Acórdão Nº 0013077-89.2018.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 08-12-2022

Número do processo0013077-89.2018.8.24.0038
Data08 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0013077-89.2018.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: CARLOS JOSE SANTOS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Carlos Jose Santos, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 140, §3º, do Código Penal, conforme os fatos narrados na peça acusatória (evento 24 da ação penal):

No dia 28 de julho de 2018, por volta das 15h, o denunciado foi flagrado por funcionários do Supermercado Albino, localizado na Rua Valença, 43, Bairro Guanabara, nesta cidade e comarca, escondendo uma garrafa de bebida alcoólica em suas vestes, enquanto caminhava pelas gôndolas do estabelecimento, na nítida intenção de praticar furto, oportunidade em que demonstrou-se violento, agredindo fisicamente as pessoas, e houve necessidade de acionamento da Polícia Militar, que se fez presente e necessitou utilizar a força para conter o denunciado.

Durante a abordagem, da qual, entre outros policiais militares participava a vítima Hallan César Rodrigues Soares, o denunciado passou a ofender-lhe a dignidade e o decoro, perante populares e colegas de farda, insultando-o em razão de sua cor de pele negra, demonstrando querer atingir diretamente o Policial como se tivesse uma raça inferior à dos seus colegas que efetuavam a abordagem.

Para tanto, o denunciado dirigiu impropérios a Hallan, chamando-o de "preto, safado e filho da puta" afirmando que as tatuagens exibidas no corpo da vítima deveriamser brancas porque elas não aparecem em pretos. Desferiu ataques à vítima, afirmando que ela teria que raspar o cabelo, já que por ser "preto", tinha o cabelo ruim, "cabelo de preto", e só raspando o cabelo poderia parecer "gente branca".

Os insultos não aconteceram somente no local da abordagem, mas também Central de Plantão Policial de Joinville, onde o denunciado insistia em atacar a vítima com injúrias racistas, chamando-o, também, de "Capitão do Mato".

A denúncia foi recebida (evento 27 da ação penal), o réu citado (evento 31 da ação penal) e apresentou resposta à acusação (evento 35 da ação penal).

Recebida a defesa e não sendo caso de absolvição sumária, foi designada a audiência de instrução processual (evento 39 da ação penal).

Na audiência, houve a oitiva da vítima e das testemunhas arroladas pelas partes, bem como decretada a revelia do réu (eventos 73, 83 e 119 da ação penal).

Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público (evento 123 da ação penal) e pela defesa (evento 126 da ação penal), e, na sequência, sobreveio a sentença (evento 129 da ação penal), com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia, a fim de condenar CARLOS JOSE SANTOS à pena de um ano, quatro meses e dez dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de doze dias-multa, no mínimo legal, pela prática do crime do artigo 140, §3º, do Código Penal.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, onde busca a sua absolvição pela insuficiência probatória ou, subsidiariamente, a desclassificação para o delito na modalidade simples. Na dosimetria, requer o afastamento da valoração negativa dos maus antecedentes, a alteração do regime inicial do cumprimento da pena para um mais brando e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Por fim, pugna pela concessão dos benefícios da justiça gratuita (evento 135 da ação penal).

O Ministério Público apresentou as contrarrazões no evento 144 da ação penal e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Sr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do apelo interposto (evento 09 destes autos).

É o relatório.

VOTO

Conforme sumariado, trata-se de recurso de apelação interposto por Carlos Jose Santos contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville que o condenou ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao disposto no art. 140, §3º, do Código Penal.

1. Juízo de admissibilidade

Inicialmente, convém salientar que o reclamo do réu preenche apenas em parte os requisitos de admissibilidade, de modo que deve ser conhecido parcialmente.

Isso porque, o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita formulado pelo apelante não comporta conhecimento, haja vista que o entendimento que predomina nesta Corte é de que a matéria sobre a isenção das custas processuais é afeta ao juízo da condenação.

