Acórdão nº 0010715-42.2016.8.14.0401 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Penal, 02-10-2023

Data de Julgamento02 Outubro 2023
Órgão2ª Turma de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0010715-42.2016.8.14.0401
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoCrimes contra a Ordem Tributária

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0010715-42.2016.8.14.0401

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

APELADO: MARCELO ANTONIO PESSOA CEBOLAO, FERNANDO ANTONIO PESSOA CEBOLAO

RELATOR(A): Desembargadora MARIA DE NAZARE SILVA GOUVEIA DOS SANTOS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – SENTENÇA ABSOLUTORIA – RECURSO MINISTERIAL – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PARCIAL PROCEDENCIA.

1. A materialidade delitiva restou comprovada no auto de infração de n. 012010510001194-2 e demais documentos que relatam que o contribuinte não recolheu imposto de ICMS sobre produto referente aos meses de março, abril, julho, outubro e dezembro de 2007.

Igualmente, a autoria delitiva se evidencia pelo conjunto probatório, como depoimentos testemunhais e documentos que comprovam o ilícito tributário, além de que, como cediço na jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, é suficiente a presença do dolo genérico, sendo dispensável a demonstração do fim específico de se obter o benefício indevido, o que configura o crime se o agente deixa de recolher tributo devido ao Fisco, omitindo operações sujeitas ao recolhimento de ICMS nos documentos e livros fiscais, realizando vendas sem a emissão das notas correspondentes às operações mercantis. Reformada a sentença para condenar os apelados ao delito previsto no art. 1º, I, II, IV e V da Lei 8.137/90 e art. 71 do Código Penal Brasileiro.

Aplicação da pena: considerando favoráveis as circunstâncias judiciais, pena base fixada no mínimo legal (2 anos de reclusão e 10 dias-multa). Ausentes atenuantes e agravantes e causas de diminuição de pena. Pelo aumento da reprimenda, consoante se tratar de crime continuado (art. 71 do CPB), majoro a pena em 1/3, por se tratar de 5 infrações, restando fixada definitivamente em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, aos dois apelados.

Deixo de aplicar o disposto no art. 12, I da Lei 8.137/90, uma vez que o valor sonegado não alcança o montante exigido para que seja majorada a pena. Entendimento majoritário da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Nos termos do artigo 44, I a III e §2º do Código Penal, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade ora imposta, para ambos, por uma restritiva de direito e multa ou duas restritivas de direitos, a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Desembargadores, que integram a 2ª Turma de Direito Penal, deste Egrégio Tribunal de Justiça do estado do Pará, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos da fundamentação do voto da Excelentíssima Senhora Desembargadora - Relatora Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos.

RELATÓRIO

O MINISTERIO PÚBLICO ESTADUAL interpôs o presente recurso contra a sentença do Juízo de Direito da 13ª Vara Criminal da Comarca de Belém que julgou improcedente a denúncia contra os acusados Marcelo Antônio Pessoa Cebolão e Fernando Antônio Pessoa Cebolão da prática do delito previsto no art. 1º, I, II, IV e V da Lei n. 8.137/90, c/c art. 71, caput do Código Penal Brasileiro e art. 12, I da referida Lei.

Narra a denúncia que os acusados, nos meses de março, abril, julho, outubro e dezembro de 2007, omitiram informação (saída de mercadorias tributáveis) ou prestaram declaração falsa (crédito indevido e valor a menor do ICMS) às autoridades fazendárias (art. 1º, I da Lei 8.137/90); deixaram de registrar as saídas de mercadorias nos livros de saída de mercadorias e de apuração do ICMS (art. 1º, II da Lei 8.137/90); registraram NFs inidôneas como isentas, mesmo se tratando de operações tributáveis (art. 1º, IV da Lei 8.137/90), bem como o contribuinte, representado e gerido pelos acusados, forneceu, quando da venda de mercadorias, um documento fiscal em desacordo com a legislação, infringindo o art. 1º, V da Lei 8.137/90.

O processo seguiu os trâmites legais.

O juízo a quo julgou improcedente a denúncia, absolvendo os apelados Marcelo Antônio Pessoa Cebolão e Fernando Antônio Pessoa Cebolão da prática do delito previsto no art. 1º, I, II, IV e V da Lei n. 8.137/90, c/c art. 71, caput do Código Penal Brasileiro e art. 12, I da referida Lei, por insuficiência de prova, conforme preceito do art. 386, VII do Código de Processo Penal.

Inconformado, o órgão acusador recorreu da decisão pugnando pela reforma da decisão absolutória, uma vez que as provas produzidas durante a instrução processual são suficientes para provar a autoria e materialidade delitiva imputadas aos apelados, os quais devem ser condenados pela prática do delito previsto no art. 1º, I, II, IV e V da Lei 8.137/90 c/c art. 71, caput do Código Penal Brasileiro e art. 12, I da mesma Lei.

