Acórdão Nº 0010851-45.2017.8.24.0039 do Primeira Câmara Criminal, 23-01-2020

Número do processo0010851-45.2017.8.24.0039
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0010851-45.2017.8.24.0039, de Lages

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO SIMPLES (ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) E RECEPTAÇÃO DOLOSA (ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITEADA, PELO RÉU CONDENADO PELO DELITO DE FURTO, A APLICAÇÃO DA ESCUSA ABSOLUTÓRIA PREVISTA NO ARTIGO 181, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. NÃO CABIMENTO. OBJETO SUBTRAÍDO QUE, EMBORA ESTIVESSE NA RESIDÊNCIA DOS GENITORES DO ACUSADO, PERTENCIA AO IRMÃO DESTE. PEDIDO NÃO ACOLHIDO. REQUERIDA, PELO ACUSADO CONDENADO PELO CRIME DE RECEPTAÇÃO DOLOSA, A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA A MODALIDADE CULPOSA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. DEPOIMENTOS FIRMES E COERENTES DA VÍTIMA E TESTEMUNHAS. RES FURTIVA ENCONTRADA NA POSSE DO RÉU. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA (ART. 156, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL A FIM DE COMPROVAR QUE DESCONHECIA A ORIGEM ILÍCITA DO BEM APREENDIDO. DOLO EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. A escusa absolutória insculpida no art. 181, inciso II, do Código Penal somente se aplica aos ascendentes e aos descendentes da vítima, não incluído o parentesco colateral.

2. A desclassificação do delito de receptação dolosa para a modalidade culposa (art. 180, § 3º, do Código Penal) somente ocorreria no caso de o acusado comprovar o desconhecimento da origem criminosa do produto adquirido, circunstância essa não evidenciada na hipótese em tela.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0010851-45.2017.8.24.0039, da comarca de Lages (2ª Vara Criminal), em que são Apelantes Thiago Soares de Sales e Ailton Vanderlei Correa Cardoso e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski e a Exma. Desa. Hildemar Meneguzzi de Carvalho.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Paulo de Tarso Brandão.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020.

Assinado digitalmente

Desembargador Paulo Roberto Sartorato

Presidente e Relator


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com base no incluso Auto de Prisão em Flagrante, ofereceu denúncia contra Thiago Soares de Sales e Ailton Vanderlei Correa Cardoso, devidamente qualificados nos autos, dando o primeiro como incurso no art. 155, caput, e imputando ao segundo a prática do delito tipificado no art. 180, caput, ambos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na preambular acusatória, in verbis (fls. 39/42):

"Fato 01 - Art. 155, caput/CPenal

1. No dia de 28 de novembro de 2017 (28.11.17 - terça-feira), por volta das 10h27min, no imóvel situado na rua Pompeu Sabatini nº 55, bairro Várzea, nesta cidade, ciente da ilicitude do ato e com vontade dirigida para agir conforme ele - logo, agindo conscientemente e com manifesto animus furandi -, Thiago Soares de Sales subtraiu para si ou para outrem 01 botijão de gás avaliado em R$ 190,00 (cento e noventa reais), bem alheio móvel que pertencia à vítima Paulo César Soares Sales, seu irmão, (cfe. Registro de ocorrência de fls. 03-04/apf; auto de exibição e apreensão de fl. 05/apf; auto de avaliação indireta de fl. 06/apf; recibo de fl. 07/apf; termos de depoimento/declaração de fls. 08/apf, 10/apf, 11/apf e 13/apf; auto de resistência a prisão de fl. 09/apf; termo de reconhecimento e entrega de fl. 12/apf e termo de interrogatório de fl. 14/apf e termo de representação na mídia de fl. 11).

Fato 02 - Art. 180, caput/CPenal

2. Na mesma data (28.11.2017 - terça-feira), em horário incerto, no imóvel situado na rua Felipe Vellasques Vargas s/n°, Beco dos Guela, próximo ao Colégio Lupércio, bairro Habitação, nesta cidade, ciente da ilicitude do ato e com vontade dirigida para agir conforme ele, Ailton Vanderlei Correa Cardoso adquiriu em proveito próprio ou alheio do denunciado Thiago e pelo valor de R$ 20,00 (vinte reais) em espécie o botijão de gás supra, coisa que sabia ser produto de crime - no caso de furto cometido pouco antes no imóvel da vítima (cfe. Registro de ocorrência de fls. 03-04/apf; auto de exibição e apreensão de fl. 05/apf; auto de avaliação indireta de fl. 06/apf; recibo de fl. 07/apf; termos de depoimento/declaração de fls. 08/apf, 10/apf, 11/apf e 13/apf; auto de resistência a prisão de fl. 09/apf; termo de reconhecimento e entrega de fl. 12/apf e termo de interrogatório de fl. 14/apf).

3. Ato contínuo, ambos os denunciados foram surpreendidos por agentes públicos destacados para atendimento da ocorrência e conduzidos à Central de Plantão Policial/Lages, ocasião em que restituída a res furtiva (cfe. Registro de ocorrência de fls. 03-04/apf; auto de exibição e apreensão de fl. 05/apf; auto de avaliação indireta de fl. 06/apf; recibo de fl. 07/apf; termos de depoimento/declaração de fls. 08/apf, 10/apf, 11/apf e 13/apf; auto de resistência a prisão de fl. 09/apf; termo de reconhecimento e entrega de fl. 12/apf e termo de interrogatório de fl. 14/apf)

4. Consta das certidões de antecedentes criminais de fls. 25-28/apf e anexas que Thiago¹ e Ailton² são reincidentes em crime doloso, motivo porque eventuais reprimendas impostas devem ser majoradas por força do contido no artigo 61, inciso I, do Código Penal. (Grifos no original).

Encerrada a instrução processual, o MM. Juiz a quo, por intermédio de sentença proferida em audiência, com dosimetria e dispositivo transcritos às fls. 89/90, julgou procedente a denúncia, para condenar: a) o acusado Thiago Soares de Sales à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, em virtude do cometimento do crime previsto no art. 155, caput, c/c o art. 61, inciso I, e o art. 65, inciso III, alínea "d", todos do Código Penal, substituindo a reprimenda corporal por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, e b) o acusado Ailton Vanderlei Correa Cardoso à pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, valorada a unidade no mínimo legal, pela prática de delito tipificado no art. 180, caput, c/c o art. 61, inciso I, e o art. 65, inciso III, alínea "d", todos os referidos do Código Penal, concedendo aos apenados o direito de recorrerem em liberdade.

Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, por intermédio da Defensoria Pública do Estado (fl. 101). Em suas razões recursais, a defesa requereu a absolvição do réu Thiago com fundamento na escusa absolutória do art. 181, inciso II, do Código Penal e a consequente aplicação do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Em relação ao acusado Ailton, pleiteou a desclassificação do delito para o crime de receptação culposa, previsto no parágrafo 3° do artigo 180 do Código Penal, com a substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos (fls. 108/115).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso defensivo (fls. 120/128).

Após, os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, opinado pelo conhecimento e não provimento do recurso (fls. 134/138).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação criminal contra a sentença que julgou procedente a denúncia para condenar o acusado Thiago Soares de Sales pela prática do crime de furto simples, tipificado no art. 155, caput, do Código Penal e, o acusado Ailton Vanderlei Correa Cardoso, pelo cometimento do delito de receptação dolosa, previsto no artigo 180, caput, do Código Penal.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Extrai-se dos autos que, no dia 28 de novembro de 2017, durante a manhã, o acusado Thiago subtraiu, para si, um botijão de gás, avaliado em R$ 190,00 (cento e noventa reais), que pertencia à vítima Paulo César Soares Sales, seu irmão, e que estava localizado no imóvel situado na Rua Pompeu Sabatini, 55, Bairro Várzea, em Lages/SC.

Na sequência, na mesma data e ainda no período da manhã, o acusado Ailton adquiriu de Thiago, em proveito próprio, o referido botijão de gás, pelo diminuto valor de R$ 20,00 (vinte reais), ciente de que este era produto de crime.

A defesa, comum aos dois réus, interpôs recurso de apelação em benefício de ambos, formulando diferentes pleitos.

I - Do pedido de aplicação da escusa absolutória do art. 181, inciso II, do Código Penal (réu Thiago)

Em relação ao acusado Thiago, pugna a defesa pela incidência da escusa absolutória estabelecida no art. 181, inciso II, do Código Penal.

O pedido, porém, não merece prosperar.

A figura requerida pela defesa é assim prevista no Estatuto Repressivo:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

[...]

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Sobre a imunidade prevista no dispositivo legal supramencionado, Guilherme de Souza Nucci leciona:

Ascendente e descendente: cuida o artigo apenas dos ascendentes e descendentes em linha reta (pais, mães, avós, filhos, netos, bisnetos etc.). Não se incluem, pois, os parentes por afinidade e na linha transversal (sogro, genro, nora, cunhado, padrasto, madrasta, enteado, tio, sobrinho, primo etc.). O tipo penal é claro quanto ao parentesco: admite tanto o legítimo (originário no casamento), quanto o ilegítimo...

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