Acórdão Nº 0012367-32.2018.8.24.0018 do Terceira Câmara Criminal, 29-09-2020

Número do processo0012367-32.2018.8.24.0018
Data29 Setembro 2020
Tribunal de OrigemChapecó
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0012367-32.2018.8.24.0018, de Chapecó

Relator: Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Apelação Criminal. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO, POR DUAS VEZES. (ART. 171, CAPUT, C/C ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DO ACUSADO NA DELEGACIA DE POLÍCIA PELAS VÍTIMAS E POR ELAS CONFIRMADO EM JUÍZO. DECLARAÇÕES DOS OFENDIDOS FIRMES E COERENTES EM AMBAS AS ETAPAS DA PERSECUÇÃO PENAL, DANDO CONTA QUE O RECORRENTE, MEDIANTE CONVERSAS ARDILOSAS, FEZ UM DOS OFENDIDOS ACREDITAR QUE ESTARIA PAGANDO PELA CONTRATAÇÃO DE UM ADVOGADO, QUE TIRARIA SEU FILHO DA PRISÃO, E ISMAEL, SEGUNDO OFENDIDO, PELA EMISSÃO DE SUA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. VÍTIMAS QUE ENTREGAM AO APELANTE VALORES APROXIMADOS DE SETE MIL REAIS E TRÊS MIL REAIS, RESPECTIVAMENTE. CAUSÍDICO QUE EM MOMENTO ALGUM FORA CONTRATADO E CNH QUE NUNCA FORA ENTREGUE. INDUÇÃO DAS VÍTIMAS EM ERRO, MEDIANTE ARDIL, PARA OBTENÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA EM PREJUÍZO ALHEIO. DOLO EVIDENTE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. VERSÃO DEFENSIVA ANÊMICA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

REGIME PRISIONAL. PRETENSA FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL MAIS BRANDO. IMPOSSIBILIDADE. REPRIMENDA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS. CONTUDO, ACUSADO REINCIDENTE E POSSUIDOR DE MAUS ANTECEDENTES. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 269 DO STJ. REGIME INICIAL FECHADO MANTIDO.

ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE MODIFICOU A NATUREZA DA AÇÃO PENAL DE INCONDICIONADA PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. DISPENSA DE ATO FORMAL QUANDO VERIFICADO, POR OUTROS MEIOS, INEQUÍVOCO INTERESSE NA PERSECUÇÃO PENAL. IN CASU MANIFESTAÇÃO DE VONTADE EXTERNADA POR MEIO DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA E DAS DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS. SUFICIÊNCIA. ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO DESTA CORTE ENCAMPADO POR ESTE RELATOR, EM PROL DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA COLEGIALIDADE.

RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0012367-32.2018.8.24.0018, da comarca de Chapecó (1ª Vara Criminal) em que é Apelante Waldemar Rodrigues da Costa e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 29 de setembro de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Júlio César M. Ferreira de Melo e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti.

Florianópolis, 02 de outubro de 2020

Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Relator e Presidente


RELATÓRIO

Na comarca de Chapecó, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Waldemar Rodrigues da Costa, dando-o como incurso nas sanções do art. 171, caput, por duas vezes, do Código Penal, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:

FATO 1:

Em data incerta, mas entre os meses de novembro e dezembro de 2017, na Linha Rodeio, zona Rural, neste município de Chapecó/SC, o denunciado Waldemar Rodrigues da Costa, de forma consciente e voluntária, ciente da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, obteve, para si, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo a vítima Artidório Padilha em erro, mediante artifício e ardil.

Segundo apurado no incluso procedimento, o denunciado, conhecedor da pouca instrução da vítima Artidório e do fato de seu filho encontrar preso na penitenciária, prometeu-lhe que arrumaria um advogado para providenciar a soltura do filho, sendo que esse lhe cobraria um valor reduzido.

A vítima Artidório, no afã de conseguir a liberdade do filho, entregou ao denunciado a quantia de um salário mínimo, equivalente à época a R$ 937,00 (novecentos e trinta e sete reais), sob o pretexto de que o valor seria entregue a título de honorários para Eloir Pacheco, advogado da cidade de Florianópolis.

Após, Waldemar contatou novamente a vítima informando que possuía um vídeo acerca do motivo da prisão de seu filho e, para ter acesso a uma cópia do vídeo, Artidório precisaria ter em mãos um aparelho celular. Desse modo, a vítima comprou um aparelho celular por R$ 700,00 (setecentos reais) entregando ao denunciado juntamente com a nota fiscal.

