Acórdão Nº 0014449-60.2019 do Conselho da Magistratura, 30-04-2020

Número do processo0014449-60.2019
Data30 Abril 2020
Tribunal de OrigemCoronel Freitas
Classe processualRecurso Administrativo
Tipo de documentoAcórdão


ACÓRDÃO


Recurso Administrativo (Apelação) n. 0014449-60.2019.8.24.0710


Relator Conselheiro: Des. Júlio César M. Ferreira de Melo


RECURSO ADMINISTRATIVO (APELAÇÃO). SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REGISTRO DE ESCRITURA DE "DESMEMBRAMENTO DE IMÓVEL RURAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL". EXIGÊNCIA DE RETIFICAÇÃO DA DESCRIÇÃO DA ÁREA TOTAL DO IMÓVEL E DA ÁREA REMANESCENTE. DESNECESSIDADE EM HAVENDO DESCRIÇÃO PRECISA DA ÁREA EXPROPRIADA. INCIDÊNCIA DA CIRCULAR 309/CGJ-SC DE 2014 AO CASO CONCRETO. FUNDAMENTO LEGAL: DESAPROPRIAÇÃO COMO FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos, de Recurso Administrativo n. 0014449-60.2019.8.24.0710, em que é recorrente Mauê S/A - Geradora e Fornecedora de Insumos e recorrida oficial interina do Registro de Imóveis de Coronel de Freitas-SC.


O Conselho da Magistratura, decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso administrativo e dar-lhe provimento para julgar IMPROCEDENTE a presente suscitação de dúvida, a fim de dispensar a exigência de "prévia retificação da descrição tabular da área total e da área remanescente do imóvel", previstas no artigo 784, § 1.º, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, caso o registrador entenda que há descrição precisa da área expropriada (desconsideradas as áreas total e remanescente), nos termos da orientação da Circular n° 309/CGJ de 2014, aplicável ao caso em concreto.


O julgamento, realizado no dia 29-4-2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Roesler e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Júlio César Machado Ferreira de Melo (Relator), José Agenor de Aragão, Salim Schead dos Santos, João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins, Roberto Lucas Pacheco, Ricardo Roesler, Carlos Adilson Silva, Odson Cardoso Filho, Volnei Celso Tomazini, Hélio do Valle Pereira e Dinart Francisco Machado.


Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Mário Luiz de Melo.


Florianópolis, 29 de abril de 2020.


Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo
Relator


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RELATÓRIO


Pedido: Mauê S/A Geradora e Fornecedora de Insumos requereu, perante o Registro de Imóveis de Coronel de Freitas-SC, o registro da escritura de "desmembramento de imóvel rural c/c indenização por desapropriação amigável" lavrada em 30/04/2019 no Tabelionato de Notas e Protesto de Pinhalzinho-SC (Livro 182, fls. 165-169). O documento trata do desmembramento, em razão de desapropriação amigável, da área de 17.569,05 m², dentro da área maior do imóvel objeto da matrícula 20.677 do Cartório de Registro de Chapecó-SC.


Exigências feitas: A oficial interina do Registro de Imóveis de Coronel de Freitas-SC negou o registro por entender, entre outras exigências, que "a descrição tabular do imóvel deve passar por uma Retificação de Maior Complexidade", frisando que "o levantamento topográfico deve ser realizado sobre a área total do imóvel (121.000,00 m²), com o objetivo de descrever precisamente o imóvel" (0127617). Nota de Devolução n° 117 de 2019, item 1.


Suscitação de dúvida: Discordando desta exigência, a requerente solicitou a abertura de suscitação de dúvida, para pronunciamento judicial acerca da possibilidade de dispensa da "prévia retificação da descrição tabular e da apuração da área remanescente". Citou como exemplo o processo 0002740-60.2016.8.24.0022, no qual restou aplicada a Circular n° 309 de 2014 do CGJ-SC, além de juntar outras decisões correlatas (0130233 - fl. 31).


Contra-argumento: A oficial afirma que: "A circular 309/CGJ/2014 originou-se dos autos 0013080-46.2014.8.24.0600, que trata especialmente dos casos de desapropriação consensual por aquisição originária pelo Poder Público (DEINFRA), indicando a desnecessidade do cumprimento do art. 784, § 1° do Código de Normas da CGJ-SC, quando houver descrição precisa da área expropriada, o que não ocorre neste caso, haja vista que a iniciativa é particular e que a descrição da área encontra-se extremamente precária, imprescindindo, assim, de retificação prévia para maior esclarecimento da área desmembrada e remanescente e, deste modo, maior segurança no ato praticado" (0127617 - fls. 2-4).