Em contrarrazões, a defesa manifesta-se, preliminarmente, pela intempestividade das razões de apelação, uma vez que o recurso de apelação foi apresentado em 29.05.2018 e as razões apenas em 24.07.2018 e no mérito, pela manutenção da sentença absolutória, ante a ausência de dolo na conduta dos apelados.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso para que seja reformada a decisão.

É o relatório.

À revisão para julgamento na sessão do Plenário Virtual.

VOTO

VOTO

Quanto a preliminar arguida é cediço na jurisprudência que é a interposição das razões se trata de mera irregularidade o que não macula o andamento regular do processo. Rejeição.

A priori, sabe-se que, com relação a materialidade, o lançamento definitivo, materializado pelo Ainf, é suficiente a demonstrar a materialidade, valendo como presunção de legitimidade do ato administrativo. Entendimento do STJ e STF, inclusive da sumula vinculante n. 24 do STF que dispõe: Não se tipifica o crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

Transcrevo entendimento jurisprudencial nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 28-A DO CPP. PLEITO DE ABERTURA DE VISTA DOS AUTOS AO PARQUET PARA POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO RETROATIVO DE PROPOSTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). DENÚNCIA QUE JÁ TINHA SIDO RECEBIDA. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DE AMBAS AS TURMAS DA TERCEIRA SEÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS IMPRESCINDÍVEIS PARA A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL (CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA). PRESCINDIBILIDADE PARA O PROCESSAMENTO E CONDENAÇÃO POR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE COLACIONOU VASTO CONTEÚDO PROBATÓRIO APTO A CONFIGURAR A MATERIALIDADE DELITIVA. REVISÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

13. A certidão de dívida ativa é dispensável para fins de processamento e condenação por crime contra a ordem tributária. O que se mostra indispensável para persecução penal é o procedimento administrativo e o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante 24/STF. A certidão de dívida ativa tem importância para fins de execução fiscal e diz respeito a procedimento posterior ao lançamento definitivo (AgRg nos EDcl no HC 528473/PB, Ministro Sebastião Reis Junior, DJe 11/10/2019).

14. Além do reconhecimento da constituição definitiva do crédito, verifica-se que as instâncias ordinárias colacionaram vasto material probatório, apto a justificar o reconhecimento da materialidade delitiva. Revisar tal entendimento é inviável na via eleita ante o óbice da Súmula 7/STJ.

15. [...] em crimes contra a ordem tributária, a constituição definitiva do crédito tributário é apta para comprovar a materialidade. Precedentes. [...]

(REsp n. 1.874.525/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023.)

Como é cediço, a materialidade dos crimes listados no art. 1º, inciso I a IV, da Lei n. 8.137/1990 apenas se verifica com a constituição definitiva do crédito tributário, situação que ocorre por meio do procedimento tributário devidamente instaurado. Assim, o direito penal apenas passa a ter lugar após verificada a adequada tipicidade da conduta imputada.

Nesse contexto, a materialidade delitiva se fundamenta no auto de infração de n. 012010510001194-2 e demais documentos que relatam que o contribuinte não recolheu imposto de ICMS sobre produto referente aos meses de março, abril, julho, outubro e dezembro de 2007.

Quanto a autoria delitiva, em que pese a aplicação da teoria do domínio do fato e considerando ainda que não basta a mera condição de socio para embasar uma condenação, é necessário evidenciar o responsável pelos riscos da empresa, pela fiscalização do andamento do negócio, o qual realiza as declarações fiscais, mantem livros e documentos fiscais devidamente registrados e demais atos importantes ao bom andamento da empresa.

Durante a instrução processual, o Auditor Fazendário, Sr. Mario Fabiano da Ponte Souza, disse que teve acesso a todos os livros fiscais, notas fiscais e Diefs; que o contribuinte apresentou toda a documentação requisitada; que constou omissão de saídas de mercadorias pelas notas fiscais de ainda de pescado in natura que eram vendidas para revendedoras com base numa isenção que não procedia; que a irregularidade praticada pelo contribuinte foi observada no emprego do art. 155 do Regulamento do ICMS, que trata das isenções do pescado para consumo final, e não para revendedores; que não havia isenção utilizada pelo contribuinte, porque ele vendeu para revendedores que não eram consumidores finais; que analisou 13 notas fiscais; que houve prova documental da não tributação; que as notas fiscais estavam todas registradas nos livros fiscais constando mercadorias como isentas, mas que deveriam ter sido tributadas; que a isenção só é válida quando a mercadoria...

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