Acórdão Nº 0010576-28.2018.8.24.0018 do Quinta Câmara Criminal, 19-08-2021

Número do processo0010576-28.2018.8.24.0018
Data19 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0010576-28.2018.8.24.0018/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: CLAUDIOMIR CAGLIONI DOS SANTOS (RÉU) APELANTE: LAURI DE VARGAS VIEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Claudiomir Caglioni dos Santos e Lauri De Varga Vieira, imputando-lhes a prática delituosa disposta no artigo 171, caput, na forma do artigo 29, ambos do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento n. 8 da ação penal):

Na data de 5 de julho de 2018, por volta das 14h30min, em frente à Delegacia Regional de Polícia Civil, situada na Rua Uruguai, Centro, Chapecó/SC, os denunciados Claudiomir Caglioni dos Santos e Lauri de Vargas Vieira, previamente ajustados entre si e visando obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, sabedores de que a vítima Carlos Henrique Mascarenhas da Silva possuía mais de dois quilos de pedras de rubis brasileiros, avaliadas em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) e que pretendia vendê-las, induziram e mantiveram a vítima em erro, mediante artifício e ardil.

Para tanto, o denunciado Claudiomir Caglioni dos Santos, apresentando-se como Bryan dos Santos, alegando que intermediaria a venda das referidas pedras preciosa para um pretenso comprador de nome Valdir, marcou um encontro com a vítima na Delegacia Regional de Polícia Civil, sob o pretexto de que referido comprador pretendia realizar a avaliação das pedras, com um perito.

Assim induzindo em mantendo a vítima em erro, ao se encontrar com esta no local combinado, o denunciado Claudiomir pediu para que a vítima aguardasse na porta da Delegacia Regional, uma vez que o possível comprador não queria muita gente na sala de avaliação - tendo inclusive mostrado um áudio neste sentido para vítima- ocasião em que se apossou da sacola contendo as pedras preciosas, e ato contínuo, ludibriando a vítima, adentrou no prédio público e, por outra porta, evadiu-se do local, contando com o apoio do denunciado Lauri de Vargas Vieira, o qual permaneceu nas adjacências da delegacia, a fim de possibilitar a fuga em um veículo automotor.

Passado mais de uma hora da entrada do denunciado Claudiomir, percebendo a demora em seu retorno, a vítima ingressou no prédio público em busca de "Bryan" e do suposto comprador "Valdir", no entanto, não localizou nenhum dos dois.

A denúncia foi recebida em 25 de outubro de 2018 (evento n. 23 da ação penal), os acusados foram citados (eventos n. 27 e 48 da ação penal) e apresentaram resposta à acusação (eventos n. 55 e 56 da ação penal)

As defesas foram recebidas e não sendo caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento n. 82 da ação penal).

Na instrução processual foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e os acusados foram interrogados (eventos n. 115 e 157 da ação penal).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público (evento n. 189 da ação penal) e pela defesa (eventos n. 193 da ação penal), sobreveio sentença (evento n. 196 da ação penal) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto julgo parcialmente PROCEDENTES os pedidos formulados na denúncia para o fim de:

A) DAR o acusado CLAUDIOMIR CAGLIONI DOS SANTOS, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal e, em consequência, condená-lo ao cumprimento de 10 (dez) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, e ao pagamento de 08 (oito) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos;

B) DAR o acusado LAURI DE VARGAS VIEIRA, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 171, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal e, em consequência, condená-lo ao cumprimento de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e ao pagamento de 08 (oito) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Irresignado, o réu Lauri interpôs recurso de apelação (evento n. 199 da ação penal) e em suas razões recursais (evento n. 205 da ação penal) requer a extinção da sua punibilidade em razão da ausência de representação da vítima, a absolvição do crime pelo qual foi condenado ante a insuficiência de provas de autoria para lastrear a condenação e, por fim, a reforma da dosimetria da pena.

