, condições estas presumidas desde que existam outros elementos probatórios suficientes para formar a convicção da prática do delito.

Diante dessa divergência, atualmente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de se tratar de crime de perigo concreto que deixa vestígios, razão pela qual necessária a realização de exame pericial nos produtos pretensamente impróprios, nos termos do art. 158 do CPP, a fim de que seja comprovada a sua real nocividade para consumo, conforme jurisprudências abaixo colacionadas:

Segue abaixo jurisprudência pacífica acerca do assunto:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. , INCISO IX, DA LEI Nº 8.137/1990. MATERIALIDADE. PERÍCIA. NECESSIDADE. Revendo orientação prevalente nesta Corte (v. G., REsp nº 472.038/PR, 5ª Turma, Rel. Min Gilson Dipp, DJ de 25/2/2004 e REsp nº 620.237/PR, 5ª Turma, de minha relatoria, DJ de 16/11/2004), cumpre alterar o entendimento acerca da matéria, para estabelecer que nos crimes previstos no art. , inciso IX, da Lei nº 8.137/1990 é indispensável a realização de perícia, quando possível sua realização, a fim de se atestar se o produto é ou não impróprio para o consumo (Precedente do c. Supremo Tribunal Federal). Recurso especial desprovido. (REsp nº 1.112.685/SC, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJe de 29/3/2010.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. LEI N.8.137/1990. CRIMES CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO. MERCADORIA IMPRÓPRIA PARA CONSUMO. EXAME PERICIAL. NECESSIDADE. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA 83/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que, para caracterizar o delito previsto no art. , IX, da Lei n. 8.137/1990 - crime contra as relações de consumo -, é imprescindível a realização de perícia a fim de atestar se as mercadorias apreendidas estavam em...

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