Acórdão Nº 0014164-75.2013.8.24.0064 do Primeira Câmara de Direito Civil, 19-11-2020

Número do processo0014164-75.2013.8.24.0064
Data19 Novembro 2020
Tribunal de OrigemSão José
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0014164-75.2013.8.24.0064

Relator: Des. Gerson Cherem II

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. RECURSO DO AUTOR.

1) DÍVIDA ORIGINÁRIA SALDADA POR MEIO DE UMA CARTA DE CRÉDITO. NOVAÇÃO. EXEGESE DO ART. 360, II, DO CC. IMPOSSIBILIDADE DE COBRAR O DÉBITO PRIMITIVO DO PRIMEIRO DEVEDOR, PORQUANTO NÃO COMPROVADA A MÁ-FÉ DESTE E A INSOLVÊNCIA DA NOVA RESPONSÁVEL (ART. 363, CC). IMPROCEDÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.

"Se a dívida foi contraída para saldar e substituir débitos anteriores, avultando o animus novandi, revela-se inteiramente descabida a discussão acerca das obrigações que por força da novação se extinguiram." (AC n. 1999.011102-4, rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 13.11.2001).

2) HONORÁRIOS RECURSAIS DESCABIDOS. LIMITE MÁXIMO LEGAL ARBITRADO NO PRIMEIRO GRAU (ART. 85, §§ 2º E 11, DO CPC/15).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0014164-75.2013.8.24.0064, da comarca de São José 2ª Vara Cível em que é Apelante José Luiz Albanas e Apelado Douglas Geovani Moises.

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas na forma da lei.







O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Raulino Jacó Brüning e o Exmo. Sr. Des. André Luiz Dacol.

Florianópolis, 19 de novembro de 2020.




Gerson Cherem II

PRESIDENTE E RELATOR


RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por José Luiz Albanas, inconformado com a sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São José que, nos autos da ação de cobrança aforada contra Douglas Geovani Moises, julgou improcedente o pleito exordial, nos seguintes termos (fl. 159):

Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por José Luiz Albanas nesta Ação de Cobrança proposta contra Douglas Geovani Moises


Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 20% sobre o valor atribuído à causa, observado ser beneficiário da justiça gratuita.


Inconformado, o autor sustentou a aplicação do art. 363, do Código Civil, porquanto não alcançara êxito em obter o valor da carta de crédito dada pelo réu como forma de pagamento do débito. Assim, alegou a persistência da dívida de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), postulando a reforma da sentença.

Sem contrarrazões (fl. 177), ascenderam os autos a este Sodalício.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos legais, conhece-se do recurso.

Cumpre relembrar que este processo teve julgamento anterior realizado em 10 de março de 2016, oportunidade em que a Câmara, por maioria de votos, reconheceu de ofício a nulidade da sentença, por ser citra petita, prejudicado o recurso. O acórdão recebeu a seguinte ementa (fl. 141):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. RECURSO DO AUTOR.

ALEGAÇÃO NA PEÇA CONTESTATÓRIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AUSÊNCIA DE EXAME DE TODOS OS PLEITOS. ERROR IN PROCEDENDO. JULGAMENTO CITRA PETITA. AFRONTA AOS ARTS. 128, 459 E 460, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA NOVO JULGAMENTO. RECURSO PREJUDICADO.

A sentença citra petita equivale à negativa de jurisdição, ensejando a nulidade do decisum e, por conseguinte, a prolação de novo julgamento no primeiro grau.


Na origem, sobreveio nova sentença, ora sob recurso (fls. 157/159).

Parte-se, então, para análise da apelação do autor.

1) Da novação:

Sinteticamente, pleiteia o demandante a condenação do réu ao pagamento de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), em virtude de débito advindo da venda de veículo e cinco meses de aluguel de um galpão de propriedade daquele.

Razão, todavia, não lhe socorre.

Depreende-se do processo que o demandado efetivamente detinha uma dívida com o autor no valor de R$ 32.000,00 (trinta e dois mil reais), sendo quitada por meio da carta de crédito perante a empresa Serra Branca Construções (fl. 21) no montante de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). A diferença de R$ 8.000,00 foi ressarcida pelo postulante ao réu.

Na sequência, o apelante não conseguiu satisfazer seu crédito em face da emitente da carta de crédito, e pretende que o réu pague o valor devido por meio da presente actio.

Entretanto, na verdade, ocorrera novação da dívida originária de R$ 32.000,00 (trinta e dois mil reais), com o repasse daquela carta de crédito. Logo, soa descabida a almejada cobrança do débito primitivo, adrede extinto por aquele instituto.

