Acórdão Nº 0011285-57.2018.8.24.0020 do Quarta Câmara Criminal, 18-02-2021

Número do processo0011285-57.2018.8.24.0020
Data18 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0011285-57.2018.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

RECORRENTE: LUIS CARLOS DE MORAES RODRIGUES (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo acusado Luis Carlos de Moraes Rodrigues, inconformado com a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de Criciúma, que admitiu a denúncia e o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, do Código Penal, submetendo-o, então, a julgamento pelo Tribunal Popular.

Em suma, o recorrente, assistido pela Defensoria Pública, argumentou o seguinte: [a] "a defesa sustentou em alegações finais a nulidade na colheita da prova da autoria, tendo em vista que a palavra da vítima, parte mais relevante e conclusiva da instrução probatório, foi produzida exclusivamente pelo julgador do juízo deprecado, o que viola o Sistema Acusatório"; [b] "não cabe mais ao Magistrado, pois, assumir a iniciativa e gestão da prova, devendo limitar-se a presidir o ato, controlando a atuação das partes para que não transborde os limites legais, e, eventualmente, complementar a inquirição, em caráter excepcional, para esclarecer algum ponto que tenha ficado dúbio"; [c] "o juízo deprecado descumpriu-a em audiência, produzindo diretamente a prova ao inquirir a vítima e sua mãe, em solenidade na qual sequer havia membro do Ministério Público para conduzir a produção da prova"; [d] "embora ciente da impossibilidade da presença do membro do Ministério Público ao ato aprazado (p. 540) a magistrada atuante na Comarca de Osório realizou a audiência assim mesmo, colhendo a prova e assumindo papel processual que não lhe competia"; [e] "deve-se reformar a decisão de primeiro, reconhecendo-se a nulidade acima exposta, repetindo-se, por conseguinte, as oitivas promovidas pela magistrada gaúcha"; [f] "em que pese a prova revele que o recorrente e a vítima tiveram uma briga que culminou na lesão descrita no laudo pericial de pp. 35, os depoimentos prestados em juízo não foram suficientes a indicar a existência de animus necandi"; [g] "considerando que a prova revelou que o réu reagiu com surpresa ao perceber que atingiu o amigo e que cessou a agressão imediata e espontaneamente, sem qualquer esforço da vítima ou de terceiros, é de se concluir que a facada não teve o objetivo de tirar a vida de Vinicius"; [h] "sem que exista prova da intenção de matar, não há que se falar em pronúncia pelo delito de homicídio, fazendo-se mister que haja a desclassificação para o delito de lesão corporal"; [i] "ainda que Luís Carlos tenha agido inicialmente com dolo de matar, desistiu voluntariamente da execução do delito de homicídio, mesmo podendo prosseguir com os golpes de facas".

Concluiu requerendo ao Tribunal o provimento do recurso, "para que seja anulado o feito desde a inquirição da vítima e sua mãe, repetindo-se o ato, conforme anteriormente exposto. Subsidiariamente, desclassificação da tentativa de homicídio imputada ao recorrente para o delito de lesão corporal, afastando-se a competência do Tribunal do Júri" (Evento 193).

Com as contrarrazões (Evento 210), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 212), os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Lio Marcos Marin, manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do recurso (Evento 8 - parecer 1).

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido.

Colhe-se dos autos que o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra Luis Carlos de Moraes Rodrigues, pelo cometimento, em tese, do crime previsto no art. 121, § 2º, inc. II, na forma do art. 14, inc. II, do Código Penal, pelos seguintes fatos descritos na peça acusatória (Evento 24):

No dia 25 de setembro de 2018, por volta das 22h, nas proximidades do estabelecimento comercial 'Bar do Lucas', localizado na Rua Maria Regina Naspolini Dal Pont, n. 104, bairro Naspolini, neste município e comarca de Criciúma/SC, o denunciado LUIZ CARLOS DE MORAES RODRIGUES, vulgo "Carlinhos", agindo com manifesto animus necandi, tentou matar Vinicius da Silva Ramila, que estava desarmado, ou ao menos assumiu o risco de causar-lhe o resultado morte, desferindo-lhe pauladas e pelo menos 1 (uma) facada na região abdominal, causando-lhe as lesões corporais descritas no laudo pericial n. 9412.18.02797, a saber: "ferimento por arma branca em fossa ilíaca direita (...) lesão colon ascendente" (fl. 35), que acarretaram na vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, além de perigo de vida, necessitando de duas intervenções cirúrgicas e colocação de bolsa de colostomia, ainda utilizada pela vítima (fl. 322).

