Acórdão Nº 0010952-77.2010.8.24.0023 do Sétima Câmara de Direito Civil, 07-10-2021

Número do processo0010952-77.2010.8.24.0023
Data07 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0010952-77.2010.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA

APELANTE: CHRISTIAN BRUHL (Inventariante) APELANTE: TATIANA DE GOULL (Espólio) APELADO: JEAN DOMINIQUE BRUHL APELADO: RAQUEL IRACEMA DE FREITAS DOS SANTOS (Inventariante) APELADO: ARY DA SILVA MARTINI APELADO: MIRIAN REGINA VIEIRA KOSBY MARTINI APELADO: OSLIN RUBENS DOS SANTOS (Espólio)

RELATÓRIO

Christian Bruhl, por si e representando os interesses do Espólio de Tatiana de Goull, interpuseram recurso de apelação contra sentença (Evento 45, PROCJUDIC6, p. 32-38) que, nos autos da ação anulatória de escritura pública ajuizada em face de Jean Dominique Bruhl, Raquel Iracema de Freitas dos Santos, Ary da Silva Martini, Mirian Regina Vieira Kosby Martini e Oslin Rubens dos Santos, julgou improcedentes os pedidos iniciais.

Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:

Espólio de Tatiana de Goull, representado pelo inventariante Christian Bruhl, e Christian Bruhl, também na qualidade de autor, ajuizaram Ação de Anulação de Escritura Pública de Compra e Venda com Pedido de Antecipação Parcial de Tutela contra Jean Dominique Bruhl, Oslin Rubens dos Santos, Raquel Iracema de Freitas dos Santos, Ary da Silva Martíni e Mirian Regina Vieira Kosby, alegando, em suma, que: Tatiana de Goull conviveu em união estável com o réu Jean durante 45 anos, até sua morte, em 16/01/2007. Nesta ocasião, foi exarada escritura pública de inventário negativo, por meio da qual Jean declarou que não possuía bens em comum com a companheira, com a concordância do autor, que é filho do casal, e dos demais filhos da falecida. Meses depois, contudo, os filhos tomaram conhecimento da existência de patrimônio comum, consistente em um apartamento com garagem localizado nesta Capital e uma casa residencial na cidade de Águas Mornas.

O apartamento e garagem foram alienados aos réus Oslin e Raquel dos Santos em agosto de 2008, e a casa, aos réus Ary e Miriam Regina, em dezembro de 2009. No ato das vendas, o primeiro réu, Jean Dominique, agiu com má-fé, ao omitir dos compradores o fato de que os imóveis foram adquiridos na constância da união estável com Tatiana, motivo pelo qual os negócios jurídicos são nulos, nos termos do art. 167, §1º, II, do Código Civil.

Pugnou pela concessão de antecipação parcial da tutela, a fim de bloquear as matrículas dos imóveis descritos. Requereu a citação dos réus, a intimação dos representantes da Fazenda Estadual e do Ministério Público e, ao final, a total procedência do pedido, a fim de anular as escrituras públicas de compra e venda. Acostou procuração e documentos (fls. 14/32).

A medida liminar foi concedida às fls. 34/36.

Citado (fls. 83/84), o réu Jean Dominique Bruhl apresentou contestação às fls. 93/104, afirmando, em síntese, que: o autor, seu único filho, bem como os demais filhos de Tatiana, tinham plena ciência da existência dos bens imóveis, e que pertenciam-lhe exclusivamente, pois foram adquiridos com doação/herança dos pais do réu. Ademais, a mãe fez doações aos três filhos, em antecipação de legítima, com a qual o autor pôde adquirir o apartamento onde mora. À época do falecimento, Tatiana já não possuía quaisquer bens. Assim, o inventário negativo, bem como as escrituras de compra e venda, não possuem qualquer vício de nulidade.

Requereu a concessão de Justiça Gratuita, a produção de provas e, ao final, a total improcedência dos pedidos, com a condenação do autor por litigância de má-fé. Juntou procuração e documentos (fls. 105/107).

Os réus Ary da Silva Martíni e Mirian Regina Vieira Kosby, citados (fls. 119/120), apresentaram defesa às fls. 123/130, aduzindo que, ao adquirir o sítio de Águas Mornas do réu Jean Dominique, tomaram todas as providências necessárias para garantir a legalidade do negócio jurídico, sendo que não havia qualquer restrição junto ao Registro de Imóveis e foi-lhes apresentada a Escritura Pública de Inventário Negativo da falecida companheira do alienante, assinada pelo autor. Assim, afirmaram ser evidente sua boa-fé na transação, ficando ressalvados os seus direitos em caso de nulidade. Requereram a concessão da Justiça Gratuita, a revogação da liminar e, ao final, após produção de provas, a improcedência dos pedidos iniciais. Juntaram procurações e documentos (fls. 131/137).