Por sua vez, também inconformado, o réu Claudiomir, em suas razões recursais (evento n. 206 da ação penal), pugna preliminarmente a extinção da punibilidade em razão da ausência de representação da vítima. No mérito, requer a absolvição pela ausência de provas ou por atipicidade da conduta, sob a tese de crime putativo ou, ainda, crime impossível. Na dosimetria da pena pretende a reforma do cálculo dosimétrico e, por fim, a concessão do perdão judicial.

O Ministério Público apresentou as contrarrazões (evento n. 237 da ação penal) e os autos ascenderam a este Tribunal.

Lavrou parecer (evento n. 9) pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Procurador Jorge Orofino da Luz Fontes pelo parcial conhecimento dos apelos, e nesta extensão, pelo desprovimento dos recursos.

Este é o relatório.

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos por Claudiomir Caglioni dos Santos e Lauri de Vargas Vieira, irresignados com a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Chapecó, que condenou: Claudiomir Caglioni dos Santos à pena de 10 (dez) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, e ao pagamento de 08 (oito) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao artigo 171, caput, c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal; e Lauri de Vargas Vieira à pena de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e ao pagamento de 08 (oito) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos por infração ao artigo 171, caput, c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal.

1. Preliminar - Ausência de representação

Os apelantes pleitearam a extinção do processo sob o seguinte fundamento: "(...) por não ter as condições legais da ação condicionada a representação da vítima, nos preceitos do art. 170 § 5° do Código Penal"

O Supremo Tribunal Federal, em seu Informativo n. 995, através do HC 187341/SP, Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 13.10.2020, da 1ª Turma, apontou que "não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do Código Penal, incluída pela Lei 13.964/2019 ("Pacote Anticrime"), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal".

Em mesmo sentido é o Informativo n. 674 do Superior Tribunal de Justiça, de processo oriundo deste Tribunal Catarinense (HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020):

A Lei n. 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime", alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.

Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu.

Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade.

Não divergente é o entendimento desta Câmara Criminal:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO PRATICADO NA MODALIDADE TENTADA (CÓDIGO PENAL, ART. 171, CAPUT, COMBINADO COM ART. 14, II). SENTENÇA CONDENATÓRIA. PARCIAL ACOLHIMENTO DO PRETÉRITO INCONFORMISMO. APONTADA OMISSÃO DO JULGADO. MATÉRIA A SER ALEGADAMENTE APRECIADA DE OFÍCIO. RECONHECIMENTO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO AGENTE PELA DECADÊNCIA. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA DA AÇÃO PENAL DE INCONDICIONADA PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO PELA LEI 13.964/2019. INOCORRÊNCIA. ATO JURÍDICO PERFEITO QUE NÃO É ALCANÇADO PELA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. MÁCULA NÃO CONFIGURADA. TESE REMANESCENTE. ANÁLISE PREJUDICADA. ACLARATÓRIOS CONHECIDOS E REJEITADOS. (TJSC, Apelação Criminal n. 0001360-40.2018.8.24.0019, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 29-10-2020).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGADA OMISSÃO INDIRETA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO, DE OFÍCIO, ACERCA DA DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. DECADÊNCIA INEXISTENTE. NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. CRIME QUE, COM A VIGÊNCIA DA LEI 13.964/19, PASSOU A SER DE AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. PROCESSO JÁ INICIADO NO MOMENTO DE VIGÊNCIA DA LEI NOVA. PROCESSOS EM CURSO QUE NÃO NECESSITAM DA INTIMAÇÃO DA VÍTIMA PARA SE MANIFESTAR A CERCA DE SEU DESEJO DE VER O RÉU PROCESSADO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. PEDIDO QUE SE NEGA ACOLHIMENTO. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, "H", DO CP. VÍTIMA DE ESTELIONATO QUE CONTA COM 52 ANOS DE IDADE. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS NO PONTO PARA AFASTAR A AGRAVANTE EM APREÇO. EMBARGOS DE...

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