Acórdão Nº 0014334-97.2018.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 16-01-2020

Número do processo0014334-97.2018.8.24.0023
Data16 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0014334-97.2018.8.24.0023

Relator: Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (LEI 10.826/03, ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV); TRÁFICO DE DROGAS (LEI 11.343/03, ART. 33, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES.

RECURSO DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA DO TRÁFICO DE DROGAS. POLICIAIS MILITARES QUE ENCONTRAM NA RESIDÊNCIA DO AGENTE MACONHA, CRACK E COCAÍNA, BEM COMO UMA BALANÇA DE PRECISÃO E UM RÁDIO COMUNICADOR. DROGA FRACIONADA PARA VENDA. AUTORIA CONFIGURADA. ALEGAÇÃO AFASTADA.

ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE MULTA IMPOSTA. INSUBSISTÊNCIA. QUESTÃO DE POLÍTICA CRIMINAL. ENTENDIMENTO PACIFICADO DESTA CORTE NO SENTIDO DE QUE É COMPATÍVEL COM O TEXTO CONSTITUCIONAL. OUTROSSIM, EVENTUAL INCAPACIDADE FINANCEIRA QUE DEVE SER ANALISADA PELO JUIZ DA EXECUÇÃO PENAL.

RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUMENTO DA PENA-BASE EM RAZÃO DA NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. APREENSÃO DE 35,5G DE MACONHA, 162G DE COCAÍNA E 315,6G DE CRACK. QUANTIDADE, NATUREZA E DIVERSIDADE QUE JUSTIFICAM O AUMENTO DA PENA-BASE.

AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. VARIEDADE DE DROGA E QUANTIDADE, BEM COMO AÇÃO PENAL EM CURSO PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ELEMENTOS QUE PERMITEM O AFASTAMENTO DO REDUTOR. MINORANTE AFASTADA.

ALTERAÇÃO DE REGIME. PENA FIXADA ACIMA DE OITO ANOS - REGIME FECHADO.

RECURSOS CONHECIDOS. PROVIDO O ACUSATÓRIO E DESPROVIDO O DEFENSIVO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0014334-97.2018.8.24.0023, da comarca da Capital 2ª Vara Criminal em que são apelantes e apelados Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Jean Amador da Silva.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade de votos, conhecer de ambos os recursos, e dar provimento ao reclamo do ministério público para afastar o tráfico privilegiado, exasperar a pena-base e fixar o regime fechado para resgate inicial de pena, e pelo desprovimento do apelo da defesa.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer (Presidente) e o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Doutor Jorge Orofino da Luz Fontes.

Florianópolis, 16 de janeiro de 2020.

Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

Relator


RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Jean Amador da Silva, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 16, caput, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/03 e art. 33, caput, da Lei 11.343/06, conforme os seguintes fatos narrados na inicial acusatória (fls. 46-49):

I. No dia 25 de setembro de 2018, por volta das 16h, policiais militares receberam informes indicando que uma residência, localizada na Rua da Apicultura, s/n, casa próxima ao n. 420, bairro Sanco Grande, nessa Comarca, funcionava como um ponto de comercialização de drogas, razão pela qual dirigiram-se ao local.

Ao aproximar-se, a guarnição avistou o denunciado Jean Amador da Silva pulando a janela da residência e evadindo-se pelo telhado da casa vizinha com uma arma de fogo em mãos. Diante disso, a guarnição deu voz de parada ao denunciado, que não foi acatada, e assim, visando evitar eminente ou injusta agressão por parte de Jean, um dos agentes públicos efetuou um disparo de arma de fogo, atingindo a perna do denunciado.

Em sequência, Jean dispensou a arma de fogo, arremessando o objeto em um matagal, e se rendeu. Em buscas pelo terreno, a guarnição logrou localizar e apreender a arma.

Assim, constatou-se que o denunciado Jean portava, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, um revólver marca Taurus, calibre .38, com a numeração de série suprimida e 6 (seis) munições calibre .38, conforme Auto de Exibição e Apreensão de p. 9.