Registre-se que o resultado morte pretendido pelo denunciado, ou cujo risco ao menos assumiu, somente não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, em razão da intervenção de Lucas Adriano Espíndola, que gritou ao perceber a ação do denunciado, bem como prontamente socorreu a vítima Vinicius da Silva Ramila, levando-a ao hospital, onde recebeu o devido atendimento médico-hospitalar.

O crime em questão foi cometido por motivo fútil, uma vez que o agir do denunciado deu-se em decorrência de prévia discussão com a vítima, motivada pela negativa desta em emprestar seu aparelho celular ao denunciado.

Devidamente processado, sobreveio decisão interlocutória mista não terminativa, pela qual o Juízo a quo admitiu a acusação e, então, pronunciou o réu Luis Carlos de Moraes Rodrigues para julgamento pelo Tribunal Popular, por infração ao art. 121, § 2º, inc. II, na forma do art. 14, inc. II, do Código Penal (Evento 183).

Daí o inconformismo manifestado pelo acusado, assistido pela Defensoria Pública (DPE), que pretende a desconstituição da decisão, para repetir a oitiva da vítima e de sua genitora, ou, subsidiariamente, a reforma com a desclassificação do delito para lesão corporal, afastando-se a competência do Tribunal do Júri.

Porém, não obstante os argumentos articulados, o recurso não comporta provimento, adiante-se.

1 Preliminar suscitada pelo recorrente: nulidade do processo desde a inquirição da vítima e sua genitoria, por violação ao sistema acusatório

Nesse tópico, o recorrente, assistido pela Defensoria Pública (DPE), suscitou a nulidade do processo - e por óbvio da decisão impugnada -, por entender que, "embora ciente da impossibilidade da presença do membro do Ministério Público ao ato aprazado (p. 540) a magistrada atuante na Comarca de Osório realizou a audiência assim mesmo, colhendo a prova e assumindo papel processual que não lhe competia" (Evento 193 - p. 5).

Em linhas gerais, a defesa técnica invocou possível violação do sistema acusatório, sustentando essa tese em dois pontos: [i] a presença do órgão do Ministério Público na audiência deprecada seria imprescindível e, diante da impossibilidade de comparecer na data designada, o Juízo deprecado deveria reagendar o ato; [ii] não poderia o Juízo deprecado assumir o papel da acusação e, assim, formular diretamente as pergundas aos inquiridos.

Sob nenhum dos dois viés a preliminar deve ser acolhida, adiante-se.

Cumpre destacar, desde logo, que a carta precatória foi encaminhada à comarca de Osório, no estado vizinho do Rio Grande do Sul, para oitiva da vítima e de sua genitora a respeito dos fatos apurados.

Nesse sentido, o Juízo deprecado designou data e hora para realização da audiência, intimou as partes a serem ouvidas, além do órgão do Ministério Público e a Defensoria Pública.

O membro do Ministério Público oficiante no Juízo deprecado, poucas horas antes da realização da audiência, justificou expressamente sua impossibilidade de participar, porque já teria compromissos previamente agendados em comarca diversa (Evento 157 - carta precatória 518).

Consignado em ata a justificativa apresentada pelo Ministério Público, o Juízo deprecado realizou o ato com a presença do Defesor Público, conforme se verifica do termo anexado (Evento 157 - carta precatória 516).

Nesse cenário, importante enfatizar que a defesa se fez presente por meio do membro da Defensoria Pública Gaúcha, de modo que não pode alegar prejuízo ao recorrente.

Ora, a única parte que poderia invocar prejuízo seria a acusação - e não a defesa!

Logo, não faz sentido, por absoluta falta de legitimidade, postular a defesa possível vício processual que não tenha lhe prejudicado. Ao menos nenhum prejuízo concreto logrou demonstrar o recorrente, senão a exposição abstrata de doutrina a respeito do sistema acusatório no direito processual penal brasileiro.

E indo além: "não há vício na hipótese em que, apesar de intimado, o Ministério Público deixa de comparecer a uma das audiências e o Magistrado formula perguntas às testemunhas sobre os fatos constantes da denúncia, sobretudo no caso em que não há demonstração de efetivo prejuízo" (AgRg no RHC 69.711/PE, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 27-2-2018, DJe 8-3-2018).

A título ilustrativo ainda transcrevo a seguinte ementa de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIAS DE FATO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AUSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ATESTADA NOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Conforme consignado no decisum monocrático vergastado, o entendimento consolidado desta eg. Corte Superior é no sentido de que "[...] não há qualquer vício a ser sanado nas hipóteses em que, apesar de intimado, o Ministério Público deixa de comparecer à audiência [...]" (REsp n. 1.348.978/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 17/02/2016). Precedente (AgRg no REsp 1860108/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28-4-2020, DJe...

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