Sobre a novação, o Código Civil disciplina:

Art. 360. Dá-se a novação:

I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;

II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.


A doutrina explicita:

A novação corresponde a meio liberatório singular, a modo especial de extinguir-se a obrigação. Chega-se a compará-la a um pagamento fictício. Define-se como a conversão de uma dívida por outra, para extinguir a primeira. É a substituição de uma dívida em outra, eliminando-se a precedente. Des\parece a primeira, e, em seu lugar, surge nova. Esse o seu conteúdo essencial, aliás, duplo: um extintivo, referente à obrigação antiga; outro gerador, relativo à obrigação nova. Não existe, pois, tão somente, uma transformação; o fenômeno é mais complexo, abrangendo a criação de nova obrigação, que se substituiu à antiga. (MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito civil, vol. 4: direito das obrigações, 1ª parte. 35. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 332).


Leciona Silvio de Salvo Venosa:

A novação é a operação jurídica por meio da qual uma obrigação nova substitui a obrigação originária. O credor e o devedor, ou apenas o credor, dão por extinta a obrigação e criam outra. A existência dessa nova obrigação é condição de extinção da anterior. (Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 262).


Na espécie, por força da entrega da carta de crédito – a qual era de valor maior que o passivo, cuja diferença foi restituída pelo demandante – tem-se que as partes efetivamente novaram a dívida anterior, extinguindo-a.

Cabe destacar da petição inicial (fl. 03):

Ressalta-se que, várias foram as tentativas para que os débitos advindos da locação, bem como da venda do carro, fossem adimplidos, todavia, todas restaram infrutíferas. E, se não bastasse isso, inexitosa foram as tentativas de compor com relação a tal carta de crédito cedida, pois se antes, o Requerido devia R$ 32.000,00 (trinta e dois mil reais) para o autor, com a novação da dívida (através da carta de crédito), passou a dever R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), não restando outra solução a não ser, a via judicial, motivo pelo qual propõe a presente ação. (Grifou-se).


Constata-se, portanto, diante do transcurso dos fatos e da própria afirmação do autor, a ocorrência da novação, nos termos do art. 360, II, do Código Civil.

Aponta a doutrina os requisitos caracterizadores do instituto:

Para que se dê a novação exigem-se os seguintes requisitos: a) existência de obrigação anterior, que se extingue com a constituição de nova, que a substitui (obrigatio novanda); b) criação dessa nova obrigação, em substituição á anterior, que se extingue (aliquid novi); c) intenção de novar (animus novandi). (MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito civil, vol. 4: direito das obrigações, 1ª parte. 35. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 335)


A obrigação primitiva (R$ 32.000,00) e a atual (carta de crédito de R$ 40.000,00) remanesceram incontroversas nos autos. Igualmente emerge o animus novandi das partes, consubstanciado na entrega de um crédito perante terceiro.

A seu turno, dispõe o art. 363, do Código Civil:

Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição.


Da doutrina, retira-se lição acerca do transcrito dispositivo:

A insolvência do novo devedor, em novação passiva, corre por conta e risco do credor, visto que, para a substituição, é necessária a sua aquiescência. Não tem, pois, ação regressiva contra o devedor substituído, mas se este obteve de má-fé a substituição, o credor contra ele pode voltar-se para cobrar a dívida. Reviverá a velha obrigação para esse efeito, como se a novação fosse nula (ORLANDO GOMES, Obrigações, 11ª ed., Forense, p. 14-141). (OLIVEIRA, James Eduardo., Código Civil Anotado e Comentado. 2ed, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 370).


Com fulcro naquele dispositivo legal, argumenta o apelante que o réu deve arcar com a dívida de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), advinda de débitos de alugueres, compra de um veículo e diferença para aquisição da carta de crédito.

Entrementes, inexiste nos autos indício de prova da má-fé do réu, bem como da insolvência da empresa Serra Branca Construções, esta a nova devedora. Sobre o tema, enfatiza-se o trecho abaixo da sentença (fl. 158 v.):

O que se poderia questionar, na perspectiva do artigo 363, do mesmo Diploma, seria a eventual má-fé do Réu em ofertar a carta de crédito como forma de novação da dívida.

Isso, impende gizar, para efeito desse dito artigo de lei, se a Serra Branca fosse insolvente, o que também não foi provado pelo Autor, providência a qual igualmente lhe competia, na forma do artigo 333, I, do CPC.

Pondero que as consultas feitas no Saj (fls. 22/28), não provam a insolvência...

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