Acórdão Nº 0010885-14.2014.8.24.0075 do Primeira Câmara Criminal, 19-04-2022
Número do processo | 0010885-14.2014.8.24.0075 |
Data | 19 Abril 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Primeira Câmara Criminal |
Classe processual | Recurso em Sentido Estrito |
Tipo de documento | Acórdão |
Recurso em Sentido Estrito Nº 0010885-14.2014.8.24.0075/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: VITORIO CARARA DA SILVA (ACUSADO)
RELATÓRIO
No Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Vitório Carara da Silva, pela prática, em tese, da infração penal contra a vida disposta no art. 121, § 2º, III c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória (Evento 46 dos autos originários):
Consta no incluso inquérito policial que, na data de 24 de novembro de 2014 (segunda-feira), por volta das 20 horas, na Rodovia BR-101, Km 331,8, Bairro Revoredo, nesta cidade e Comarca de Tubarão-SC, o denunciado Vitório Carara da Silva, após a ingestão de bebida alcoólica ao ponto de se embriagar (tanto que, ao ser submetido a teste com uso de etilômetro, apresentou a concentração de 1,06 decigramas de álcool por litro de ar alveolar - fl. 9), conduziu o veículo Ford/Courier, placas MFA-2956, pela referida via, sabidamente movimentada, com isso assumindo o risco de produzir acidente automobilístico e anuindo com esse resultado, uma vez que possuía plena ciência de que estava com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, bem como da proibição legal de dirigir sobre essa influência e do local onde trafegava, admitindo e aceitando o risco de produzir a morte de terceira pessoa que também utilizasse aquela mesma rodovia, ação da qual decorria perigo comum.
Foi assim que, no local e data acima referidos, o denunciado Vitório Carara da Silva, embriagado na condução do veículo Ford/Courier, placas MFA-2956, veio a colidir com a traseira da motocicleta Honda/CG Titan 150, placa MGB-1131, que no momento era conduzida pela vítima Cláudia Souza de Stefani, com isso a derrubando e provocando na vítima "Fraturas dentárias parciais em incisivos superiores centrais e lateral direito [...] Equimoses arroxeadas extensas em abdome e membros inferiores [...] Ferimento corto contuso em perna esquerda [...] Fraturas ósseas em úmero esquerdo (com cirurgia) e de corpo vertebral de D9" (Laudo Pericial de fl. 229), lesões essas que lhe resultaram incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias em razão de "Trauma crânio encefálico e fraturas ósseas" (Laudo Pericial de fl. 229) e perigo de vida por "Fratura de coluna vertebral" (Laudo Pericial de fl. 229).
O evento morte da vítima Cláudia somente não se consumou em razão dela ter sido rapidamente socorrida e encaminhada ao Hospital Nossa Senhora da Conceição, nesta cidade, onde recebeu célere e eficiente tratamento médico.
Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença de desclassificação para crime de competência diversa do Tribunal do Júri, com o seguinte dispositivo (Evento 168 dos autos originários):
Ante o exposto, com fundamento no art. 419, do Código de Processo Penal, desclassifico a acusação de crime de homicídio doloso qualificado tentado, tipificado no arts. 121, §. 2.º, III c/c art. 14, II, todos do Código Penal, imputado ao acusado Vitório Carara da Silva para crime diverso de competência do juízo singular.
Inconformado com o desicum, o representante do Parquet interpôs o presente reclamo, sustentando, em suma, que o dolo eventual encontra-se suficientemente delineado pelo substrato probatório acostado aos autos, motivo pela qual pugna pela pronúncia do acusado em virtude da prática do crime disciplinado no art. 121, § 2º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, nos termos da denúncia (Evento 174 dos autos originários).
Em contrarrazões, a defesa propôs a manutenção incólume da sentença recorrida (Evento 188 dos autos originários).
O magistrado singular manteve a decisão por seus próprios fundamentos (Evento 128 dos autos originários).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 13 destes autos).
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão que, por entender ausente comprovação a respeito do dolo eventual na conduta praticada pelo acusado, desclassificou o crime para competência diversa do Tribunal do Júri.
1. Dos fatos
Consta da peça vestibular, em abreviada síntese, que, na data de 24-11-2014, por volta das 20 (vinte) horas, o acusado, com a sua capacidade psicomotora alterada em decorrência da ingestão de bebida alcoólica, colidiu na traseira da motocicleta pilotada pela vítima, provocando-lhe diversas fraturas.
