Acórdão Nº 0013591-04.2015.8.24.0020 do Quinta Câmara Criminal, 02-04-2020

Número do processo0013591-04.2015.8.24.0020
Data02 Abril 2020
Tribunal de OrigemCriciúma
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0013591-04.2015.8.24.0020, de Criciúma

Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. RECEPTAÇÃO, POR DUAS VEZES, EM CONCURSO MATERIAL (CÓDIGO PENAL, ART. 180, CAPUT, NOS MOLDES DO ART. 69, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA.

PREFACIAL DE NULIDADE. APONTADA ILICITUDE DA PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA POR OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. SERVIDORES ESTATAIS QUE, APÓS INFORMAÇÕES ACERCA DAS CONDUTAS ILÍCITAS EXERCIDAS NO IMÓVEL, FLAGRAM O ACUSADO EM ATITUDE SUSPEITA. INFRAÇÃO PENAL DE NATUREZA PERMANENTE QUE AUTORIZA A PRISÃO EM FLAGRANTE A QUALQUER TEMPO. PRESCINDIBILIDADE DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO OU OUTRA ORDEM JUDICIAL.

MÉRITO. PRETENSA ABSOLVIÇÃO. ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INVOCADA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS EVIDENCIADAS. PALAVRAS FIRMES E COERENTES DOS POLICIAIS CIVIS RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO DO AGENTE, CORROBORADAS PELOS DEMAIS ELEMENTOS DE CONVENCIMENTO CONSTANTES DO FEITO. IRRESIGNADO FLAGRADO MANTENDO MOTOCICLETAS PROVENIENTES DE FURTOS EM SUA RESIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL PARA O EXERCÍCIO DA POSSE. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO DEIXA DÚVIDAS ACERCA DA PRÁTICA DOS DELITOS. JUÍZO DE MÉRITO IRRETOCÁVEL.

DOSIMETRIA DA PENA. SEGUNDA ETAPA DO CÔMPUTO. REQUESTADO AFASTAMENTO DA CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. VIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECRETO CONDENATÓRIO CAPAZ DE CONFIGURAR A RECIDIVA. ADEQUAÇÃO QUE SE IMPÕE.

SOLICITADO AFASTAMENTO DA REGRA PRECONIZADA PELO ART. 69, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SUSTENTADA CONFIGURAÇÃO DE CRIME ÚNICO OU, SUBSIDIARIAMENTE, INCIDÊNCIA DO CONCURSO FORMAL OU CONTINUIDADE DELITIVA. IMPROCEDÊNCIA. INCREPADO QUE, MEDIANTE AÇÕES AUTÔNOMAS E INDEPENDENTES, VIOLOU PATRIMÔNIOS DISTINTOS. ADEMAIS, INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS EM HABITUALIDADE CRIMINOSA.

ALMEJADA MODIFICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. ACOLHIMENTO. RÉU PRIMÁRIO, DETENTOR DE BONS ANTECEDENTES E PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. MODO SEMIABERTO, CONTUDO, QUE MELHOR SE ADEQUA À HIPÓTESE. IMPOSIÇÃO COM AMPARO EM CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.

SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. REJEIÇÃO. PRESSUPOSTOS NÃO VERIFICADOS. OBSERVÂNCIA AO DISPOSTO NO ART. 44, III, DO CÓDIGO PENAL.

PARCELA DO PRONUNCIAMENTO ALTERADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0013591-04.2015.8.24.0020, da comarca de Criciúma (2ª Vara Criminal), em que é apelante Guilherme de Bem e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para afastar a circunstância agravante da reincidência, de modo a totalizar a reprimenda em dois anos e quatro meses de reclusão e pagamento de vinte e dois dias-multa, além de estipular o regime prisional semiaberto para o resgate inicial da sanção corporal, mantidas as demais cominações da sentença vergastada. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 2 de abril de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Antônio Zoldan da Veiga.

Representou o Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Pedro Sérgio Steil.

Florianópolis, 6 de abril de 2020.

Luiz Cesar Schweitzer

Presidente e RELATOR


RELATÓRIO

A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Criciúma ofereceu denúncia em face de Guilherme de Bem, dando-o como incurso nas sanções do art. 180, caput, por duas vezes, na forma do art. 69, caput, ambos do Código Penal, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:

Conforme narra o caderno indiciário epigrafado, no dia 03 de dezembro de 2015, por volta das 14h15min., na posse de informações de que no local estariam sendo depositadas motocicletas furtadas, agentes da Policia Civil dirigiram-se à residência do denunciado GUILHERME DE BEM, dado à pratica de crimes (fls. 34/35), no endereço constate na sua qualificação.

Consta que já no local indicado, os agentes lograram localizar e apreender no interior da moradia, com o devido consentimento da proprietária da casa, 01 (uma) motocicleta Honda/CG 125, placas ARQ-5468 (objeto de furto no município de Siderópolis/SC, no dia 30/11/2015, B.O. à fl. 26, e pertencente a Fernando da Cruz), 01 (uma) motocicleta Honda/CG 125, placas MEG-8166, (com registro de furto na data de 03/10/2014 nesta Cidade, B.O. à fl. 23, e pertencente a Rodnei Andrade Pacheco), dentre inúmeras peças avulsas de motocicletas (fl. 15), veículos que o denunciado adquiriu/recebeu, ocultava e promovia o desmanche em proveito próprio, com perfeita ciência da origem espúria e criminosa.

A res furtiva foi apreendida (fl.15), avaliada (fls. 83 e 90), e restituída aos legítimos proprietários (fls. 85 e 92) (sic, fls. 109-110).

Encerrada a instrução, o Magistrado a quo julgou procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-lo às penas de dois anos, oito meses e vinte dias de reclusão, a ser resgatada em regime inicialmente fechado, e pagamento de vinte e quatro dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao preceito do art. 180, caput, do Estatuto Repressivo, por duas vezes, em concurso material.

Inconformado, interpôs o réu recurso de apelação, suscitando, preliminarmente, a invalidade das provas colhidas no procedimento policial por violação ao preconizado no art. 5º, XI, da Constituição da República, diante da inexistência de ordem judicial para adentrar na sua residência. No mérito, objetiva a absolvição ao argumento de que inexistem nos autos substratos de convicção suficientes de que tenha agido com dolo. Alternativamente, almeja o reconhecimento do cometimento de crime único ou, subsidiariamente, a aplicação do concurso formal ou continuidade delitiva. Pretende, ademais, o afastamento da circunstância agravante da reincidência e, a modificação do regime prisional inicialmente fixado para o aberto, além da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pelo parcial provimento da insurgência, "para que seja excluída a reincidência" (sic, fls. 271).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, opinou pelo conhecimento e parcial provimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.

Preambularmente, alega o recorrente que os policiais civis atuaram de forma arbitrária ao adentraram a sua residência em situação que não se enquadrava nas hipóteses autorizadas pela Carta Magna, o que tornou ilícita a prova material, maculando, por conseguinte, a apreensão dos bens encontrados no local e todos os atos processuais posteriores.

Razão, contudo, não lhe assiste.

Isso porque, em todos os momentos que prestaram seus depoimentos, aqueles esclareceram, em síntese, que receberam denúncia apontando a prática do crime de receptação no local, a qual se fortaleceu com a atitude suspeita do acusado, que bruscamente adentrou em sua moradia ao avistá-los. Diante disso, os servidores estatais interpelaram a mãe do apelante que franqueou o acesso à garagem do imóvel, onde apreenderam as motocicletas provenientes de furtos (fls. 6-8 e 175).

Posto isso, cediço que a imputação supracitada na modalidade de ocultar é de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, de modo que, enquanto o agente mantiver sob sua guarda bens de origem ilícita, estará em estado de flagrância, o que permite que a sua prisão ocorra a todo tempo.

Nesse quadro, a entrada no imóvel em que estavam armazenados os mencionados veículos não caracterizou a alegada violação de domicílio, pois patente o estado flagrancial, sendo exatamente esta a exceção prevista pela norma constitucional invocada pela defesa. Confira-se:

Art. 5º [...]

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Da mesma forma, a jurisprudência da Corte:

HABEAS CORPUS. IMPUTADA A PRÁTICA DOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS (ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006), ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTIGO 35 DA LEI 11.343/2006), RECEPTAÇÃO (ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL) E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ARTIGO 12 DA LEI 10.826/2003).

[...]

ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO FLAGRANTE POR AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. DESCABIMENTO. DELITOS DE TRÁFICO DE DROGAS (NA MODALIDADE TER EM DEPÓSITO), DE RECEPTAÇÃO (NA MODALIDADE OCULTAR) E DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO (NA MODALIDADE MANTER SOB SUA GUARDA) QUE SÃO CRIMES DE NATUREZA PERMANENTE, CUJO MOMENTO DO FLAGRANTE PROTRAI-SE NO TEMPO, AUTORIZANDO A VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO, AINDA QUE SEM MANDADO. EXEGESE DO ARTIGO 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

[...]

- A hipótese em que o agente é surpreendido enquanto, em tese, praticava crime considerado permanente, constitui situação apta a excepcionar a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, dispensando-se a expedição de mandado judicial para dar legitimidade ao ingresso da autoridade policial na residência do acusado.

[...]

- Ordem parcialmente conhecida, e denegada (Habeas Corpus (Criminal) n. 4011220-88.2017.8.24.0000, de Barra Velha, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 22-6-2017).

Tem-se assim que o procedimento dos servidores estatais se deu de maneira...

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