Acórdão Nº 0014099-51.2019.8.24.0038 do Segunda Câmara Criminal, 24-03-2020

Número do processo0014099-51.2019.8.24.0038
Data24 Março 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão


Recurso em Sentido Estrito n. 0014099-51.2019.8.24.0038, de Joinville

Relator: Des. Sérgio Rizelo

RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MEIO CRUEL E PELO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO (CP, ART. 121, § 2º, III E IV, C/C O 14, II). SENTENÇA DE PRONÚNCIA. RECURSOS DOS ACUSADOS.

1. DESPRONÚNCIA. PROVA DA MATERIALIDADE. INDÍCIOS DE AUTORIA. 2. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA (CPP, ART. 415). LEGÍTIMA DEFESA (CP, ART. 25). RETORSÃO À AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE. MODERAÇÃO. MEIOS NECESSÁRIOS. 3. DESCLASSIFICAÇÃO. LESÃO CORPORAL (CP, ART. 129). VONTADE HOMICIDA. 4. MEIO CRUEL (CP, ART. 121, § 2º, III). DIVERSOS GOLPES DE FACA. 5. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO (CP, ART. 121, § 2º, IV). SURPRESA. 6. REMUNERAÇÃO DE DEFENSORES NOMEADOS. ATUAÇÃO NA FASE DE PRONÚNCIA EM PROCESSO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. DESIGNAÇÃO PARA ATUAÇÃO NO FEITO.

1. O laudo pericial de lesões corporais; o conteúdo das declarações da vítima; de testemunhas em ambas as fases procedimentais; e dos interrogatórios de dois dos três acusados; que apontam que, dentro de ergástulo penal, os acusados armaram-se com estoques, atingiram a vítima por pelo menos onze vezes, e somente não causaram a sua morte em razão da atuação de agentes de ressocialização que retiraram-na do pátio, são suficientes para demonstrar a materialidade e indícios de autoria e apontam a necessidade de remessa do feito para julgamento pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.

2. É inviável a proclamação da absolvição sumária, em decorrência da legítima defesa se, de acordo com testemunhas, informantes e a vítima, os acusados sacaram estoques e atingiram a vítima por diversas vezes, sem agressão anterior do ofendido, porque não está suficientemente comprovada a retorsão à injusta agressão ou o emprego de meios necessários e moderados.

3. Se a vítima foi atingida com mais de 10 golpes de faca em região vital não é manifesta a ausência de animus necandi e, por isso, não é devida a desclassificação da imputação de crime doloso contra a vida na fase de pronúncia.

4. O ataque a vítima com diversos golpes de estoque pode configurar meio cruel por causar intenso sofrimento ao ofendido, devendo o conselho de sentença analisar a questão.

5. Se há depoimento apontando que o ataque à vítima foi praticado de forma abrupta e inesperada, cabe ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri deliberar sobre a existência e cabimento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima.

6. É indevida a estipulação de remuneração aos defensores nomeados para atuar em prol de acusados em processo de competência do Tribunal do Júri pela interposição de recurso em sentido estrito, pois seguirão como representantes dos acusados na fase seguinte do procedimento, ao final da qual deverá ser fixada a remuneração.

RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0014099-51.2019.8.24.0038, da comarca de Joinville (Tribunal do Júri), em que são Recorrentes Paulo Henrique Pereira e outros e Recorrido o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 24 de março de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Salete Silva Sommariva (Presidente) e Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 28 de março de 2020.

Sérgio Rizelo

relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra André Luiz Batista Alves, Michael Galdino Santos e Paulo Henrique Pereira, imputando-lhes a prática do crime previsto nos arts. 121, § 2º, III e IV, c/c 14, II, ambos do Código Penal, nos seguintes termos:

No dia 3 de agosto de 2018, por volta das 14 horas, no interior da Penitenciária Industrial de Joinville, localizada na Rua Boehmerwald, n. 4961, bairro Paranaguamirim, nesta cidade e Comarca de Joinville, mais especificamente no pátio da galeria "B", os denunciados André Luiz Batista Alves, Michel Galdino Santos e Paulo Henrique Pereira, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, com nítida intenção de matar, efetuaram diversos golpes de arma branca contra a vítima Gustavo Pereira Vieira da Silveira, causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial n. 9406.19.03905 (anexo), as quais somente não causaram sua morte por circunstâncias alheias à vontade dos agentes.

Segundo apurado, na data dos fatos, os denunciados já estavam no pátio da penitenciária aguardando para matar o ofendido, situação em que, logo após a vítima adentrar ao local, abordaram-na e passaram a desferir contra ela, especialmente na região de seu tronco e pescoço, diversos golpes ("estocadas") com instrumentos pérfuro-cortantes.

Os denunciados somente não alcançaram o resultado morte por eles pretendido por circunstâncias alheias as suas vontades, porquanto a vítima foi socorrida por um agente penitenciário e outro detento, que lhe retiraram do pátio, cessando as agressões, e recebeu pronto e eficaz atendimento médico.

A tentativa de homicídio foi praticado com emprego de meio cruel, pois André Luiz Batista Alves, Michel Galdino Santos e Paulo Henrique Pereira efetuaram ao menos 13 (treze) de golpes de arma branca em regiões sensíveis do corpo da vítima (dorso superior e nuca), impondo-lhe sofrimento desnecessário.

O crime também foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima pois, após premeditarem a ação criminosa, os denunciados, que estavam em superioridade numérica e em posse de armas brancas, surpreenderam o ofendido no momento em que ele entrava no pátio para o banho de sol, ocasião em que não esperava ser agredido, dificultando que esboçasse válida reação defensiva (fls. 1-4).

Concluída a instrução preliminar, o Doutor Juiz de Direito Gustavo Henrique Aracheski julgou admissível a exordial acusatória e pronunciou André Luiz Batista Alves e Michael Galdino Santos pela prática do delito descrito no art. 121, § 2º, III e IV, c/c o 14, II, ambos do Código Penal, e pronunciou Paulo Henrique Pereira pelo cometimento do crime previsto nos arts. 121, § 2º, III e IV, c/c o 14, II e o 29, caput, todos do Código Penal (fls. 407-412).

Insatisfeitos, André Luiz Batista Alves, Michael Galdino Santos e Paulo Henrique Pereira deflagraram recursos em sentido estrito.

Em suas razões, Paulo Henrique Pereira almeja, em síntese, a despronúncia, sob o argumento de que não há prova suficientes para admissão da acusação (fls. 456-461).

Já André Luiz Batista Alves pretende a despronúncia ou a absolvição sumária. Sustenta que não há "qualquer mínimo indicio [...] da participação do recorrente no delito imputado, eis que nenhuma prova substancial de sua adesão a ação dos co-réus" e que agiu em legítima defesa. De forma sucessiva, reclama o afastamento das qualificadoras (fls. 462-463).

O Recorrente Michael Galdino Santos, em seu arrazoado, clama pela absolvição sumária em razão da legítima defesa; pela desclassificação para o delito de lesão corporal grave; e pela exclusão das qualificadoras (fls. 470-482).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento dos reclamos (fls. 485-497).

A decisão resistida foi mantida pelo Juízo de Primeiro Grau (fl. 499).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Humberto Francisco Scharf Vieira, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (fls. 507-515).

Este é o relatório.


VOTO

Os recursos preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual devem ser conhecidos.

1. Os Recorrentes Paulo Henrique Pereira e André Luiz Batista Alves almejam a despronúncia. Sustentam, em síntese, que não há prova suficiente para a admissão da acusação.

A materialidade está comprovada por meio dos laudos periciais que atestam que a Vítima Gustavo Pereira Vieira da Silveira apresentava "lesões perfurocontusas em dorso superior e nuca, medindo em geral, 1 cm", sendo que "duas delas foram abordadas cirurgicamente para conter a hemorragia e outras 11 foram suturadas" (fl 173)

Os indícios da autoria, da mesma maneira, estão delineados nos autos.

Ao serem interrogados em Juízo, os Recorrentes André Luiz Batista Alves e Michael Galdino Santos confirmaram terem sido os autores das facadas que atingiram o Ofendido Gustavo Pereira Vieira da Silveira.

André Luiz Batista Alves esclareceu que já foi faccionado e teve sua morte encomendada pelo grupo criminoso. Dentro do sistema penitenciário, surgiu comentário de que a Vítima Gustavo Pereira Vieira da Silveira, que também é faccionado, estaria obrigado a ceifar sua vida. Por isso, segundo sua versão, no dia dos fatos, viu o Ofendido Gustavo Pereira Vieira da Silveira armado com um instrumento contundente e, por isso, armou-se e desferiu em torno de dez golpes contra a Vítima Gustavo Pereira Vieira da Silveira (gravação audiovisual da fl. 362).

O Recorrente Michel Galdino Santos, da mesma forma, confirmou ter sido um dos autores dos golpes que acertaram a Vítima Gustavo Pereira Vieira da Silveira. Anotou, porém, que o fez porque possui problemas com membros de fação criminosa e soube de boato de que o Ofendido Gustavo Pereira Vieira da Silveira estaria ali para ceifar sua vida. No dia dos fatos, no pátio do estabelecimento prisional, viu o Ofendido Gustavo Pereira Vieira da Silveira recebendo um instrumento similar a uma faca, razão pela qual ele e o Recorrente André Luiz Batista Alves se armaram com facas artesanais que estavam escondidas naquele pátio e investiram contra a Vítima Gustavo Pereira Vieira da Silveira. Disse, no entanto, que não tinha intenção homicida e que somente se antecipou às agressões que seriam praticadas contra ele (gravação audiovisual da fl. 362).

O Recorrente Paulo Henrique Pereira,...

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