Ato contínuo, mantendo a vítima em erro, o ora denunciado comunicou a vítima que precisaria do pagamento de três salários mínimos, cerca de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais) para entregar ao advogado, além do valor de um salário mínimo¹ para realização de uma perícia, tendo a vítima entregue ao denunciado referida quantia.

Ainda, já em março do corrente ano o denunciado estipulou um encontro com a vítima para, juntamente com o "advogado", irem até o Fórum obter informações da soltura do filho; todavia Waldemar não compareceu ao local combinado tampouco atendia as ligações da vítima, oportunidade em que Artidório percebeu tratar-se de um golpe.

Cumpre consignar que Artidório pagou a quantia de R$ 4.685,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e cinco reais) em dinheiro, além de ter entregue 1 (um) aparelho celular no valor de R$ 700,00 (setecentos reais) e 1 (um) relógio de pulso masculino no valor de 500,00 (quinhentos reais), totalizando o montante de R$ 5.885,00 (cinco mil oitocentos e oitenta e cinco reais).

FATO 2:

Em data incerta, mas entre os meses de janeiro e março de 2018, na Linha Rodeio, zona Rural, neste município de Chapecó/SC, o denunciado Waldemar Rodrigues da Costa, de forma consciente e voluntária, ciente da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, obteve, para si, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo a vítima Ismael Antonio Pereira de Andrade em erro, mediante meio fraudulento.

Segundo apurado no incluso procedimento, o denunciado, ciente de que a vítima Ismael Antonio Pereira de Andrade possuía pouca instrução e, que em razão disso, dificilmente obteria a Carteira Nacional de Habilitação, prometeu-lhe conseguir o documento mediante o pagamento do valor de R$3.000,00 (três mil reais).

Dessa forma, a vítima Ismael entregou o valor de entrada de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) juntamente com cópia dos seus documentos pessoais para Waldemar dar início ao processo administrativo da carteira de habilitação.

Após, no mês de março do corrente ano, Ismael compareceu até as proximidades da Delegacia Regional desta cidade, local em que haveria um rapaz responsável pela entrega da CNH. No local, efetuado o pagamento do valor restante, equivalente a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), tal rapaz evadiu-se do local sem entregar o documento, percebendo então ter sido vítima de um golpe (p. 38-40).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de 1 (um), 7 (sete) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 171, caput, por duas vezes, na forma do art. 71, ambos do Código Penal. Foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade (p. 112-123).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu a absolvição do acusado, sustentando, em suma, a ausência de provas aptas a embasar o decreto condenatório. Subsidiariamente, pugnou pela fixação do regime inicial aberto ou semiaberto para o inicio do cumprimento de pena (p. 141-152).

Juntadas as contrarrazões (p. 156-167), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Paulo Roberto Speck, opinou pelo não provimento do apelo (p. 173-180).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções previstas no art. 171, caput, do Código Penal, por duas vezes.

O apelo deve ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Do pleito absolutório (Fatos I e II)

Pretende a defesa, a absolvição do seu defendido, argumentando, para tanto, a ausência de provas aptas a embasar o decreto condenatório.

Sem razão.

De início, mister destacar o que verbera o dispositivo em questão:

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

O crime em apreço, elencado no art. 171 do Código Penal, tem sua denominação derivada de stellio - lagarto que muda de cores iludindo os insetos dos quais se alimenta (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 303). Ocorre quando o agente emprega qualquer meio fraudulento, induzindo alguém em erro ou mantendo-o nessa situação e conseguindo, assim, uma vantagem indevida para si ou para outrem, com lesão patrimonial alheia. Isto posto, é elemento essencial à configuração do delito, fraude antecedente.

Protege, o dispositivo penal supramencionado, a inviolabilidade patrimonial e, ainda, em caráter secundário, os negócios jurídicos patrimoniais no aspecto de boa-fé, segurança e fidelidade que devem norteá-los.

Sobre o tema, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini lecionam:

A conduta do estelionato consiste no emprego de meio fraudulento para conseguir vantagem econômica ilícita. A fraude pode consistir em artifício, que é a utilização de um aparato que modifica, aparentemente o aspecto material da coisa ou da situação etc., em ardil, que é a conversa enganosa, em astúcia, ou mesmo em simples mentira, ou qualquer outro meio para iludir a vítima, inclusive no inadimplemento contratual preconcebido, na emissão de cheques falsificados, furtados, dados em garantia de dívida etc. Para a caracterização do ilícito é necessário que o meio fraudulento seja a causa da entrega...

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