Acórdão Nº 0014472-20.2011.8.24.0020 do Segunda Câmara Criminal, 28-03-2023

Número do processo0014472-20.2011.8.24.0020
Data28 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0014472-20.2011.8.24.0020/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


APELANTE: FILIPE SOARES VIEIRA DA LUZ (ACUSADO) ADVOGADO(A): JEFFERSON DAMIN MONTEIRO (OAB SC026790) APELANTE: RICARDO SOARES DA LUZ (ACUSADO) ADVOGADO(A): JEFFERSON DAMIN MONTEIRO (OAB SC026790) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Criciúma, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Filipe Soares Videira da Luz e Ricardo Soares da Luz, dando-os como incursos nas sanções do art. 121, §2º, I e IV, c/c o art. 29, ambos do Código Penal (CP) e do art. 14 da lei 10.826/03, pelos fatos que assim descritos:
Conforme consta do incluso caderno indiciário a vitima Cássio Rodrigo Assis Pereira tinha estreito relacionamento com os denunciados e irmãos Ricardo Soares da Luz e Filipe Soares da Luz, os quais são conhecidos no bairro onde vivem por envolvimento no tráfico de drogas. Segundo o apurado, os denunciados abasteciam a vítima Cássio de drogas, o qual fazia o uso da droga, mas também intermediava algumas vendas e acabou contraindo dívida junto aos traficantes.Em razão da dívida, na tarde de 22 de maio de 2011, os denunciados Ricardo e Filipe foram ao encontro da vítima Cássio numa casa abandonada que serve de ponto de encontro de usuários de droga, localizada na Rua Herval Velho, bairro São Francisco, nesta cidade, e ambos, em comunhão de esforços e com animus necandi, mataram Cássio Rodrigo Assis Pereira com um disparo de arma de fogo que atingiu o tórax da vítima. Não obstante apenas o denunciado Ricardo tenha desferido o tiro contra a vítima, o denunciado Filipe aderiu à conduta, induzindo-o e encorajando-o para que matasse a vítima, também desejo seu. Na ocasião, o denunciado Ricardo estava munido do revólver marca Taurus, calibre 38, registro KF454658, arma esta que o denunciado portava sem autorização de autoridade competente e em desconformidade com determinação legal ou regulamentar, posteriormente apreendida (conforme certidão de fls. 39-v e 44).O único disparo, transfixante, causou na vítima as lesões descritas no auto de exame cadavérico de fl. 14, ocasionando parada cardiorrespiratória por hemorragia interna aguda, sendo a causa eficiente e determinante de sua morte.O homicídio foi cometido por motivo torpe, considerando que foi o resultou da divida relativa ao tráfico de entorpecentes que era praticado entre a vítima e os denunciados.Ainda, o crime praticado pelos denunciados foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que agiram com surpresa, não podendo a vitima esperar a atitude deles ou mesmo esboçar qualquer gesto defensivo. (ev. 697 do feito originário).
Encerrada a instrução preliminar, foi julgado parcialmente admissível o pleito formulado na Exordial e, em consequência, Filipe Soares Videira da Luz e Ricardo Soares da Luz foram pronunciados pela prática do delito previsto no art. 121, §2º, I e IV, c/c o art. 29, ambos do Código Penal (CP) e do art. 14 da lei 10.826/03.
Irresignados, os acusados interpuseram recursos em sentido estrito. Ambos sustentaram teses de: a) absolvição sumária ou impronúncia, por inexistência de prova da autoria; e, sucessivamente, b) afastamento das qualificadoras.
Esta Câmara, na sessão de julgamento realizada em 24 de junho de 2014, decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento aos recursos (ev. 707).
Submetidos a julgamento perante o Tribunal de Júri, e em atenção à decisão soberana do Conselho de Sentença, o Juiz Presidente julgou procedente a Denúncia, para condenar:
a) Ricardo Soares da Luz à pena privativa de liberdade de 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao art. 121, §2º, I e IV, do Código Penal; e
b) Filipe Soares da Luz à pena privativa de liberdade de 9 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao art. 121, §2º, I e IV, c/c o art. 29 do Código Penal.
Inconformada, a Defesa, comum a ambos réus, interpôs Recursos de Apelação, em cujas Razões (evs. 848 e 849) pugna, em resumo, o reconhecimento da nulidade do julgamento perante o Tribunal do Júri, por violação ao sistema acusatório, ao argumento de que o órgão de primeiro grau do Ministério Público, titular da ação penal, requereu a absolvição dos acusados, conforme consignado em ata, e que isso equivale ao não exercício da pretensão acusatória. Almeja, ainda, a anulação do julgamento, por ser a decisão do Conselho de Sentença manifestamente contrária à prova dos autos, ante a falta de comprovação da autoria delituosa, com base no artigo 593, inciso III, alínea 'd', do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, pleiteia a concessão de habeas corpus para absolver diretamente os acusados ou submetê-los a novo julgamento, ante a existência de flagrante ilegalidade.
Apresentadas as Contrarrazões (ev. 853 do feito de origem), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, manifestou-se pelo "pelo conhecimento e provimento dos apelos, para que o julgamento seja anulado, em face da lesão ao princípio acusatório, devendo os autos, diante da manifesta discordância dos jurados em relação ao pleito absolutório formulado pelo órgão de primeiro grau do Ministério Público, ser remetidos ao Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça, por força da aplicação analógica do artigo 28 do Código de Processo Penal, para, querendo, ratificar o pedido de absolvição ou, em discordando desse pedido, designar outro representante ministerial para atuar no novo julgamento que deverá ser realizado". (ev. 188).
Este é o relatório