Neste sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306, § 1º, I, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. APELO DEFENSIVO. [...] ISENÇÃO DAS CUSTAS E CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0004591-74.2019.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 27-01-2022).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. DANIFICAÇÃO DE VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA EM ESTÁGIO MÉDIO DE REGENERAÇÃO DO BIOMA MATA ATLÂNTICA (ART. 38-A, CAPUT, DA LEI N. 9.605/1998). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DA DEFESA. [...] PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. MATÉRIA A SER ANALISADA PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. [...] acerca do pedido de concessão de justiça gratuita, cito que não comporta conhecimento o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita e, consequentemente, de isenção de despesas processuais, por se tratar de matéria cujo exame incumbe ao Juízo do primeiro grau, o qual, após a apuração do valor das custas finais, poderá averiguar a situação de hipossuficiência do apenado. Por tal razão, não conheço do apelo nessa parte". (TJSC, Apelação Criminal n. 0000259-04.2019.8.24.0125, rel. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. 05-11-2020). RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0000801-09.2015.8.24.0013, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Ana Lia Moura Lisboa Carneiro, Primeira Câmara Criminal, j. 31-03-2022).

.APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE FURTO QUALIFICADO (CP, ART. 155, § 4º, I E IV) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DEFENSIVO. [...] CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU - RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO. A condição de hipossuficiente do apenado deve ser examinada pelo juízo a quo, quando da apuração das custas finais. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (TJSC, Apelação Criminal n. 0004557-49.2018.8.24.0036, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 31-03-2022).

Desta forma, vislumbra-se que o momento oportuno para a verificação da alegada hipossuficiência se dá após a apuração do valor das custas, a cargo do juízo da condenação, que ocorre somente após o trânsito em julgado, não podendo ser analisado o pedido antes desta fase.

2. Mérito

Pugna o apelante por sua absolvição, sob argumento de inexistência de provas suficientes para decreto condenatório e com base na aplicação do princípio in dubio pro reo.

Razão não lhe assiste.

A materialidade delitiva foi comprovada por meio do boletim de ocorrência n. 00087-2018-0001477 (evento 03, P_FLAGRANTE28 da ação penal) e pela prova oral produzida em ambas as etapas procedimentais.

Da mesma forma, a autoria é inconteste e recai sobre o apelante.

Quando ouvido na delegacia, a vítima Hallan Cesar Rodrigues Soares, policial militar, relatou que estava atendendo uma ocorrência de furto quando o suspeito passou a proferir diversas ofensar relacionadas à sua raça, chamando-o de "capitão do mato", "preto safado e filho da puta":

[...] que é Policial Militar; que foi vítima do crime de injúria racial; que a guarnição do declarante, na data dos fatos, foi acionada via COPOM para atendimento de uma ocorrência de furto; que o masculino estaria detido no local por populares e funcionários do mercado; quando chegaram no local, o masculino estava deitado em um dos corredores do mercado; que Carlos estava com algumas lesões; que não sabe se essas lesões são de Carlos ter caído no chão ou dos populares; que um dos funcionários mostrou as imagens para os Policiais; que pediram que o masculino levantasse do chão para ser conduzido para a Delegacia; que Carlos estava agressivo e não colaborou; que foram fazer o uso da algema, as Carlos estava agressivo; que Carlos resistia ao momento de ser preso; que nesse momento, ao ser algemado, Carlos começou a xingar o declarante; que as ofensas eram de cunho racial; que o declarante seria um "Capitão do Mato", um "preto que estava pegando outro preto", um "nego, safado e filha da puta"; que nesse momento tiveram que fazer o uso da força; que na Delegacia, Carlos ainda continuou fazendo xingamentos contra o declarante; que Carlos ao ver as tatuagens do declarante disse que as tatuagens do declarante deveriam ser brancas porque não apareceria na pele preta; que Carlos falou para o Policial Ruan que não adiantava ele cortar o cabelo porque o cabelo dele era ruim, de preto; que Carlos disse que era preto também; que ao ver as imagens, viu que Carlos estava com um outro rapaz; que o outro rapaz estava escondendo uma garrafa de bebida nas calças; que nesse momento viram que um funcionário aborda eles pedindo para pagarem o produto e se retirarem do local; que nesse momento o rapaz sai do local e Carlos foi para cima do funcionário para agredi-lo; que o funcionário estava na parte de trás da loja quando Carlos rasgou a camisa e foi atrás do...

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