Igualmente citados (fls. 65 e 69), Raquel Iracema de Freitas dos Santos e Espólio de Oslin Rubens dos Santos, por ela representado, contestaram às fls. 139/146, afirmando que a aquisição dos imóveis (apartamento e garagem em Florianópolis) se deu com base em documentos públicos que atestavam a ausência de ônus ou restrições, sendo protegida pelo ordenamento sua condição de adquirentes de boa-fé. Requereram a revogação da liminar, a produção de provas e a improcedência dos pedidos ou, subsidiariamente, o ressarcimento pelas benfeitorias realizadas, bem como do valor pago pelo imóvel. Juntaram procuração e documentos (fls. 147/190).

Em réplica, o autor impugnou o pedido de gratuidade do réu Jean Dominique, reiterou os pedidos iniciais e requereu o julgamento antecipado da lide. Juntou documentos às fls. 196/199.

Jean Dominique manifestou-se às fls. 205/206, requerendo a produção de prova testemunhal e depoimento pessoal do autor.

Decisão saneadora à fl. 210.

O Ministério Público deixou de opinar, por ausência de interesse no feito (fls. 215/217).

À fl. 263, foi deferido o pedido de justiça gratuita ao réu Ary da Silva Martíni, e indeferido aos réus Espólio de Oslin Rubens dos Santos e Mirian Regina Vieira Kosby. Deferido o pedido ao réu Jean Dominique Bruhl à fl. 184.

Foi designada audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvidas quatro testemunhas arroladas pelo réu, dispensadas as demais, bem como o depoimento pessoal do autor (fls. 290/295).

O réu Jean Dominique juntou documentos às fls. 298/301.

As partes juntaram alegações finais remissivas às fls. 303/308, 309/311 e 312/317.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. (grifado no original)

Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Espólio de Tatiana de Goull e Christian Bruhl na Ação de Anulação de Escritura Pública de Compra e Venda que movem contra Jean Dominique Bruhl, Oslin Rubens dos Santos, Raquel Iracema de Freitas dos Santos, Ary da Silva Martíni e Mirian Regina Vieira Kosby.

Por consequência, REVOGO a liminar deferida às fls. 34/36.

CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atribuído à causa, sendo 5% ao patrono de Jean Dominique Bruhl, e 5% divididos entre os patronos de Oslin Rubens dos Santos e Raquel Iracema de Freitas dos Santos, e os patronos de Ary da Silva Martíni e Miriam Regina Vieira Kosby.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. (grifos no original)

Em suas razões recursais (Evento 45, PROCJUDIC6, p. 44-58), a parte demandante pugna a concessão de efeito suspensivo ao apelo, uma vez que "é imediata a necessidade de acautelar-se dos procedimentos bastantes para impedir que os bens apontados sejam transferidos para terceiros, dificultando para os Autores a busca da solução judicial" (p. 51).

Assevera que "o Autor Christian Bruhl nunca negou desconhecer a existência dos imóveis em tela, até porque, nele esteve em várias oportunidades, porquanto foram residências de seus pais" e que "O que se discute nestes autos é que desconhecia o AUTOR/APELANTE a efetiva titularidade do domínio dos mesmos, algo sempre negado pelo seu pai" (destaques no original, p. 53).

Aduz que o Juízo de origem reconheceu indevidamente como comprovada a incomunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união estável havida entre o réu Jean Dominique Bruhl e a falecida Tatiana de Goull com base em declaração unilateral apresentada pelo primeiro, enquanto por ocasião da lavratura da escritura pública do inventário negativo do patrimônio deixado pelo de cujus "não foi declarado que existiam bens e que estes eram bens particulares do convivente Jean Dominique Bruhl e que não fariam parte da comunhão entre os conviventes" (p. 55).

Ainda, alega que permanecem hígidos os argumentos que fundamentaram o deferimento de liminar pelo Juízo a quo, no sentido de que o réu Jean Dominique Bruhl adquiriu bens após o início da união estável com o de cujus.

Por fim, pugna a concessão de efeito suspensivo recursal e, no mérito, a reforma da sentença para que sejam anuladas as escrituras públicas de compra e venda dos imóveis apontados na petição inicial.

Certificado o decurso do prazo sem apresentação de contrarrazões (Evento 45, PROCJUDIC6, p. 61), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer do Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira, deixou de se manifestar quanto ao mérito, por entender desnecessária a intervenção do Ministério Público (Evento 45, PROCJUDIC6, p. 67-68), vindo os autos conclusos para julgamento.

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedentes os pedidos inaugurais.

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo interposto.

De início, destaca-se que a decisão recorrida foi publicada quando já vigente o Código de Processo Civil de 2015 (6-10-2016), motivo pelo qual a referida norma regerá a presente decisão, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais), nos moldes do art. 1.046 do atual Código de Ritos.

Tem-se como fato...

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