Acórdão Nº 0013978-05.2018.8.24.0023 do Quarta Câmara Criminal, 19-05-2022

Número do processo0013978-05.2018.8.24.0023
Data19 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0013978-05.2018.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

RECORRENTE: MARLON SERGIO FARIA (ACUSADO) E OUTROS ADVOGADO: Daniel Deggau Bastos (DPE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: FERNANDO ERNESTO MARQUES (OFENDIDO)

RELATÓRIO

Na comarca da Capital, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Mateus Antônio Vicente Peres, Marlon Sérgio Faria e Nelson Ney Batista, imputando-lhes a prática do delito capitulado no art. 121, § 2º, I, III e IV, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal, pois, segundo consta na inicial (Evento 101, DENUNCIA187, autos originários):

Segundo consta do Inquérito Policial, no dia 23 de abril de 2016, por volta das 16:00h, na Rua Quinze de Novembro, Bairro Balneário Estreito, Florianópolis/ SC, os denunciados NELSON NEY BATISTA, MATEUS ANTÔNIO VICENTE PERES e MARLON SÉRGIO FARIA, juntamente com outros indivíduos ainda não identificados, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, mediante atuação conjunta, visando o mesmo fim, imbuídos de manifesto animus occidendi, tentaram matar a vítima Fernando Ernesto Marques ao desferirem violentos socos e chutes contra o corpo da vítima, atingindo-a principalmente na região da cabeça, causando-lhe traumatismo cranioencefálico.

O resultado morte somente não ocorreu por razões alheias à vontade do denunciado, tendo em vista que após as agressões, Fernando Ernesto Marques restou desacordado em via pública, sendo socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU e encaminhado ao Hospital Florianópolis, onde recebeu eficaz atendimento médico.

A tentativa de homicídio foi triplamente qualificada. (1) O motivo da ação delitiva foi torpe, haja vista que cometido em razão da vítima Fernando Ernesto Marques solicitar aos denunciados que parassem de realizar o tráfico de drogas próximo a sua residência e perto das crianças do bairro, bem como em razão de supostas dívidas de drogas contraída pela vítima com os denunciados. Assim, como forma de retaliação, NELSON NEY BATISTA, MATEUS ANTÔNIO VICENTE PERES e MARLON SÉRGIO FARIA invadiram a residência da vítima e deram início à empreitada criminosa. (2) O delito foi praticado por meio cruel, tendo em vista que a vítima sofreu diversos golpes, em várias regiões de seu corpo, especialmente na região da cabeça, revelando uma perversidade brutal dos denunciados e causando a vítima um sofrimento desnecessário. (3) A execução do crime ocorreu mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, porquanto os denunciados e seus comparsas surpreenderam a vítima, em superioridade numérica, utilizando-se da superioridade de agentes para segurar a vítima enquanto o golpeavam com violentos socos e chutes, bem como com uma arma de fogo direcionada para sua cabeça tendo, posteriormente, arrastado-lhe em via pública, dificultando eventual reação defensiva.

Finalizada a instrução preliminar, o Magistrado a quo julgou parcialmente admissíveis os pedidos formulados na denúncia, para pronunciar os réus pela suposta prática da infração penal estatuída no art. 121, § 2º, III e IV, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal (Evento 519, SENT1, autos originários).

Não resignados, os acusados interpuseram recursos em sentido estrito.

Em suas razões, Nelson Ney Batista e Marlon Sérgio Faria pugnaram pela despronúncia, ao fundamento de que inexistiriam indícios suficientes acerca da autoria delitiva. De modo alternativo, clamaram pela exclusão das qualificadoras do meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima (Evento 564, RAZRECUR1, e Evento 565, RAZRECUR1, autos originários).

Mateus Antônio Vicente Peres, por seu turno, em sede preliminar, arguiu a nulidade do reconhecimento fotográfico operado. No mérito, buscou a impronúncia, sustentando a insuficiência de elementos probatórios no que tange à autoria da infração penal. Subsidiariamente, buscou a desclassificação do crime de homicídio para a conduta de lesão corporal. Ao final, requisitou o decote das qualificadoras reconhecidas na origem (Evento 569, RAZRECUR1, autos originários).

Apresentadas as contrarrazões (Evento 571, CONTRAZ1, autos originários), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Carlos Henrique Fernandes, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento dos reclamos (Evento 10. PROMOÇÃO1).

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se dos reclamos.

1 Preliminar (réu Mateus)

Inicialmente, a defesa de Mateus sustenta que o reconhecimento fotográfico perfectibilizado pela vítima seria nulo, por inobservância ao disposto no art. 226 do Código de Processo Penal.

Argumenta, em abono à pretensão, que "não houve descrição física anterior à apresentação da fotografia, bem como esta foi meramente apresentada sem outras fotografias de semelhantes", o que teria induzido o ofendido a imputar a autoria a Mateus (Evento 569, RAZRECUR1, fl. 4).

A tese, contudo, não comporta acolhimento.

Sabe-se que o reconhecimento informal, a exemplo daquele promovido por fotografia, ainda que em inobservância às formalidades do art. 226, II, do Código de Processo Penal, constitui elemento idôneo e, corroborado em Juízo, pode contribuir para a formação do convencimento do julgador.

Guilherme de Souza Nucci leciona:

Reconhecimento informal: a lei impõe, como se observa nos incisos do artigo em comento [art. 226 do Código de Processo Penal], uma forma específica para a prova produzir-se, não se podendo afastar desse contexto. Assim, para que se possa invocar ter havido o reconhecimento de alguém ou de algo, é fundamental a preservação da forma legal. Não tendo sido possível, o ato não foi perdido por completo, nem deve ser desprezado. Apenas não receberá o cunho de reconhecimento de pessoa ou coisa, podendo constituir-se numa prova meramente testemunhal, de avaliação subjetiva, que contribuirá ou não para a formação do convencimento do magistrado (Código de processo penal comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 523).

Nessa linha, é firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça "no sentido de que é legítimo o reconhecimento pessoal ainda quando realizado de modo diverso do previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, servindo o paradigma legal como mera recomendação" (STJ, HC n. 443.769/SP, rel. Min. Félix Fischer, Quinta Turma, j. em 12/6/2018).

No mesmo norte:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO RATIFICADO EM JUÍZO. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência deste Tribunal Superior admite a possibilidade de reconhecimento do acusado por meio fotográfico, ainda que não observadas a totalidade das formalidades contidas no art. 226 do Código de Processo Penal. Com efeito, o reconhecimento fotográfico do réu, quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para fundamentar a condenação.

2. Conforme consignado na decisão agravada, a vítima foi categórica ao afirmar que reconhecera a agravante como tendo sido a autora do delito. O reconhecimento fotográfico foi confirmado em juízo, tendo ela relatado que a ré estava de capacete com a viseira aberta, o que lhe permitiu identificá-la. Por outro lado, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, a ora agravante não apresentou nenhuma prova em seu favor, tendo apenas alegado que estaria no momento do crime em casa com a família. Ocorre que, segundo consignado pelas instâncias ordinárias, "não logrou apresentar qualquer álibi que lhe corroborasse a inocência, embora lhe fosse plenamente possível fazê-lo nas circunstâncias mencionadas".

3. Para desconstituir o entendimento firmado pelo acórdão combatido, seria necessário o revolvimento do conjunto de fatos e provas, procedimento vedado na via especial, conforme o teor da Súmula 7/STJ.

4. Agravo regimental desprovido (STJ, AgRg no AgRg no AREsp n. 1.631.690/MG, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 23/6/2020 - grifou-se).

Não se olvida que a Sexta Turma da Corte da Cidadania, ao apreciar Habeas Corpus impetrado em face de decisão colegiada proferida por este Tribunal de Justiça, decretou a absolvição do paciente, por entender que o descumprimento dos requisitos previstos no art. 226 do Código Penal "torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo" (HC 598.886/SC, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 27/10/2020, DJe de 18/12/2020).

Todavia, no mesmo decisum, ressalvou-se que "pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento".

Inclusive, a própria Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgado mais atual, reiterando a assertiva de que as previsões do art. 226 do Código de Processo Penal constituem mera recomendação, reconheceu a validade do reconhecimento fotográfico realizada na fase extrajudicial, quando presentes outros meios de prova capazes de lastrear a opção condenatória. Veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS AO CRIME DE ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO NA FASE POLICIAL. ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MERA RECOMENDAÇÃO. CONDENAÇÃO BASEADA EM ELEMENTOS DE PROVA COLHIDOS NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. É firme o entendimento desta Corte de que a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT