Acórdão nº 0011942-83.2019.8.14.0006 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 3ª Turma de Direito Penal, 16-10-2023

Data de Julgamento16 Outubro 2023
Órgão3ª Turma de Direito Penal
Year2023
Número do processo0011942-83.2019.8.14.0006
Classe processualRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
AssuntoHomicídio Simples

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) - 0011942-83.2019.8.14.0006

RECORRENTE: ODENILSON DE SOUZA SANTANA JUNIOR

RECORRIDO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargador JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR

EMENTA

DIREITO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. ART. 121, §2º, IV (3X) C/C ART. 121, §2º, INCISO IV E 14, INCISO II, AMBOS DO CP (1X). PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 302 DO CTB. INCABÍVEL. DÚVIDA ACERCA DO DOLO EVENTUAL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. QUALIFICADORA DO ART. 121, §2º, INCISO IV DO CP/40 DECOTADA, DE OFÍCIO, PELA INCOMPATIBILIDADE COM O DOLO EVENTUAL.

1. Como se sabe, a decisão de pronúncia configura mero juízo de admissibilidade da acusação, não pressupondo, portanto, a certeza da culpa. Havendo nos autos provas de materialidade do fato, por meio dos laudos periciais de necrópsia das vítimas e ainda do local do crime, e ainda indícios suficientes de sua autoria, por meio das provas testemunhais, nos termos do art. 413 do CPP, o acusado há de ser pronunciado, com a consequente remessa dos autos ao juiz natural de sua causa, que é o Tribunal do Juri, juiz natural da causa, único legitimado a decidir definitivamente sobre o mérito da ação penal. Assim, havendo dúvida sobre o dolo eventual com que supostamente agiu o acusado, torna-se inviável a desclassificação da conduta neste momento, cabendo ao Tribunal do Júri a apreciação da tipicidade da conduta.

2. Embora não impugnado pela defesa, cabe o decote de ofício da qualificadora do art. 121, §2º, inciso IV do CP/40, uma vez que de acordo com precedentes do STJ, é incompatível com a figura do dolo eventual, imputado pela acusação.

3. Recurso conhecido e desprovido. De ofício, decotada a qualificadora do art. 121, §2º, inciso IV do CP/40, mantendo-se a pronúncia do acusado pelos crimes de homicídios simples consumados, por três vezes, e homicídio simples tentado, uma vez.


ACÓRDÃO

Vistos e etc...

Acordam, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso em sentido estrito, decotando de ofício a qualificadora do art. 121, §2º, inciso IV do CP/40, nos termos voto do Relator.

30ª Sessão Ordinária - Plenário Virtual (PJE) – 3ª Turma de Direito Penal, iniciada em 16 de outubro de 2023 e finalizada em 24 de outubro de 2023.

Julgamento presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Pinheiro Sotero.

Belém/PA, 25 de outubro de 2023.

JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR

DESEMBARGADOR RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por ODENILSON DE SOUZA SANTANA JUNIOR em face de decisão de pronúncia proferida pelo juízo da Vara do Tribunal do Júri de Ananindeua/PA, em 27.05.2022 (Num. 10416753), nos autos da Ação Penal nº 0011942-83.2019.8.14.0006 (migrado ao sistema PJE), na qual é processado pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio, previstos no art. 121, caput, do CP/40 c/c art. 14, incisos I (3x) e II (1x), das vítimas Benedita Maria Andrade de Souza, Deividy José Andrade de Souza, Naura Ney Cunha e vítima José maria de Souza Cruzeiro.

A decisão pronunciou o acusado como incurso no art. 121, §2º, inciso IV do CP/40 (quanto à vítima Benedita Maria Andrade de Souza, Deividy José Andrade de Souza e Naura Ney Cunha) e art. 121, §2º, inciso IV c/c art. 14, II, ambos do CP/40 (quanto à vítima José Maria de Souza Cruzeiro, sobrevivente).

Em suas razões recursais (Num. 10416765), a defesa impugna somente o mérito da decisão, requerendo a reforma para desclassificar a conduta para o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, previsto no art. 302 do CTB.

O Ministério Público do Pará apresentou contrarrazões ao recurso sob o Num. 10416769, refutando as alegações da defesa e pugnando pela manutenção da decisão de pronúncia em sua íntegra.

Sob o Num. 10416770, o juízo a quo exerceu juízo de retratação, mantendo a decisão in totum.

Instado a se manifestar, o órgão ministerial de 2º grau opinou pelo conhecimento e total desprovimento do recurso, consoante parecer de Num. 10870331.

Os autos vieram a minha relatoria por força da decisão de Num. 10967473.

Eis o relatório.

Inclua-se em pauta de julgamento, via plenário virtual.

Intime-se.

VOTO

I – Do Juízo de admissibilidade recursal.

Conheço do recurso, eis que preenchidos os pressupostos recursais de admissibilidade.

II – Do Mérito Recursal

II.1 – Do pedido de desclassificação para o art. 302 do CTB

A defesa impugna a natureza dolosa da conduta, pois o acusado teria agido somente mediante culpa e não dolo eventual, razão pela qual pleiteia a desclassificação da conduta para o tipo penal do art. 302 do CTB.