VOTO


O recurso deve ser conhecido, por próprio e tempestivo.
A Defesa dos réus almeja a declaração de nulidade do feito, ao argumento de que houve violação ao sistema acusatório durante a Sessão Plenária, porquanto o Ministério Público requereu a absolvição de ambos os acusados e o Conselho de Sentença decidiu por condená-los.
Pretende, ainda, a anulação do julgamento por considerar que a decisão dos jurados se deu de forma manifestamente contrária à prova dos autos, com base no artigo 593, inciso III, alínea 'd', do Código de Processo Penal, sob a alegação que inexistem elementos probatórios aptos a demonstrar a ocorrência dos fatos descritos na Denúncia.
Subsidiariamente, pleiteia a concessão de habeas corpus, com o fim de absolver os acusados ou submetê-los a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Inicialmente, a irresignação relacionada à vinculação do Magistrado ao pleito absolutório do Órgão Ministerial não merece acolhimento.
Isso porque, a condenação dos réus pelos jurados, mesmo diante do pleito absolutório formulado pelo representante do Ministério Público na Sessão Plenária, não viola o sistema acusatório, ante o permissivo no art. 385, do Código de Processo Penal, que assim estabelece: "Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada."
Sobre o assunto, leciona Norberto Avena:
O art. 385 do CPP faculta ao juiz criminal, nos crimes de ação penal pública, condenar o réu, ainda que tenha o Ministério Público opinado pela absolvição.Na verdade, o uso do verbo opinar traduz impropriedade do legislador e contrasta com a posição exercida pelo Ministério Público na ação pública - a de autor. Portanto, o parquet não opinará pela absolvição nessa modalidade de ação penal, mas, sim, pedirá esta solução, se assim o entender.
Efetivamente, não poderia o Código dispor ao contrário. Afinal, por um lado, o processo penal, uma vez instaurado, tramita por impulso oficial, competindo ao juiz conduzi-lo à fase da sentença mediante o cumprimento do procedimento previsto em lei. Por outro, não se pode esquecer que vigora na ação penal pública o princípio da indisponibilidade, o que impede o Ministério Público de sua desistência. Ora, se o juiz não pode homologar pleito de desistência formulado pelo Ministério Público em delito de ação pública, nada mais natural do que lhe atribuir a lei a faculdade de condenar o réu mesmo que tenha se inclinado o promotor pelo pedido de absolvição, pois tal ordem de pedido, ao fim e ao cabo, acarreta a mesma consequência que decorreria da desistência da ação por seu autor, caso isso fosse possível: a impunidade do indivíduo acusado da prática de uma infração penal.
Não se ignora, por certo, que a legitimação exclusiva conferida ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988 chegou a levar alguns doutrinadores a cogitar da não recepção do art. 385 pela Lex Fundamentallis.Todavia, tal entendimento jamais espelhou a posição majoritária, sempre se considerando que, pelo princípio do livre convencimento, o fato de o promotor ter pedido a absolvição do réu na fase de sua manifestação final do processo não vincula o magistrado. (AVENA, Norberto, Processo penal / Norberto Avena. - 14. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Método, 2022, p. 1130 - grifou-se).
Portanto, o fato de o Órgão Ministerial ser titular da Ação Penal não implica em vinculação do Conselho de Sentença à conclusão extraída da interpretação das provas constantes no processo, tampouco em afronta ao princípio da inércia da jurisdição.
Dessa forma, tem-se que os jurados possuem independência para julgar de acordo com os elementos probatórios colhidos no feito, o que inclusive o fazem pela íntima convicção, sem qualquer vinculação com o parecer do Ministério Público.
Em situação semelhante, esta Câmara decidiu que: "O princípio acusatório é respeitado na medida em que o Ministério Público é quem propõe a ação; depois de ofertada, porém, ela é indisponível (CPP, art. 42), sendo descabido vincular a atuação estatal à opinião de um dos litigantes a respeito do conjunto probatório"....

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