Acórdão Nº 0013900-97.2009.8.24.0064 do Primeira Câmara de Direito Público, 28-06-2022

Número do processo0013900-97.2009.8.24.0064
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0013900-97.2009.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ-SC (RÉU) APELADO: IVO BRAULINO SANTANA (AUTOR) ADVOGADO: VANESSA DE ALMEIDA GRANADO (OAB SC037272) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de São José (Evento 179 - PROCJUDC 172 a 183), malcontente com o teor de sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na Ação de Obrigação de Fazer proposta por Ivo Braulino Santana (Evento 179 - PROCJUDC 161 a 167).

O decisum objurgado confirmou a decisão interlocutória concessiva de tutela antecipada (Evento 179 - PROCJUDC 21 a 23), condenando o réu a fornecer ao autor os medicamentos Budesonida (800 mg/dia), Formoterol (24 mg/dia) e Brometo de Tiotrópio (18mg - 90 cápsulas/3meses), mediante contracautela a ser prestada semestralmente por meio de atestado médico atualizado (Evento 179 - PROCJUDC 165).

Em suas razões recursais, o Município de São José sustenta que os fármacos postulados devem ser substituídos pelas alternativas disponíveis no SUS, bem como que todos os entes devem responder solidariamente. Ressalta o princípio da separação dos poderes dada a ingerência indevida do poder judiciário em questão da administração pública.

Por fim, argumenta que "os entes federativos devem, conjunta e anualmente, planejar seus orçamentos. Dessa forma, o orçamento do apelante não foge à regra, pois há estipulação prévia à Secretaria Municipal de Saúde daquilo que, planejadamente, pode-se dispor para suprir a necessidade da sociedade Josefense, e não de apenas um munícipe em específico", e que "a efetivação desses direitos sociais prestacionais, com sua plena vinculação ao orçamento econômico do apelante, deve obedecer ao princípio da reserva do possível" (Evento 179 - PROCJUDC 178).

Sem contrarrazões, ascenderam os autos.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Carlos Alberto de Carvalho Rosa, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Este é o relatório.

VOTO

Sem delongas, nega-se provimento ao recurso.

Os artigos 196, da Constituição Federal e 153, da Constituição do Estado de Santa Catarina, asseguram a todos o direito à saúde, incluindo-se, por evidente, o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos àqueles que não disponham de condições financeiras para custear o tratamento. O art. 6º, da CF é claro ao estabelecer que cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a obrigação solidária de cuidar da saúde de todos, incluindo a obrigação de fornecer medicamentos, tratamentos de saúde e outros instrumentos médicos.

Então o Poder Público tem a obrigação de fornecer tratamento médico às pessoas que deles necessitam, sobretudo porque as normas insertas nos arts. 196 da Constituição Federal e 153 da Constituição Estadual não são meramente programáticas, vale dizer, possuem eficácia e aplicação imediatas.

O direito à saúde e à vida devem se sobrepor à observância às regras burocráticas ou financeiras, de modo que, os entraves administrativos não podem/devem servir de escusa para que o ente Público descumpra os comandos constitucionais.

No que tange à relação existente entre o direito à saúde e a dignidade da pessoa humana, leciona Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] na base dos quatros direitos sociais expressamente consagrados pelo Constituinte, se encontra a necessidade de preservar a própria vida humana, não apenas na condição de mera sobrevivência física do indivíduo (aspecto que assume especial relevância no caso do direito à saúde), mas também de uma sobrevivência que atenda aos mais elementares padrões de dignidade. Não devemos esquecer que a dignidade da pessoa humana, além de constituir um dos princípios fundamentais da nossa ordem constitucional (art. 1º, inc. III, da CF), foi guindada à condição de finalidade precípua da ordem econômica (art. 170, caput, da CF). [grifou-se].

E completa:

[...] uma existência digna abrange mais do que a mera sobrevivência física, situando-se além do limite da pobreza absoluta. Sustenta-se, neste sentido, que se uma vida sem alternativas não corresponde às exigências da dignidade humana, a vida humana não pode ser reduzida à mera existência. [...] a dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada 'quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade' (A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 11. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 310 e 319/320).

Observe-se, nesse caminho, que o autor é idoso, encontrando-se albergado pelo Estatuto do Idoso, que assim prevê:

Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1º A garantia de prioridade compreende:

I - atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;

II - preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;

III - destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; (grifei)

(...)

Com efeito, é pacífico o entendimento que não há violação do princípio da separação dos poderes a intervenção excepcional do Poder Judiciário nas políticas do Poder Público de modo a garantir direitos constitucionalmente previstos, uma vez que não pode o Poder Público, com base em questões orçamentárias, deixar de cumprir o dever de assegurar tais direitos.

Pois bem.

Preliminarmente, o Município de Guaramirim defende a incompetência da Justiça Estadual e a necessidade de integração da União na lide, com a consequente exclusão do Município do polo passivo. Alega que o caso é apto a atrair a hipótese de litisconsórcio necessário e a inclusão da União Federal no polo passivo da lide, nos termos da Lei nº 8.080/1990.

Sem razão.

Isso porque, à época do ajuizamento da ação e da prolação da sentença, a jurisprudência sedimentada deste Sodalício entendia pela ampla solidariedade dos entes federativos na obrigação de fornecimento das prestações de saúde, em decorrência do disposto no art. 196 da Constituição Federal, sendo facultado à parte autora escolher em face de qual(is) ente(s) federado(s) a demanda será proposta.

Dessarte, nas prestações relativas à assistência à saúde, a responsabilidade é solidária entre os entes federados, conforme dispõe os arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

[...]

§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Portanto, é facultado ao demandante escolher contra qual dos entes públicos irá ajuizar a ação, podendo ingressar em juízo contra apenas um deles ou em face de todos, tratando-se, portanto, de litisconsórcio passivo facultativo.

No tocante a solidariedade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar o TEMA 793, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 855.178 com repercussão geral, em 5.3.15, se posicionou no sentido de que "o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um...

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