Acórdão Nº 0012718-35.2018.8.24.0008 do Primeira Câmara Criminal, 08-12-2022

Número do processo0012718-35.2018.8.24.0008
Data08 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0012718-35.2018.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: JODSON FELIX SANTANA (RÉU) ADVOGADO: THIAGO BURLANI NEVES (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de BLUMENAU em face de Jodson Felix Santana, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 349-A e 330, ambos do Código Penal e o artigo 311 c/c artigo 298, II , ambos do CTB, em razão dos seguintes fatos:

No dia 15 de novembro de 2018 o denunciado Jodson Felix Santana e outro indivíduo não identificado estavam trafegando com a motocicleta placa MKD-2624, de propriedade do denunciado, nas proximidades do Presídio Regional de Blumenau (Rua General Osório, 4585, bairro Passo Manso, nesta comarca), quando, por volta das 09:30 horas, Jodson arremessou duas sacolas para o interior da galeria G1 do referido presídio.

Uma das sacolas foi recolhida por um detento e não pôde ser encontrada. A outra foi recolhida pelos agentes penitenciários, e continha: a) 1 aparelho celular da marca Samsung, de cor preta; b) 1 aparelho celular da marca Samsung, de cor branca; c) 1 aparelho celular da marca LG, de cor preta; e d) 1 carregador de bateria (fls. 5-6). A ação foi vista pelo vigilante do presídio, que mencionou a placa da motocicleta do denunciado e suas características quando da data do fato: calça roxa, camisa social, boné escuro e barba (fl. 24, vide arquivo audiovisual importado).

Após o arremesso, Jodson foi ao encontro do outro indivíduo que o aguardava na motocicleta e ambos empreenderam fuga. A guarnição da Polícia Militar foi acionada e, com base nas características informadas, encontrou uma motocicleta idêntica sendo guiada pelo denunciado, porém com a placa tapada por uma sacola preta. Ao dar o sinal sonoro de parada, o denunciado acelerou, no intento de despistar os policiais, desobedecendo a ordem de parada por diversas vezes.

Na fuga, o denunciado passou por cima do passeio e ao lado de locais de embarque e desembarque de pessoas com velocidade incompatível, colocando em risco a integridade de quem por ali passava. Ademais, em razão da alta velocidade, a sacola que tapava a placa caiu e os policiais puderam confirmar que se tratava da motocicleta antes citada.

Durante a perseguição, o indivíduo que acompanhava o denunciado saltou da motocicleta nas proximidades do Posto Delta (Rua Bahia, nº 2.258, bairro Salto, nesta cidade), se evadindo em meio ao mato. A guarnição não logrou êxito em encontrá-lo e o Jodson foi perdido de vista.

Ato contínuo, por meio da Central Regional de Emergência, a guarnição foi informada de que a motocicleta do denunciado estava parada próxima dali. Feitas as buscas, o denunciado foi encontrado em um matagal ao lado do Rio Itajaí-Açu.

Sentença: a juíza de direito Fabíola Duncka Geiser julgou procedente a denúncia para condenar Jodson Felix Santana pela prática dos crimes previsto nos arts. 330 e 349-A, sendo ambos c/c o art. 61, I, e o primeiro c/c o art. 65, III, "d", todos do Código Penal e arts. 311 c/c art. 298, II ambos do CTB ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 24 (vinte quatro) dias de detenção, em regime inicial semiaberto; e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (evento 92/PG -25-2-2022).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de apelação de Jodson Felix Santana: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou:

a) que "a conduta de não atender à ordem de parada dos policiais militares é considerada atípica, pois a lei prevê, para a hipótese, a aplicação da sanção administrativa disposta no art. 195 do CTB, o que afasta a natureza criminal do descumprimento de ordem legal prevista no CP";

b) a ausência de provas quanto ao crime de favorecimento real, tendo em vista que a condenação está sustentada em versão isolada;

c) na dosimetria, que seja afastada a negativa de culpabilidade, uma vez que a prática da conduta ilícita durante o livramento condicional não pode ser usado para valorar negativamente a culpabilidade, além de configurar bis in idem, já que esta condenação foi usada para agravar a pena;

