Acórdão Nº 0011945-51.2008.8.24.0004 do Quinta Câmara de Direito Público, 13-02-2020

Número do processo0011945-51.2008.8.24.0004
Data13 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemAraranguá
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0011945-51.2008.8.24.0004, de Araranguá

Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira

DANOS MORAIS - ESCRITURAS PÚBLICAS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS - HIPOTECA - FRAUDE MEDIANTE FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURAS - AUTOR QUE NÃO POSSUÍA VÍNCULO COM OS BENS - FALHA DA SERVENTIA EXTRAJUDICIAL E EVIDÊNCIAS DA PARTICIPAÇÃO DE TERCEIRO - EXTINÇÃO DO FEITO QUANTO AO ESTADO E TABELIÃO NÃO RECORRIDA - FALTA DE PROVAS EM RELAÇÃO A UMA POSSÍVEL CONDUTA DOS DEMAIS RÉUS - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INDENIZATÓRIO RATIFICADA.

Escrituras públicas de compra e venda de imóveis e de abertura de crédito (com gravação de hipoteca) foram fraudadas: terceiro se passou pelo autor e assinou os documentos necessários para a celebração dos ajustes - tudo categoricamente comprovado por perícia judicial, cuja falsidade era tamanha que se poderia atribuir a grave falha à serventia extrajudicial e consequentemente imputar responsabilidade ao Poder Público (que responde objetivamente - Tema 777 do STF).

Aqui, porém, a sentença - proferida antes da tese firmada -, embora tenha julgado procedente a pretensão anulatória, extinguiu o feito sem resolução de mérito quanto ao Estado de Santa Catarina e deu por prejudicada a denunciação da lide em relação ao cartorário. Em seu recurso o autor não contestou esse encaminhamento, apenas genericamente sustentando que fazia jus à indenização por abalo moral (ali afirmando que tudo decorreu de conduta dolosa e ilícita de um dos corréus).

Além de não ser mais possível rever a situação processual quanto ao Poder Público, todos os indícios que existem se inclinam para a constatação de que terceiro foi o verdadeiro fraudador, não havendo demonstração alguma quanto à participação ou ciência dos demais acionados (instituição financeira e intervenientes em operação de crédito).

Recurso desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0011945-51.2008.8.24.0004, da comarca de Araranguá - 2ª Vara Cível em que é Apelante Tiago Ranacoski Soares e são Apelados o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE, Estado de Santa Catarina, Cooperativa Pioneira de Eletrificação - Coopera, Carlos Alberto Arns e Claudson Kindermann.

A Quinta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Denise de Souza Luiz Francoski e Vilson Fontana.

Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020.

Desembargador Hélio do Valle Pereira

Presidente e relator

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença:

Tiago Ranacoski Soares ajuizou a ação 0011945-51.2008.8.24.0004 contra Cooperativa Pioneira de Eletrificação - Coopera, Carlos Alberto Arns e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE e a ação 000511156-2013.8.24.0004 contra o Estado de Santa Catarina relatando que falsamente constou como adquirente dos imóveis de matrícula nº 21.409 e 21.410 em escritura pública de compra e venda e posteriormente como hipotecante dos mesmos bens, sendo que ambos os instrumentos públicos foram formalizados no Cartório Extrajudicial de São Martinho/SC. O valor do empréstimo ao qual os imóveis foram entregues em hipoteca foi creditado à COOPERA, cujo presidente era Carlos Alberto Arns. Também sustentou que o tabelião foi no mínimo negligente. Ao final, requereu a procedência das demandas, declarando-se a nulidade das escrituras públicas de compra e venda e de abertura de crédito fixo e condenando-se os requeridos a indenizarem os danos morais causados. Pediu, ainda, a concessão de justiça gratuita, pleito que restou deferido.

Citados, os réus apresentaram contestação.

A Cooperativa Pioneira de Eletrificação e Carlos Alberto, preliminarmente, arguiram ilegitimidade passiva ad causam e decadência. No mérito, sustentaram que, se a versão do autor é verdadeira, os requeridos também foram vítimas da fraude, já que nada sabiam. Também defenderam a inexistência de dano moral. Ao final, pediram a improcedência da demanda.

O BRDE, inicialmente, pediu a denunciação da lide dos cartórios de São Martinho, Nova Veneza e Turvo, respectivamente, nas pessoas de Gabriel Back Neto, Nereci Vargas Pereira e Celso Marcon. No mérito, sustentou que não teve conhecimento ou participação na fraude e que não houve dano moral, razão pela qual pediu a improcedência da demanda.

O Estado de Santa Catarina, preliminarmente, arguiu ilegitimidade passiva ad causam, inépcia da inicial pela formulação de pedido genérico e a denunciação da lide do titular do Cartório de Registro de Imóveis de São Martinho, Claudson Kindermann. No mérito, defendeu a ausência de culpa do Estado, o eventual caráter subsidiário de sua responsabilidade e a inexistência de dano moral.