II. Realizadas buscas na residência do denunciado, os agentes públicos constataram que Jean guardava e tinha em depósito, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 2 (duas) porções da droga 'Cannabis sativa' ou 'maconha', com massa bruta total de 35,5g (trinta e cinco gramas e cinco decigramas), 24 (vinte e quatro) pacotinhos de plástico branco, contendo a droga 'cocaína', em forma de pó, com massa bruta total de 8,0g (oito gramas), 100 (cem) pacotinhos de plástico azul, contendo a droga 'cocaína', em forma de pó, com massa bruta total de 90,4g (noventa gramas e quatro decigramas), 138 (cento e trinta e oito) pacotinhos de plástico branco, contendo a droga 'cocaína', em forma de pó, com massa bruta total de 37,3g (trinta e sete gramas e três decigramas), 1 (um) pacote da droga 'cocaína', em forma de pó, com massa brutal total de 26,9g (vinte e seis gramas e nove decigramas) e 1 (uma) sacola contendo a droga 'cocaína', em forma de pedra, com massa bruta total de 315,6g (trezentos e quinze gramas e seis gramas) conforme Auto de Exibição e Apreensão de p. 9 e Laudo de Constatação n. 0862/18 de p. 17.

Os entorpecentes apreendidos se destinavam à comercialização clandestina a terceiros e são substâncias capazes de causar dependência física e/ou psíquica, de uso proibido em todo o território nacional.

Foi apreendido também uma balança de precisão e um radiocomunicador objetos utilizados pelo denunciado para praticar o delito em tela. E ainda, R$ 33,50 (trinta e três reais e cinquenta centavos) produto do tráfico ilícito praticado por Jean.

Recebida a denúncia (fl. 52), e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (fl. 125-140), por meio da qual o magistrado a quo julgou procedente a pretensão ministerial, condenando o acusado às penas de 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 176 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, pelo cometimento dos delitos estampados no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/03 e art. 33, caput, da Lei 11.343/06.

Inconformadas com a prestação jurisdicional, as partes interpuseram recurso de apelação.

O ministério público, em suas razões (fls. 152-167), insurge-se contra a individualização da pena, almejando seu incremento.

Alega que a quantidade e variedade da droga deve ser utilizada na primeira fase para elevar a reprimenda do acusado.

Advoga também o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei 11.343/06.

Subsidiariamente, pretende a diminuição da fração do redutor da lei de drogas.

Por fim, sustenta que "ao regime de cumprimento de pena fixado ao Recorrido Jean, entende o Apelante que, independente do provimento dos pleitos anteriores, diante da gravidade da ação e dos prejuízos que o tráfico de drogas traz à sociedade, a fixação de regime aberto ao Recorrido não será suficiente a atender aos objetivos da pena. Deve, pois, ser alterado para o regime fechado o início do resgate da reprimenda."

O acusado, por sua vez, requer sua absolvição do crime de tráfico de drogas, pois ausente qualquer prova da mercancia ilícita.

Não sendo este o entendimento desta Colenda Câmara, requer o reconhecimento da inconstitucionalidade da pena de multa, pois "confere possibilidade de quitação apenas à pequena parcela da sociedade brasileira, violando, assim, o princípio constitucional da igualdade, especialmente na sua dimensão substancial, que exige, segundo a máxima aristotélica, o tratamento distinto a pessoas em situações desiguais na exata medida da desigualdade."

Defende também que "não possuindo condições para pagar a dívida - o que provavelmente nunca poderá fazê-lo -, a pena pecuniária acaba por revestir-se de caráter perpétuo [...]".

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial às fls. 216-224 e pelo acusado às fls. 191-198.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Marcílio de Novaes Costa (fls. 236-246), manifestando-se pelo conhecimento de ambos os recursos, pelo provimento do acusatório e desprovimento do defensivo.

Este é o relatório.


VOTO

Analisados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

1. Autoria do delito de tráfico de drogas - recurso do acusado

O crime de tráfico de drogas encontra-se tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, in verbis:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

É consabido que, para caracterização do delito em exame, não se mostra imprescindível que sejam apreendidos objetos comumente identificados no cenário da narcotraficância (como balança de precisão e material para embalagem da droga), tampouco que o sujeito seja flagrado no ato da mercancia ou que exista investigação prévia policial, uma vez que o art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 configura um delito que comporta diversas condutas e, em sendo assim, pode ser cometido pela prática de qualquer uma das ações previstas no tipo penal, dentre elas "ter em depósito e guardar", bem como porque o que prepondera são as peculiaridades de cada caso concreto, mormente a dinâmica da abordagem.

Aliás, nem mesmo a quantidade e natureza da droga localizada são circunstâncias isoladas e determinantes para a configuração do delito, porquanto inexiste um critério rígido e matemático para se definir a condição de traficante.

No caso, a materialidade delitiva é inconteste, haja vista que foram apreendidos "uma balança pequena", "um rádio comunicador de cor azul", 35,5g de maconha, 162g de cocaína e 315,5 de crack (fls. 9, 17, 90-92).

Nesta toada, importante mencionar que, desde...

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