d) ainda, o afastamento da agravante do art. 298, II do CTB, visto que não há certeza de que a placa estava encoberta, além de que o estado da placa não se enquadra na previsão normativa.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a absolvê-lo das condutas narradas na denúncia. Subsidiariamente o afastamento da circunstância judicial, bem como da agravante (evento 109/PG - 9-5-2022).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) não há em atipicidade da conduta, considerando o entendimento do STJ de que "a desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro";

b) no crime previsto no art. 349-A, do Código Penal a materialidade e autoria resultou suficientemente comprovada pelos depoimentos das testemunhas, somadas aos vídeos da câmera de monitoramento;

c) o relato policial evidencia que o recorrente "colocou na placa da motocicleta um plástico preto, tornando o ciclomotor exatamente igual a um sem placa de identificação", configurando a agravante;

d) a exasperação da pena, em razão "da prática de novo crime durante a fruição de saída temporária é fundamento válido", já que é consoante ao entendimento jurisprudencial do STJ.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 113/PG- 16-5-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: a procuradora de justiça Heloísa Crescenti Abdalla Freire opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 11/PG - 3-11-2022).

Este é o relatório.

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

Do crime de desobediência

A defesa busca a absolvição pela prática do crime de desobediência sob a tese de que a conduta do apelante não se subsume ao tipo penal previsto no art. 330 do Código Penal e, sim, ao disposto no art. 195 do CTB.

O referido dispositivo estabelece:

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Sobre o crime de desobediência, Cezar Roberto Bitencourt leciona:

A conduta incriminada consiste em desobedecer (descumprir, desatender) ordem legal de funcionário público. É necessário que se trate de ordem, e não mero pedido ou solicitação, e que essa ordem se dirija expressamente a quem tenha o dever jurídico de obedecer-lhe. Ademais, deve a ordem revestir-se de legalidade formal e substancial, e "o expedidor ou executor da ordem há de ser funcionário público, mas este, na espécie, se entende aquele que o é no sentido estrito do direito administrativo" (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, v. 4, p. 417) (Código penal comentado. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1115).

Embora a materialidade e a autoria não tenham sido contestadas pela defesa, cumpre reiterar que elas estão plenamente comprovadas pelo Auto de prisão em flagrante (evento 1/PG - 16-11-2018), pelo Boletim de Ocorrência (evento 1, ADPF 2/PG - 16-11-2018), pelo Auto de exibição e apreensão (evento, ADPF 4/PG - 16-11-2018), pelas imagens da câmera de monitoramento (evento 20/PG - 2-12-2018), bem como pela prova oral produzida em ambas as fases processuais.

Frente essas balizas, verifica-se que o pleito da defesa não merece guarida.

Isso porque o dispositivo do Código de Trânsito Brasileiro arguido pela defesa prevê:

Art. 195. Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes:

Infração - grave;

Penalidade - multa.

Ainda, extrai-se da sentença (evento 92/PG - 25-2-2022) a transcrição do depoimento do policial militar Jean Carlos da Silva colhido em juízo:

Quando inquirido em juízo (evento 82), o PM Jean corroborou sua versão da fase anterior e afirmou que sua guarnição foi empenhada para atender a uma ocorrência onde uma motocicleta com a placa tampada estava circulando nas adjacências do presídio. Disse que a guarnição se deslocou até o local e, confirmada a suspeita, foi iniciado o acompanhamento da motocicleta. Mencionou que o réu, na tentativa de despistar a guarnição, andou na contramão, subiu em calçada, em ponto de ônibus, quase atingindo os pedestres que estavam aguardando o transporte. [...]

Questionado, respondeu que a guarnição, de forma ostensiva, sinalizou por diversas vezes para que o acusado parasse a motocicleta, usando giroflex, sirene e ordens de parada. [...]

Como se vê, a norma administrativa se refere a autoridade competente de trânsito, e no caso concreto a ordem de parada legal foi emanada por servidor público no exercício de atividade ostensiva, configurando o tipo previsto no art. 330 do Código Penal.

Não fosse só, é pacífico o entendimento da Corte Superior, consoante o tema 1.060 em que: "A desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro".

Dessa forma, não há falar em atipicidade da conduta, devendo ser mantida a condenação pelo prática do crime de desobediência, rejeitando-se, assim, o pleito recursal.

Do crime de favorecimento real

A defesa sustenta, em síntese, a tese de hipossuficiência probatória para a condenação.

O Magistrado a quo reconheceu a materialidade e a autoria delitiva e condenou o apelante pela prática do crime de favorecimento...

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