Segundo a pretensão acusatória, o réu, após prever o risco de produzir um acidente automobilístico e, por consequência, a morte de pessoas, anuiu com tal resultado atentando contra a vida da ofendida, que somente sobreviveu em virtude do célere atendimento médico.
Por essas razões, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em desfavor de Vitório Carara da Silva, pela suposta prática do crime descrito no art. 121, § 2º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.
Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença de desclassificação, afastando a competência do Tribunal do Júri para julgamento do presente caso.
Irresignado, o representante do Parquet manejou o presente Recurso em Sentido Estrito.
2. Da admissibilidade
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame do mérito recursal.
3. Mérito
3.1 Da pronúncia pelo cometimento do crime contra a vida
Conforme sumariado, busca o Órgão Ministerial a pronúncia do acusado pelo cometimento do crime contra a vida narrado na denúncia. Para tanto, aduz que o dolo eventual encontra-se suficientemente delineado pelo contexto fático-probatório amealhado ao feito, especialmente diante da comprovação de que o réu apresentava exacerbado estado de embriaguez no momento do acidente.
O pedido, adianto, comporta provimento.
De saída, relativamente à pronúncia, assim dispõe o caput e o parágrafo primeiro do art. 413 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
Consoante se infere do dispositivo destacado, a pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo-se para a sua prolação somente prova da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva. Com efeito, não há espaço para uma averiguação exaustiva do substrato probatório angariado, realiza-se apenas uma análise perfunctória, a fim de verificar se existem elementos para submeter o acusado a julgamento perante o Conselho de Sentença.
Em outros termos, nessa etapa do procedimento escalonado, quanto à prova produzida, procede-se a uma operação cognitiva não exauriente, uma vez que não se pode exigir a formação de um juízo de certeza, mas apenas de probabilidade fundada.
A propósito, "[...] Na decisão de pronúncia há mero juízo de prelibação, sem encerrar qualquer ideia de condenação, onde o juiz singular, em decisão monocrática, diz estar "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria ou de participação" (art. 413, caput, do CPP), e submete o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri, colegiado que cabe a análise mais aprofundada das provas [...] (TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 0001689-78.2017.8.24.0054, rel. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. em 07-03-2019).
Na mesma linha, assinala Renato Brasileiro de Lima:
Assim, se o juiz sumariante estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos...
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: VITORIO CARARA DA SILVA (ACUSADO)
RELATÓRIO
No Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Vitório Carara da Silva, pela prática, em tese, da infração penal contra a vida disposta no art. 121, § 2º, III c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória (Evento 46 dos autos originários):
Consta no incluso inquérito policial que, na data de 24 de novembro de 2014 (segunda-feira), por volta das 20 horas, na Rodovia BR-101, Km 331,8, Bairro Revoredo, nesta cidade e Comarca de Tubarão-SC, o denunciado Vitório Carara da Silva, após a ingestão de bebida alcoólica ao ponto de se embriagar (tanto que, ao ser submetido a teste com uso de etilômetro, apresentou a concentração de 1,06 decigramas de álcool por litro de ar alveolar - fl. 9), conduziu o veículo Ford/Courier, placas MFA-2956, pela referida via, sabidamente movimentada, com isso assumindo o risco de produzir acidente automobilístico e anuindo com esse resultado, uma vez que possuía plena ciência de que estava com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, bem como da proibição legal de dirigir sobre essa influência e do local onde trafegava, admitindo e aceitando o risco de produzir a morte de terceira pessoa que também utilizasse aquela mesma rodovia, ação da qual decorria perigo comum.
Foi assim que, no local e data acima referidos, o denunciado Vitório Carara da Silva, embriagado na condução do veículo Ford/Courier, placas MFA-2956, veio a colidir com a traseira da motocicleta Honda/CG Titan 150, placa MGB-1131, que no momento era conduzida pela vítima Cláudia Souza de Stefani, com isso a derrubando e provocando na vítima "Fraturas dentárias parciais em incisivos superiores centrais e lateral direito [...] Equimoses arroxeadas extensas em abdome e membros inferiores [...] Ferimento corto contuso em perna esquerda [...] Fraturas ósseas em úmero esquerdo (com cirurgia) e de corpo vertebral de D9" (Laudo Pericial de fl. 229), lesões essas que lhe resultaram incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias em razão de "Trauma crânio encefálico e fraturas ósseas" (Laudo Pericial de fl. 229) e perigo de vida por "Fratura de coluna vertebral" (Laudo Pericial de fl. 229).
