Acórdão Nº 0010833-61.2016.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 27-01-2022

Número do processo0010833-61.2016.8.24.0038
Data27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0010833-61.2016.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: FELIPE GONCALVES LEAL APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO

RELATÓRIO

No Juízo da Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Felipe Gonçalves Leal, pela prática, em tese, da infração penal contra a vida disposta no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória (Evento 21 dos autos originários):

No dia 27 de junho de 2016, por volta das 16 horas, na agência da Cooperativa de Crédito Sicoob, situada à Rua Conselheiro Pedreira, n. 33, Distrito de Pirabeiraba, Joinville, o denunciado FELIPE GONÇALVES LEAL, que exercia a função de vigilante no estabelecimento, travou discussão com a vítima Edson Luiz Gadotti, quando ela pediu para entrar na agência, com o objetivo de descontar uma cártula de cheque.

Em determinado momento, enquanto a vítima insistia para ser atendida, o denunciado sacou repentinamente o revólver calibre .38 que portava, e, agindo com nítido animus necandi, desferiu o primeiro disparo contra Edson, inclusive rompendo com o vidro que lhe separava da vítima.

Logo após, firme no propósito de matar, o denunciado FELIPE se aproximou da vítima e lhe desferiu outros dois disparos nas costas, causando-lhe os ferimentos que determinaram a sua morte.

O móvel propulsor do crime foi fútil, porquanto o denunciado matou a vítima pelo simples fato de que ela insistiu em entrar, após o horário, no setor de atendimento pessoal da agência para descontar um cheque

O crime foi cometido com recurso que dificultou a defesa da vítima, eis que foi atingida repentinamente pelo primeiro disparo, em momento que não poderia esperar ser agredida, especialmente porque entre ela e o denunciado havia uma barreira de vidro.

Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença de pronúncia, submetendo o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri pelo cometimento do crime relatado na peça vestibular (Evento 123 dos autos originários).

Inconformado com a prestação jurisdicional, a defesa interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi conhecido e desprovido (Evento 59 destes autos).

Realizado o julgamento perante o Conselho de Sentença, o magistrado singular julgou procedente a denúncia para "dar o réu FELIPE GONÇALVES LEAL como incurso no art. 121, II e IV, c/c art. 59, caput, art. 65, III, d, do Código Penal e condená-lo ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos de reclusão, no regime fechado" (Evento 320 dos autos originários).

Irresignado com o decisum, o réu manejou a presente insurgência, sustentando, em síntese, que a decisão dos jurados, no tocante à qualificadora do motivo fútil, revela-se manifestamente contrária à prova dos autos, razão pela qual busca a realização de novo julgamento (Evento 362 dos autos originários).

Postula, ademais, a reforma do cálculo dosimétrico, para que a circunstância judicial atinente ao comportamento da vítima seja valorada em benefício ao acusado, fixando-se, por conseguinte, a reprimenda no mínimo legal.

Por fim, pretende a fixação dos honorários advocatícios pela apresentação das razões recursais com base na tabela da OAB/SC.

Em contrarrazões, o representante do Ministério Público propôs a manutenção incólume da sentença recorrida (Evento 368 dos autos originários).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 88 destes autos).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1810938v3 e do código CRC f7d20a88.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIROData e Hora: 26/1/2022, às 8:41:44





Apelação Criminal Nº 0010833-61.2016.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: FELIPE GONCALVES LEAL APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Felipe Gonçalves Leal, em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Joinville que, considerando o julgamento externado pelo Conselho de Sentença, julgou procedente a pretensão deduzida na denúncia e o condenou à pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado, em razão do cometimento, em tese, do delito insculpido no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal.

Consta da peça vestibular, em suma, que, no dia 26-06-2016, por volta das 16 (dezesseis) horas, o recorrente, de forma consciente e voluntária, após prévio desentendimento, realizou 3 (três) disparos de arma de fogo contra a vítima, provocando-lhe lesões que foram a causa determinante da sua morte.

Segundo se depreende da denúncia, a motivação para a prática do delito decorreu da insistência do ofendido em ingressar, depois do horário de funcionamento, no estabelecimento comercial no qual o acusado trabalhava como vigilante. De acordo com a pretensão acusatória, o homicídio foi praticado mediante elemento surpresa, pois a deflagração do primeiro disparou ocorreu através de uma barreira de vidro.

Por tais razões, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Felipe Gonçalves Leal, pela suposta prática do crime descrito no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal.

Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença de pronúncia, a qual foi mantida em acórdão proferido por esta Corte de Justiça.

Por força do julgamento externado pelo Tribunal do Júri, o acusado foi condenado à sanção penal de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, nos termos formulados pelo representante do Parquet,

Irresignado, o réu manejou o presente reclamo.

À vista disso, passa-se à análise dos pleitos recursais.

1. Da admissibilidade

O recurso interposto pelo apelante preenche parcialmente os pressupostos de admissibilidade, porquanto o pedido relativo à fixação da pena no mínimo legal em razão da valoração do comportamento da vítima em benefício ao acusado não comporta conhecimento.

Isso porque, vê-se que a sentença vergastada, a despeito de ter considerado a circunstância judicial atinente à conduta do ofendido como neutra, estabeleceu a reprimenda em 12 (doze) anos, de modo que o pleito aventado nas razões carece de interesse recursal, por já encontrar-se contemplado pela decisão atacada.

Em situação semelhante, colhe-se:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA (CP, ART. 121, §2º, I, C/C ART. 14, II) - RECURSO DEFENSIVO - PRELIMINARES - ALEGADAS FALHAS NA QUESITAÇÃO - INDAGAÇÃO ESPECÍFICA PARA A TESE DE LEGÍTIMA DEFESA - PRESCINDIBILIDADE - QUESITO RELACIONADO À ABSOLVIÇÃO QUE ABRANGE TODAS AS TESES DEFENSIVAS - QUESITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE LESÕES CORPORAIS - EXISTÊNCIA DE QUESTIONAMENTO ACERCA DA OCORRÊNCIA DE CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO - QUESITO QUE CONTEMPLA A TESE INVOCADA - CONSELHO DE SENTENÇA CIENTE DAS CONSEQUÊNCIAS DAS RESPOSTAS PARA CADA QUESTIONAMENTO - EIVAS INEXISTENTES - PREFACIAIS RECHAÇADAS - MÉRITO - ALEGADA DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS (CPP, ART. 593, III, "D") - INOCORRÊNCIA - DECISÃO FUNDADA EM UMA DAS VERSÕES EXISTENTES NOS AUTOS - ELEMENTOS PROBATÓRIOS APTOS A AMPARAR A DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA - PREVALÊNCIA DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS (CF, ART. 5º, XXXVIII, "C") - CONDENAÇÃO MANTIDA - DOSIMETRIA - PRIMEIRA FASE - PLEITO DE FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL - PROVIDÊNCIA JÁ OPERADA NA ORIGEM - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - NÃO CONHECIMENTO - TERCEIRA FASE - TENTATIVA - ITER CRIMINIS QUE JUSTIFICA A REDUÇÃO DA PENA NO PATAMAR DE 1/2 - PENA REAJUSTADA - MANUTENÇÃO DO REGIME SEMIABERTO PARA RESGATE INICIAL DA REPRIMENDA - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0003369-10.2013.8.24.0064, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. 09-06-2020).

Por essas razões, não se conhece do recurso interposto pelo apelante no que toca ao pleito de definição da reprimenda no mínimo legal, por ausência de interesse recursal.

2. Mérito

2.1 Do pedido de realização de novo julgamento

A defesa almeja a cassação do julgamento realizado pelo Conselho de Sentença. Para tanto, aduz que a decisão dos jurados, no tocante à qualificadora do motivo fútil, revela-se manifestamente contrária à prova dos autos.

O pedido, adianta-se, não merece provimento.

Insta salientar, inicialmente, em atenção ao princípio constitucional da soberania dos vereditos, consubstanciado no art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição Federal, que as decisões emanadas pelo Tribunal do Júri, em regra, não comportam modificação.

Em decorrência da previsão disciplinada na Carta Magna, o art. 593, III, do Código de Processo Penal, impõe limitações quanto a possibilidade de se insurgir contra julgamento proferido pelo Conselho de Sentença, estabelecendo expressamente os casos que admitem a interposição do recurso de apelação.

Especificamente no que concerne à decisão manifestamente contrária a prova dos autos, hipótese insculpida no art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal, leciona a doutrina de Renato Brasileiro de Lima:

[...] para que seja cabível apelação com base nessa alínea e, de modo a se compatibilizar sua utilização com a soberania dos veredictos, é necessário que a decisão dos jurados seja absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do conjunto probatório constante dos autos. Portanto, decisão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT