Acórdão Nº 0014100-48.2013.8.24.0005 do Quarta Câmara de Direito Civil, 09-06-2022

Número do processo0014100-48.2013.8.24.0005
Data09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0014100-48.2013.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA

APELANTE: LEANDRO CHAVES APELADO: JURACIR DALL OGLIO

RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual adoto o relatório elaborado na sentença, verbis (evento 120/origem):

LEANDRO CHAVES, devidamente qualificado, por procurador habilitado, ajuizou AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS em face de JURACIR DALL'OGLIO, também qualificado, alegando, em síntese, que:

1) por meio de processo criminal nº 005.13.008412-8, apura-se a responsabilidade do réu pela prática dos crimes de calúnia e injúria racial;

2) em 9.2.2013, estava prestando serviço de construção civil, como funcionário da empresa Ribeiro Engenharia Ltda, no Condomínio Sean Andreas, localizado na Rua 3900, nº 99, centro, nesta cidade;

3) no local onde trabalhava, o réu, inesperadamente e aos gritos, acusou a si e seus colegas de terem furtado um copo do interior do seu apartamento;

4) também chamou a si e seus colegas de "negros ladrões", em voz alta e na presença de outros colegas e condôminos do edifício;

5) as afirmações feitas pelo réu foram destoadas da realidade;

6) sofreu abalo anímico.

Pleiteia a procedência do pedido para condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais, despesas processuais e honorários advocatícios.

Valorou a causa em R$ 20.000,00.

Com a inicial, juntou os documentos de pp. 16-34.

O benefício da justiça gratuita foi deferido, p. 36.

Citado, p. 38, o réu apresentou contestação, pp. 39-52, alegando prefaciais e, no mérito, que:

1) os fatos narrados pelo autor são inverídicos, pois jamais o chamou de "negro ladrão", como alegado;

2) não há provas capazes de corroborar as alegações do autor;

3) é a vítima, porquanto o autor e seus colegas invadiram o seu apartamento e mexeram em seus pertences sem permissão;

4) não há dano moral passível de indenização,

5) não há prova do dano supostamente sofrido.

Requer a improcedência do pedido e a condenação da parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios.

Com a contestação, juntou os documentos de pp. 53-68.

Manifestação à contestação, p. 73-80.

Decisão declinando a competência a este juízo, p. 236.

Alegações finais da parte ré, pp. 243-253.

O juiz Eduardo Camargo assim decidiu:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido e, em consequência, CONDENO a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Imutável, arquive-se.

Apelou o autor, no evento 127/origem, suscitando, preliminarmente, o cerceamento de defesa por ter sido indeferida a prova emprestada do processo criminal. No mérito, insistiu na condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, diante do trânsito em julgado da sentença condenatória criminal, com a consequente redistribuição dos ônus sucumbenciais.

Contrarrazões pelo réu (evento 130/origem) defendendo a manutenção da sentença e pedindo a condenação do autor por litigância de má-fé.

O recurso foi recebido no duplo efeito (evento 9).

O processo não foi suspenso (evento 17).

VOTO

1 Admissibilidade

A sentença foi prolatada e publicada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, à luz do qual o caso será apreciado, consoante o Enunciado Administrativo nº 3 do Superior Tribunal de Justiça.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

2 Do cerceamento de defesa

Suscita o autor a nulidade da sentença, alegando que teve o seu direito cerceado em razão de o magistrado ter indeferido a prova emprestada do processo criminal, recusando a sua utilização em que pese a condenação criminal já tivesse transitado em julgado à época.

Sustenta que "tal cerceamento causou enorme prejuízo aos Apelantes, tendo em vista que o juízo ad quo, em sua decisão, ora combatida, justificou a improcedência da demanda, frente a ausência de provas por parte do autor, ora Apelante" (p. 7).

Apesar de assistir razão ao apelante, desnecessária a desconstituição da sentença com a determinação de retorno dos autos ao primeiro grau, visto que a sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível, não cabendo mais discussão sobre o cometimento do crime e a sua autoria, o que leva à procedência da pretensão, como se verá a seguir.