O evento morte da vítima Cláudia somente não se consumou em razão dela ter sido rapidamente socorrida e encaminhada ao Hospital Nossa Senhora da Conceição, nesta cidade, onde recebeu célere e eficiente tratamento médico.
Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença de desclassificação para crime de competência diversa do Tribunal do Júri, com o seguinte dispositivo (Evento 168 dos autos originários):
Ante o exposto, com fundamento no art. 419, do Código de Processo Penal, desclassifico a acusação de crime de homicídio doloso qualificado tentado, tipificado no arts. 121, §. 2.º, III c/c art. 14, II, todos do Código Penal, imputado ao acusado Vitório Carara da Silva para crime diverso de competência do juízo singular.
Inconformado com o desicum, o representante do Parquet interpôs o presente reclamo, sustentando, em suma, que o dolo eventual encontra-se suficientemente delineado pelo substrato probatório acostado aos autos, motivo pela qual pugna pela pronúncia do acusado em virtude da prática do crime disciplinado no art. 121, § 2º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, nos termos da denúncia (Evento 174 dos autos originários).
Em contrarrazões, a defesa propôs a manutenção incólume da sentença recorrida (Evento 188 dos autos originários).
O magistrado singular manteve a decisão por seus próprios fundamentos (Evento 128 dos autos originários).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 13 destes autos).
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão que, por entender ausente comprovação a respeito do dolo eventual na conduta praticada pelo acusado, desclassificou o crime para competência diversa do Tribunal do Júri.
1. Dos fatos
Consta da peça vestibular, em abreviada síntese, que, na data de 24-11-2014, por volta das 20 (vinte) horas, o acusado, com a sua capacidade psicomotora alterada em decorrência da ingestão de bebida alcoólica, colidiu na traseira da motocicleta pilotada pela vítima, provocando-lhe diversas fraturas.
Segundo a pretensão acusatória, o réu, após prever o risco de produzir um acidente automobilístico e, por consequência, a morte de pessoas, anuiu com tal resultado atentando contra a vida da ofendida, que somente sobreviveu em virtude do célere atendimento médico.
Por essas razões, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em desfavor de Vitório Carara da Silva, pela suposta prática do crime descrito no art. 121, § 2º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.
Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença de desclassificação, afastando a competência do Tribunal do Júri para julgamento do presente caso.
Irresignado, o representante do Parquet manejou o presente Recurso em Sentido Estrito.
2. Da admissibilidade
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame do mérito recursal.
3. Mérito
3.1 Da pronúncia pelo cometimento do crime contra a vida
Conforme sumariado, busca o Órgão Ministerial a pronúncia do acusado pelo cometimento do crime contra a vida narrado na denúncia. Para tanto, aduz que o dolo eventual encontra-se suficientemente delineado pelo contexto fático-probatório amealhado ao feito, especialmente diante da comprovação de que o réu apresentava exacerbado estado de embriaguez no momento do acidente.
O pedido, adianto, comporta provimento.
De saída, relativamente à pronúncia, assim dispõe o caput e o parágrafo primeiro do art. 413 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
Consoante se infere do dispositivo destacado, a pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo-se para a sua prolação somente prova da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva. Com efeito, não há espaço para uma averiguação exaustiva do substrato probatório angariado, realiza-se apenas uma análise perfunctória, a fim de verificar se existem elementos para submeter o acusado a julgamento perante o Conselho de Sentença.
Em outros termos, nessa etapa do procedimento escalonado, quanto à prova produzida, procede-se a uma operação cognitiva não exauriente, uma vez que não se pode exigir a formação de um juízo de certeza, mas apenas de probabilidade fundada.
A propósito, "[...] Na decisão de pronúncia há mero juízo de prelibação, sem encerrar qualquer ideia de condenação, onde o juiz singular, em decisão monocrática, diz estar "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria ou de participação" (art. 413, caput, do CPP), e submete o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri, colegiado que cabe a análise mais aprofundada das provas [...] (TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 0001689-78.2017.8.24.0054, rel. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. em 07-03-2019).
Na mesma linha, assinala Renato Brasileiro de Lima:
Assim, se o juiz sumariante estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos...
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