Pois bem. Segundo narra a peça acusatória, as vítimas, que eram todas familiares entre si, vinham caminhando na calçada da Rodovia Hélio Gueiros, em frente ao Condomínio Acqua Ville, Bairro do 40 Horas, Ananindeua/PA, após retornarem da festa de aniversário da vítima Benedita Maria, quando foram todas atingidas pelo veículo automotor conduzido pelo acusado, que colidiu com elas em alta velocidade, tendo inclusive capotado o carro. Segundo testemunhas oculares, as vítimas fatais faleceram no local do crime, sendo a quarta levada ao hospital para cuidados. O acusado também foi submetido a cuidados médicos e, após, preso em flagrante delito. O acusado estaria embriagado, tendo entrado em coma alcoólico no hospital. O estado das vítimas, que ficaram desfiguradas, denotou a extrema violência e barbárie do crime.

Após regular instrução preliminar, o juízo a quo proferiu decisão interlocutória, pronunciando o acusado pelos crimes do art. 121, §2º, inciso IV c/c art. 14, incisos I e II, ambos do CP/40, considerando que os crimes supostamente foram cometidos sem dar as vítimas chance de defesa. Sobre a decisão de pronúncia, diz o art. 413 do CPP:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

Sobre referida fase processual, diz a doutrina de Távora:

A pronúncia é uma decisão com fundamentação técnica. Não deve tecer valorações subjetivas em prol de uma parte ou de outra. As teses de acusação e da defesa não são rechaçadas na totalidade. O juiz da instrução preliminar deve fazer menção à viabilidade da imputação e à impossibilidade de se reconhecer, naquele momento, as teses que justificariam a imediata absolvição. É o júri o juiz dos fatos e a pronúncia fará um recorte deles, admitindo os que se sustentam e recusando aqueles evidentemente improcedentes. (2021, p. 1190)

Dessa feita, nesta fase processual do rito do júri, tem-se um crivo, um filtro para fins de fixação da competência do Tribunal do Júri, composto por juízes leigos. Ao juiz togado cabe apenas um juízo de prelibação, em que analise a existência de provas de materialidade e indícios suficientes de autoria, impedindo que toda e qualquer acusação penal seja remetida ao conselho de sentença, que proferirá veredicto independe de fundamentação e sem o conhecimento técnico jurídico.

Pois bem. À luz da narrativa fática da denúncia (Num. 10416470 - Pág. 2/5), tem-se a materialidade delitiva por meio das imagens das vítimas caminhando na calçada e após o incidente - Num. 10416446 - Pág. 2/4; fotografias da cena do crime indicando o carro capotado - Num. 10416457 - Pág. 1/2; ofício da polícia, comunicando que o veículo causador do incidente se mantém detido no pátio do SEMUTRAN, sendo que foi incendiado por populares no local do fato - Num. 10416465 - Pág. 1; documento do veículo VW Fox 1.0, cor preta, ano 2011/2012, em nome de Aney Cardoso Beckman - Num. 10416494 - Pág. 3; prontuário médico da vítima José Maria de Souza, sobrevivente ao crime - Num. 10416510 - Pág. 3/8; documentos médicos relativos ao acusado Odenilson de Souza Santana Junior, datados de outubro de 2019 - Num. 10416520 - Pág. 2/Num. 10416535 - Pág. 6; relatório médico no qual o atendente menciona hálito etílico referido pela equipe de resgate do SAMU - Num. 10416520 - Pág. 5 e Num. 10416526 - Pág. 2; laudo necroscópico da vítima Deividy José Andrade de Souza - Num. 10416552 - Pág. 2/4; laudo necroscópico da vítima Naura Ney Cunha - Num. 10416552 - Pág. 5/Num. 10416554 - Pág. 1; laudo necroscópico da vítima Benedita Maria Andrade de Souza - Num. 10416554 - Pág. 2/4; laudo pericial de local de crime com cadáver, indicando que a via era de velocidade máxima 30 km/h - Num. 10416554 - Pág. 5/Num. 10416556 - Pág. 3; laudo pericial realizado no veículo incendiado - Num. 10416556 - Pág. 4/Num. 10416558 - Pág. 4; prontuário médico da vítima José Maria de Souza - Num. 10416558 - Pág. 5/Num. 10416565 - Pág. 1; laudo pericial de local de crime com cadáver, indicando que a via era de velocidade máxima 30 km/h, agora com fotografias da cena do crime - Num. 10416568 - Pág. 2/Num. 10416583 - Pág. 2; fotografia da placa indicativa da velocidade máxima permitida na via, de 30 km/h - Num. 10416587 - Pág. 1; croquis das lesões nas vítimas falecidas - Num. 10416587 - Pág. 3/Num. 10416588 - Pág. 1; fotografias das vítimas durante o festejo de aniversário da vítima Benedita, que antecedeu o acidente - Num. 10416589 - Pág. 2/Num. 10416589 - Pág. 8.

No que diz respeito à autoria delitiva, constam indícios suficientes por meio dos depoimentos testemunhais, PM Jefferson Carvalho de Souza Castro (Num. 10416660 a Num. 10416663), PM Rafael Santa Brígida dos Santos (Num. 10416664 a Num. 10416666),...

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