Mutatis mutandis:

APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CONDENATÓRIA. DANOS MORAIS. OFENSAS. CONDENAÇÃO CRIMINAL. - PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. (1) PRELIMINARES. JULGAMENTO ANTECIPADO. SUPERVENIENTE E DEFINITIVA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS OUTRAS SEQUER ALEGADAS. EIVA NÃO VERIFICADA. - Inexiste cerceamento de defesa quando a lide comporta julgamento antecipado (CPC, art. 330, I), autorização presente na hipótese de, transitada sentença penal condenatória, a irresignada deixa de apontar espécie probatória apta a justificar dilação - quer quanto aos fatos, quer no que diz com o quantum. Incidência do art. 935 do Código Civil (2) PROVA EMPRESTADA. NULIDADE. REJEIÇÃO. - Sobrevindo sentença criminal com trânsito em julgado, revela-se desnecessário o rigor na formação de prova emprestada, haja vista a impossibilidade de se questionar a existência dos fatos quando a questão foi decidida no juízo criminal (art. 935 do CC). Ademais, a impugnação invoca nulidade da 'prova emprestada' quando, em verdade, o decisum está fundado na sentença do juízo criminal. (3) MÉRITO. MULTA CRIMINAL. DUPLA INCIDÊNCIA. AFASTAMENTO. - A condenação criminal ao pagamento de multa (= pena) não impede a responsabilização civil pelos danos advindos do crime, dada a independência das esferas, especialmente quando lá sequer se fixou valor mínimo da reparação civil. (4) ADESIVO. QUANTUM. MAJORAÇÃO. FIXAÇÃO ADEQUADA. MANUTENÇÃO. - A compensação por danos morais deve considerar, além da extensão do dano, o grau da culpa do ofensor e suas condições econômico-financeiras, os fins pedagógico, inibitório e reparador da verba, a fim de que reste proporcional. Assim, deve o arbitramento do quantum fundar-se sempre no critério de razoabilidade, tendente a reconhecer e condenar o réu a pagar valor que não importe enriquecimento indevido para aquele que suporta o dano, mas uma efetiva compensação de caráter moral e uma séria reprimenda ao ofensor, desestimulando a reincidência. Observadas essas balizas, não há falar em alteração do estabelecido em primeiro grau de jurisdição. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS (AC nº 2014.086905-0, da Capital, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 5/2/2015).

Afasto, pois, a prefacial, e passo ao julgamento de mérito do recurso.

3 Mérito

Insiste o autor na ocorrência de abalo moral indenizável e na condenação do réu, argumentando que a condenação na esfera criminal pelos crimes de calúnia e injúria racial (em processo que tem como querelante João Carlos Silva, seu colega e vítima do mesmo fato) transitou em julgado, constando na respectiva sentença que "restou devidamente comprovada a materialidade delitiva e autoria, quando o ora Apelado, réu no processo crime, xingou a vítima, ora Apelante e seus colegas, fazendo referência a sua raça, chamando-o de 'NEGRO LADRÃO', com a clara intenção de atingir a honra e humilhá-lo publicamente" (p. 10).

Razão lhe assiste.

Prescrevem os artigos 186 e 927 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Acerca do ato ilícito caracterizador do dano moral, extrai-se dos ensinamentos de Humberto Theodoro Junior:

Em direito civil há um dever legal amplo de não lesar a que corresponde a obrigação de indenizar, configurável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenidade, surta algum prejuízo injusto para outrem, seja material, seja moral (CC, art. 186).

No convívio social, o homem conquista bens e valores que formam o acervo tutelado pela ordem jurídica. Alguns deles se referem ao patrimônio e outros à própria personalidade humana, como atributos essenciais e indisponíveis da pessoa. É direito seu, portanto, manter livre de ataques ou moléstias de outrem os bens que constituem seu patrimônio, assim como preservar a incolumidade de sua personalidade.

É ato ilícito, por conseguinte, todo ato praticado por terceiro que venha refletir, danosamente, sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem como ser moral. Materiais, em suma, são os prejuízos de natureza econômica, e, morais, os danos de natureza não econômica e que "se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou...

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