Acórdão Nº 0011929-70.2017.8.24.0008 do Terceira Câmara de Direito Público, 27-07-2021

Número do processo0011929-70.2017.8.24.0008
Data27 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0011929-70.2017.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


APELANTE: JOSIELMA DE FATIMA DE OLIVEIRA DE AMARAL (AUTOR) APELADO: MUNICÍPIO DE BLUMENAU (RÉU)


RELATÓRIO


Perante a 3ª Vara da Justiça do Trabalho de Blumenau, Josielma de Fatima de Oliveira de Amaral ajuizou "reclamação trabalhista" em face do Município de Blumenau alegando que foi contratada para exercer o cargo de agente comunitário de saúde e que sempre exerceu suas funções em ambientes insalubres; que durante toda a contratualidade o ente municipal não respeitou o estabelecido no art. 9º-A da Lei n. 11.350/2006 que estabelece um piso salarial a todos os integrantes da categoria profissional, bem como nunca pagou o incentivo adicional, conhecido como 14º salário, criado pela Portaria n. 1.350/GM/2002. Requereu a procedência do pedido com a condenação do demandado ao pagamento do adicional de insalubridade, bem como de valores referentes à diferença entre seu salário e o piso nacional dos agentes comunitários de saúde e ao incentivo financeiro concedido aos agentes comunitários de saúde.
Devidamente citado, o Município de Blumenau apresentou contestação, arguindo, em preliminar, a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito. No mérito, afirmou que a autora sempre percebeu, desde junho de 2014, quando da aprovação da Lei 12.994/2014, salário em valor superior ao instituído no artigo 9-A da Lei 11.350/2006; que a autora não tem direito ao adicional de insalubridade porquanto em nenhuma circunstância durante a execução do seu trabalho tem contato com agentes infecciosos que pudessem ensejar o pagamento da gratificação postulada, uma vez que não realiza quaisquer tipos de procedimentos privativos de médicos e enfermeiros, que a obrigariam a manter contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos.
A autora apresentou réplica, oportunidade em que juntou aos autos laudos periciais produzidos em autos semelhantes a este para serem utilizados como prova emprestada.
O douto Juiz do Trabalho reconheceu a incompetência da Justiça Laboral e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual da Comarca de Blumenau.
Recebidos os autos pela Justiça Estadual, o MM. Juiz da 2ª Vara da Comarca de Blumenau ratificou todos os atos processuais praticados na Justiça do Trabalho
O representante do Ministério Público manifestou-se pela improcedência do pedido.
Na sequência, o MM. Juiz de Direito, ao sentenciar o feito, inscreveu na parte dispositiva da decisão:
Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados por Josielma de Fátima de Oliveira de Amaral em face do Município de Blumenau, e, assim, resolvo o mérito da demanda com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil).
Condeno a parte ativa ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC.
Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte autora aos advogados dos litigantes vencedores no percentual de 10% sobre o valor da causa (devidamente corrigido pelo INPC/IBGE desde a data da propositura da demanda), conforme art. 85, § 3º, I, do CPC.
A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à parte ativa, durante o prazo extintivo de 5 anos, porque concedido à autora os benefícios da gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado, arquivem-se os autos.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, repisando os argumentos expendidos na peça pórtica apenas no que tange ao pleito de gratificação de insalubridade e acrescentou que "a Lei 13.342/2016 reconheceu expressamente que o trabalho executado pela recorrente se trata de uma função insalubre, merecendo receber o respectivo adicional de insalubridade em sua remuneração". Sustentou, ainda, que o laudo pericial juntado aos autos comprova que as atividades desempenhadas pela recorrente são insalubres em grau médio, demonstrando estar de acordo com a Lei 13.342/2016 que inseriu o artigo 9º-A à Lei 11.350/2016.
Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Plínio Cesar Moreira, considerou ausente o interesse público na causa e deixou de intervir

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto por Josielma de Fatima de Oliveira de Amaral inconformada com a sentença que, nos autos da "reclamação trabalhista", ajuizada em face do Município de Blumenau, julgou improcedente o pedido formulado pela autora que pretendia a condenação do ente público municipal ao pagamento do adicional de insalubridade em razão do exercício do cargo de agente comunitário de saúde.
Fique bem claro que, embora o pedido inicial fosse mais abrangente, a apelante circunscreveu o pedido recursal apenas à sua pretensão de receber adicional (ou gratificação) de insalubridade, daí porque a análise do recurso será feita apenas em relação a isso.
Pois bem.
Inicialmente, convém consignar que Administração Pública está atrelada ao princípio da legalidade insculpido no caput, do art. 37 da Constituição Federal e qualquer pretensão só será passível de concessão quando houver expressa previsão legal.
Nestes termos, prudente lembrar a sempre citada lição de Hely Lopes Meirelles:
A legalidade, como princípio administrativo (CF, art. 37, "caput"), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
(...)
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei significa "deve fazer assim".
As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37ª edição atualizada até a EC nº 67, de 22.12.2010. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 89).
Portanto, nenhuma vantagem pecuniária pode ser percebida pelos servidores públicos sem a correspondente lei que lhe dê amparo, em atenção ao princípio da legalidade. O campo de aplicação e os limites impostos aos benefícios concedidos devem ser depreendidos da lei, in casu, municipal, tendo o Administrador dever de observá-la.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) prevê que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (art. 7º, inciso XXII), bem como o "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei" (art. 7º, inciso XXIII).
De outro lado, a Emenda Constitucional n. 19/1998, ao acrescentar o § 3º, ao art. 39, da CF/88, determinou que se aplica "aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir".
Observe-se, então, que o inciso XXIII do art. 7º, da CF/88, que trata especificamente do adicional de insalubridade, não mais figura entre os direitos aplicáveis aos servidores públicos.
A Emenda Constitucional n. 19, de 4/6/1998, suprimiu do § 3º do art. 39, da CF/88, essa extensão obrigatória do adicional de insalubridade ao servidor público, mas não proibiu que as leis federais, estaduais ou municipais prevejam gratificações para o servidor público que exercer atividade insalubre, penosa ou perigosa.
Por oportuno:
A perda do status de direito constitucional do adicional de insalubridade em relação aos servidores públicos, em razão da superveniência da Emenda Constitucional n. 19/1998, não obsta que o Município, no exercício de sua competência para disciplinar a remuneração dos servidores públicos que lhe são afetos, estabeleça a sua concessão, em lei regularmente editada, e devidamente regulamentada. (Apelação Cível n. 2008.075377-2, de Dionísio Cerqueira, Rel. Des. Vanderlei Romer, j. 13/5/2009).
As verbas referentes a atividades insalubres são consideradas como gratificações, sendo devidas em razão das condições excepcionais da prestação do serviço, eis que possuem nítido caráter "propter laborem". Em virtude disso, para o recebimento da remuneração de insalubridade, o servidor precisa ter efetivamente prestado trabalho contínuo em condições nocivas à sua saúde.
O mestre HELY LOPES MEIREILES, acerca do assunto, leciona:
Adicionais são vantagens pecuniárias que a Administração concede aos servidores em razão do tempo de exercício (adicional de tempo de serviço) ou em face da natureza peculiar da função, que exige conhecimentos especializados ou um regime próprio de trabalho (adicionais de função). Os adicionais destinam-se a melhor retribuir os exercentes de funções técnicas, científicas e didáticas, ou a recompensar os que se mantiveram por longo tempo no exercício do cargo. O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser...

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