Parecer ministerial: Instado a se manifestar, o Ministério Público opinou pela procedência da dúvida. Argumentou que as exigências feitas pela oficial interina encontram amparo nos arts. 176, § 3º e 225 da Lei n. 6.015/73. Além disso, afirmou que, no processo 0002740-60.2016.8.24.0022, apenas foi dispensada a retificação "em razão de tratar-se de desapropriação promovida exclusivamente pelo Poder Público", não sendo o caso dos autos, cuja iniciativa é particular. Por fim, afirmou que "a demanda não se amolda às causas de dispensa quando constou expressamente da própria escritura a necessidade de adequação através do processo de retificação", ressaltando a importância do processo de georreferenciamento dos imóveis rurais (0210156).


Sentença (decisão administrativa): Acolhendo o parecer ministerial na íntegra, o Magistrado do primeiro grau julgou PROCEDENTE a suscitação de dúvida, para "reconhecer a irregularidade da escritura para fins do ato registral imobiliário, com a necessidade de adequação dos apontamentos indicados na presente suscitação de dúvida" (2491249).


Apelação (recurso administrativo): Inconformada com a decisão, a requerente interpôs apelação. Sustenta que, sendo a desapropriação uma forma originária de aquisição da propriedade, independente do título de domínio anterior e não se subordina ao princípio da continuidade, de modo que a escritura de desapropriação se apresenta como título hábil para registro. Afirma que a exigência de prévia apuração da área total e da extensão remanescente obstaria a regularização e a publicidade de uma situação fática e jurídica consolidada, cujo registro é meramente declaratório (2539009).


Contrarrazões: A oficial requer, preliminarmente, o não conhecimento do recurso, ante a alegada inovação recursal na causa de pedir. Argumenta que a requerente se apôs às exigências com base na Circular 309/CGJ/SC, enquanto que, inovando em apelação, baseia o pedido na aquisição originária da propriedade via desapropriação. No mérito, pugna pelo desprovimento do recurso. Argumenta que a desapropriação apenas dispensa a retificação da área total quando é "promovida exclusivamente pelo Estado", não sendo o caso, cuja iniciativa é particular, não obstante baseada em declaração de utilidade pública. Argumenta, ainda, que a retificação da área total é necessária para que se possa individualizar o imóvel como um todo, antes de desapropriar determinada parcela. Aduz que, com a desapropriação, "é evidente que as descrições geodésicas da área remanescente e suas extensões não serão mais as mesmas da matrícula de origem", o que feriria os princípios registrais da especialidade objetiva, continuidade, legalidade e segurança jurídica (2577632).


Parecer da PGJ: Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Plínio Cesar Moreira, que opinou, na linha das contrarrazões, pelo não conhecimento do recurso, sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição e consequente supressão de instância (2620002).


É o relatório.


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VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto por Mauê S/A Geradora e Fornecedora de Insumos contra a sentença que, julgando procedente a presente suscitação de dúvida, manteve as exigências da oficial interina do Registro de Imóveis de Coronel de Freitas-SC - retificação da descrição tabular de todo o imóvel e da área remanescente -, as quais embasaram o indeferimento do registro da escritura de "desmembramento de imóvel rural c/c indenização por desapropriação amigável" lavrada em 30/04/2019 no Tabelionato de Notas e Protesto de Pinhalzinho-SC (Livro 182, fls. 165-169).


Passo à análise dos pontos devolvidos à apreciação deste Colendo Conselho:


1. ADMISSIBILIDADE (DIALETICIDADE)


Com a devida vênia ao posicionamento do Procurador de Justiça, mas entendo que o recurso deve ser conhecido.


O princípio da dialeticidade consiste no dever, imposto ao recorrente, de apresentar em seu recurso argumentos de fato e de direito destinados a ensejar a reforma da decisão impugnada (vide STJ, AgInt no REsp 1472043/MS, DJe 20/02/2017).


Na hipótese, a sentença concluiu pela manutenção das exigências formuladas pela oficial interina. Em sua apelação, a requerente, atacando a decisão, argumenta porque tais exigências devem ser dispensadas. Assim, estando a causa de pedir adequada à impugnação da sentença recorrida, não vejo motivos para o não conhecimento do recurso (vide STJ, REsp 1594513/RJ, DJe 10/10/2016).


Além disso, não vislumbro a alegada inovação recursal. Isso porque a Circular n° 309/CGJ de 2014, na qual se baseia a suscitação de dúvida, está justamente calcada no fato de a desapropriação ser uma forma de aquisição originária da propriedade, tese agora tida por inovadora. Ademais, se analisarmos as demais decisões juntadas com o pedido, veremos que também se fundamentam neste mesmo ponto (0130242). Não há surpresa, portanto, nas razões apresentadas. Não bastasse, vejo que a questão foi sim tratada na sentença, ainda que de forma subsidiária, quando afirmado que a dispensa só ocorreria na desapropriação "promovida exclusivamente pelo Poder Público" (2491249).


Não posso deixar de notar, ainda, que o procedimento de suscitação de dúvida possui natureza prioritariamente administrativa, não havendo, por excelência, vencedores ou perdedores. O objetivo principal da instauração é...

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