Acórdão Nº 0011874-65.2013.8.24.0039 do Primeira Câmara Criminal, 21-06-2022

Número do processo0011874-65.2013.8.24.0039
Data21 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0011874-65.2013.8.24.0039/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRENTE: JHONATAN NOGUEIRA (ACUSADO) RECORRIDO: OS MESMOS

RELATÓRIO

No Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Lages, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Jhonatan Nogueira, pela prática, em tese, da infração penal contra a vida prevista no art. 121, § 2º, II e III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, por duas vezes, e crime conexo disposto no art. 14, da Lei n. 10.86/03, em concurso material, na forma do art. 69, do Estatuto Repressor, em razão dos fatos assim narrados na inicial acusatória (Evento 232 dos autos originários):

1. No dia 9 de abril de 2013, por volta das 21h, na Rua Grêmio Atlético Guarani, próximo à Mercearia Dias, no Bairro Santa Mônica, nesta cidade e Comarca de Lages/SC, o denunciado Jhonatan Nogueira, com consciência e vontade, com incontroverso animus necandi, movido por motivo fútil e utilizando-se de meio que resultou em perigo comum, deu início ao ato de matar as vítimas Guilherme da Silva Costa e Alexandre de Liz Araújo, o que só não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade.

2. Na oportunidade, em via pública, próximo a uma mercearia, local em que passavam outros transeuntes - gerando perigo comum - e, em razão de desentendimentos ocorridos entre o denunciado e as vítimas desde o período da adolescência (motivo fútil), Jonathan Nogueira - utilizando-se de espingarda calibre .22, CBC (termo de exibição e apreensão acostado à fl. 7; laudo pericial, acostado às fls. 62-64) - efetuou uma série de disparos contra Guilherme da Silva Costa e Alexandre de Liz Araújo, que resultaram nas lesões descritas nos laudos periciais acostados às fls. 19-22 e fls. 88/89.

3. Conforme se infere dos laudo pericial acostado à fl. 20, a vítima Guilherme da Costa teve seu rosto alvejado, tendo o projétil atingido o queixo e saído na região cervical anterior, à direita. No que tange à vítima Alexandre de Liz Araújo, a lesão deu-se na região do ombro direito, tendo saído na região infraescapular e lateral do tórax, à direita (fl. 19).

4. Resta de forma nítida nos autos que apenas não houve consumação dos delitos de homicídio em virtude de os disparos não acertarem regiões vitais do corpo das vítimas, por conta da pontaria empregada à distância pelo denunciado, assim como pelo pronto atendimento médico das vítimas.

5. Insta salientar que o denunciado Jonathan Nogueira portou arma de fogo de uso permitido (espingarda calibre .22, CBC (termo de exibição e apreensão acostado à fl. 7; laudo pericial, acostado às fls. 62-64), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, não possuindo registro ou porte da arma empregada para a prática do delito em tela, a qual possuía em sua residência até a data dos fatos.

Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença de pronúncia, que, contudo, afastou a qualificadora do motivo fútil, submetendo o acusado a julgamento perante o Conselho de Sentença pelo suposto cometimento do crime insculpido no art. 121, § 2º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, por duas vezes, e delito conexo preceituado no art. 14, da Lei n. 10.826/03. A deliberação contou com o seguinte dispositivo (Evento 412 dos autos originários):

Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE a denúncia de Evento 232, para PRONUNCIAR o réu JHONATAN NOGUEIRA, já devidamente qualificado nos autos, como incurso, nas sanções do artigo no artigo 121, § 2º, inciso III c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal (por duas vezes), bem como nas sanções do artigo 14, da lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).

Inconformados com o decisum, o acusado e o Ministério Público interpuseram os presentes recursos.

Nas suas razões, o réu almeja, em suma: a) a absolvição sumária em virtude da incidência da excludente de ilicitude da legítima defesa; b) alternativamente, a desclassificação da conduta imputada para o crime de lesão corporal por ausência de propósito homicida; c) a impronúncia por insuficiência de elementos aptos a encaminhar o processo à etapa seguinte; d) o afastamento da qualificadora do perigo comum; e e) quanto à infração penal conexa, a desclassificação da conduta, reconhecendo-se a prática do crime disciplinado no art. 12, da Lei n. 10.826/03, com a consequente absolvição, e, alternativamente, a aplicação do princípio da consunção (Evento 419 dos autos originários).

O Órgão Ministerial, por seu turno, pretende a reforma da decisão recorrida, a fim de a qualificadora do motivo fútil seja encaminhada à apreciação do Conselho de Sentença, pois, segundo argumenta, há elementos apontando que o crime decorreu de causa manifestamente desproporcional (Evento 426 dos autos originários).

Em contrarrazões, o Ministério Público propôs o conhecimento e desprovimento do recurso do acusado (Evento 431 dos autos originários). A defesa em contrarrazões, de igual forma, postulou o improvimento do apelo do Parquet (Evento 433 dos autos originários).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Procurador Genivaldo da Silva, que se manifestou pelo conhecimento dos recursos, e provimento tão somente da insurgência Ministerial (Evento 10 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Tratam-se de Recursos em Sentido Estrito interpostos por Jhonatan Nogueira e pelo Ministério Público contra sentença do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Lages que, ao julgar parcialmente admissível o pedido formulado na denúncia, prolatou sentença de pronúncia, submetendo o acusado a julgamento perante o Conselho de Sentença em razão do suposto cometimento do delito contra a vida disciplinado no art. 121, § 2º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, por duas vezes, e do crime conexo previsto no art. 14, da Lei n. 10.826/03.



1. Dos fatos

Consta da peça vestibular, sinteticamente, que no dia 09-04-2013, por volta das 21h, o acusado, de forma consciente e voluntária, imbuído de manifesto animus necandi, realizou múltiplos disparos em direção às vítimas, causando-lhes ferimentos descritos no laudo pericial acostado ao feito.

Segundo a pretensão acusatória, os delitos, que foram motivados por desavenças pretéritas, tão somente não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade do réu, pois os ofendidos não foram atingidos em regiões vitais e receberam célere atendimento médico.

Ademais, de acordo com o Parquet, o acusado teria portado arma de fogo de uso permitido (espingarda), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Por tais razões, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Jhonatan Nogueira, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II e III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, por duas vezes, e art. 14, da Lei n. 10.826/03, em concurso material, na forma do art. 69, do Estatuto Repressor.

Devidamente instruído o presente feito, sobreveio sentença de pronúncia, que afastou a qualificadora do motivo fútil e, no mais, acatou o pedido formulado na exordial acusatória para submeter o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri.

Irresignados, o acusado e o Órgão Ministerial manejaram as presentes insurgências.



2. Admissibilidade

Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual comportam conhecimento.



3. Mérito do recurso de Jhonatan

3.1 Dos pedidos de absolvição, desclassificação e impronúncia

A defesa argumenta que, consoante a prova constante no caderno processual, o acusado unicamente armou-se com a espingarda do avô e deflagrou os disparos de arma de fogo para repelir as injustas agressões praticadas pelas vítimas, razão pela qual postula o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, e, por consequência, a absolvição sumária do réu.

Alega, alternativamente, que o acusado agiu apenas visando lesionar os ofendidos, inexistindo elementos que certifiquem a presença de propósito homicida na conduta praticada, pleiteando, assim, desclassificação da infração a este imputada.

Por fim, subsidiariamente, a defesa busca a impronúncia, pois, segundo sustenta, não existem elementos de prova aptos a permitirem o encaminhamento do processo à etapa seguinte. Aduz, nessa toada, que o princípio do in dubio pro societate não encontra respaldo na Constituição Federal, devendo a dúvida favorecer o acusado.

Os pleitos, adianta-se, não comportam provimento.

Inicialmente, relativamente à pronúncia, assim dispõe o caput e o parágrafo primeiro do art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Consoante se infere do dispositivo destacado, a pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo-se para a sua prolação somente prova da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva. Com efeito, não há espaço para uma averiguação exaustiva do substrato probatório angariado, realiza-se apenas uma análise perfunctória, a fim de verificar se existem elementos para submeter o acusado a julgamento perante o Conselho de Sentença.

Em outros termos, nessa etapa do procedimento escalonado, quanto à prova produzida, procede-se a uma operação cognitiva não exauriente, uma vez que não se pode exigir a formação de um juízo de certeza, mas apenas de probabilidade fundada.

A propósito, "[...] Na decisão de pronúncia há mero juízo de prelibação, sem encerrar qualquer ideia de condenação, onde o juiz singular, em decisão...

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