Houve réplica.

As preliminares de ilegitimidade passiva ad causam arguidas pela Cooperativa Pioneira de Eletrificação e Carlos Alberto foram indeferidas, assim como a denunciação requerida pelo BRDE, deferindo-se apenas a denunciação de Claudson requerida pelo Estado (fls. 218/219 dos autos 0011945-51.2008.8.24.0004 e fl. 244 do feito 000511156-2013.8.24.0004).

Citado, Claudson deixou transcorrer in albis o prazo para contestar.

Aportou aos autos o laudo, de cujo teor as partes puderam se manifestar.

Adito que Sua Excelência julgou os processos nestes termos:

3. Face ao exposto, julgo:

3.1. Extinto o feito em relação ao Estado de Santa Catarina por falta de interesse de agir e, consequentemente, prejudicado o pedido de denunciação da lide formulado pelo Estado.

3.2. Improcedente o pleito indenizatório.

3.3. Procedente o pedido para declarar: a) nulas as escrituras públicas de compra e venda registradas no livro 0074, folhas 145/146 e 147/148, no Cartório de São Martinho, firmadas em 12/09/2003 com Adyr Francisco Acorde e formalizadas pelo tabelião Claudson Kindermann; b) inexistente em relação à Tiago a 'escritura pública de abertura de crédito fixo correspondente ao contrato nº SC-15.084/BNDES/Automático' registrada no livro 0076, folhas 040/052, no Cartório de São Martinho, firmada em 23/08/2004 e formalizada pelo tabelião Claudson Kindermann, que possuía como credor o BRDE e como creditada a COOPERA.

Condeno Tiago no pagamento de 20% das custas nos autos nº 0011945-51.2008.8.24.0004 e em sua integralidade nos autos 000511156-2013.8.24.0004, bem como honorários advocatícios em favor dos procuradores de Cooperativa Pioneira de Eletrificação - Coopera/Carlos Alberto Arns, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE e do Estado de Santa Catarina, no valor de R$ 1.500,00 para cada um, totalizando R$ 4.500,00, observando-se o art. 98, § 3º, do CPC.

A Cooperativa Pioneira de Eletrificação - Coopera e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE suportarão, na proporção de metade cada um, o pagamento de 80% das custas dos autos nº 0011945-51.2008.8.24.0004 e honorários advocatícios em favor do procurador do autor, que arbitro em 15% sobre o valor da causa dado na inicial (a tentativa de modificação de fl. 250 foi intempestiva).

Registro que o valor dos honorários periciais (R$ 9.000,00 conforme fl. 958) será suportado apenas pela Cooperativa Pioneira de Eletrificação - Coopera e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE, na proporção de metade cada um, tendo em vista que a assinatura foi reconhecida como falsa, tendo o autor saído vencedor neste pleito.

Deixo de impor à Carlos Alberto Arns ônus sucumbencial porque ele não era parte na escritura pública (apenas representava uma das contratantes) e não foi condenado no pedido indenizatório.

O recurso é do autor, que insiste fazer jus à indenização por danos morais. Relembrando o contexto fático, diz que ao reunir documentação voltada à aquisição de casa própria foi surpreendido pelos agentes financeiros com a informação de que possuía pendências tributárias relativamente ao ITR. Como jamais possuiu imóvel rural, dirigiu-se à Receita Federal para buscar maiores detalhes e lá tomou conhecimento de que havia dois terrenos em seu nome no Município de Morro Grande. Não bastasse, descobriu que tais bens foram hipotecados ao Banco réu como garantia de financiamento em favor da codemandada Coopera, representada pelo também acionado Carlos Alberto.

A partir daí é que teve início sua "via sacra", tomando conhecimento de que sua assinatura fora falsificada - como inclusive se reconheceu mediante perícia em âmbito judicial. Aponta como responsável a Cooperativa, que "através de seus representantes utilizaram o nome do apelante sem qualquer autorização, falsificando sua assinatura, confeccionando escrituras públicas de compra e venda, contratos bancários milionários e escritura pública de hipoteca, a fim de obter dinheiro, utilizando-se da boa imagem da vítima".

Quer, por essas razões, somadas ao fato de ter ficado impossibilitado de financiar sua "tão sonhada casa própria", que a sentença seja revista a fim de que se dê pela procedência da indenização pretendida, condenando-se os réus no "patamar máximo".

Em contrarrazões a instituição financeira e a Cooperativa sustentaram que o recurso não atende à dialeticidade, pois seus argumentos não contrapõem o conteúdo decisório proferido e se limitam a reproduzir o já dito na petição inicial. No mérito defenderam o acerto da decisão combatida, inclusive salientando que não há demonstração alguma de que tenham participado dos fatos...

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